Ao redor de Vitalina Varela

Já faz algum tempo que tenho buscado pensar outras formas e métodos de escrita crítica que quebrem um certo modelo muito individualista – dado que este é um mal do nosso tempo. De certa forma, experimentar escrever junto é registrar também outras coisas, principalmente o que não nos é “próprio”. Poder reagir ir na onda do outro, se relacionar com o que não havíamos pensado é oferecer ao leitor um outro tipo de material, que me parece fértil como experiência de encontros com obras. Não… CONTINUA

Amor pelas torrentes e liames

Nascido em 1987, Eduardo Williams é um dos jovens diretores atuais cuja obra possui uma inegável consistência construída por meio de um constante risco. Esse seu primeiro passo em longa duração guarda muitas semelhanças com seus cinco curtas-metragens anteriores, que estabeleceram a justa fama do artista argentino em vários dos principais festivais do mundo. O Auge do Humano é mais um capítulo de sua exploração das múltiplas dimensões do que é ser jovem no mundo de hoje. Aqui, como nos filmes anteriores, o que se… CONTINUA

Os destroços da civilização europeia

A Portuguesa é o sétimo longa-metragem de Rita Azevedo Gomes, cineasta da linha de frente do cinema português que apesar de três décadas de uma produção rica, só nos últimos anos veem recebendo timidamente um pouco da atenção merecida. Recentemente o filme circulou pelo Brasil, primeiro no Olhar de Cinema e depois numa pequena retrospectiva dos seus filmes em São Paulo. O cinema de Gomes traz à frente alguns elementos da tradição do cinema português, sobretudo na sua relação com a literatura e aristocracia, com… CONTINUA

“I am a passenger”

O hino à falta de controle sobre o destino proposto por Iggy Pop abre a primeira cena de La Gomera, novo filme do romeno Corneliu Porumboiu – e seu primeiro a ser exibido na competição de Cannes. A música acompanha a chegada do policial Cristi na ilha espanhola que dá nome ao filme: ali ele é um estranho e será transportado por uma história sobre cujas rédeas, logo vamos percebendo, não tem nenhum controle. A forma como o filme se espalha pelo tempo e pelo… CONTINUA

A primeira pancada

Tamanha a estupefação diante da superficial profundidade do riso causado por Eugène Green neste curto – curto como um golpe – Como Fernando Pessoa Salvou Portugal, somente uma lenda pode introduzi-los, o filme, a gargalhada, a travessura custosa que é a poesia. Lembramos bem (grande parte de nós?) do monólito escuro de Stanley Kubrick à aurora da humanidade, do fantasmático ressoar de ‘Rosebud’ pelos corredores do império morto do magnata Charles Kane, da diabólica orquestração em agudos de pássaros assaltando uma cabine telefônica com uma… CONTINUA

Berlinale 2019 e suas despedidas

A sexagésima nona edição do Festival de Berlim, ou Berlinale, como é geralmente conhecido, certamente será marcada por um instante de inflexão na sua história. Após dezoito anos no centro dos holofotes da curadoria, Dieter Kosslick anunciou a sua despedida. Ficará à sombra e deixará de lado o chapéu, o cachecol vermelho e o bigode que legaram charme à sua marca visual. Como ocorre na maioria dos festivais de cinema de renome internacional – vide Cannes e Veneza – as direções artísticas são longevas e… CONTINUA

Carcaças

Tragam-me a Cabeça de Carmen M. é um filme de carcaças. Do corpo largado da protagonista encarnada pela codiretora Catarina Wallenstein, passando pela imagens usadas nos recortes neotropicalistas na casa da mulher, os trechos de filmes hollywoodianos clássicos com a presença da “pequena notável”, o incêndio do Museu Nacional, as canções esparsas executadas em certas cenas, o cenário desolado onde se passa o filme dirigido por uma diretora controladora presa a uma cadeira de rodas (Helena Ignez, apenas vestígio do vigor cinematográfico moderno brasileiro), são… CONTINUA

Traumas e perturbações: o fantasma do Pai

Não são poucos os filmes ao longo da nossa história, principalmente a das duas últimas décadas, que trilharam a necessidade de um órfão acertar as contas com o pai, seja esta figura paterna uma autoritária, fortemente presente, ou uma fantasmática, que impõe sua presença pela ausência. A figura cinematográfica do pai é frequentemente a que nos indica um norte ou uma orientação – que nos insere numa tradição de alguma natureza – e a imagem do órfão é também frequentemente a do abandonado pela história,… CONTINUA

Imagens para o amanhã

I. Do cotidiano: Grass A carreira de Hong Sang-soo reflete, piamente, um interesse pelos longos diálogos de plano único, uma intuição de que nos fugidios intercâmbios verbais entre duas ou mais pessoas, que se dispõem genuinamente à troca, pode-se mesmo encontrar o inestimável. O traço se repete em Grass, mas deixa de ser um dispositivo narrativo para se consumar como o retrato do mundo humano em si mesmo, como um sumário essencial das relações. Através de bate-papos, marcados por imponentes músicas clássicas, em cafés e restaurantes,… CONTINUA

Latitudes e partidas: o historiador da história

É caso a se pensar e debruçar, este das tarefas impostas ao cinema “de cima”, digamos, pela crítica. Por seus outros agentes de fabricação também, decerto, mas sobretudo por ela. Melhor dito: pela crítica no decurso do tempo, posto que a sedimentação sobre o eco reverberado costuma ser mais sólida e persistente que aquela feita sobre a rocha que objeta, e não por sobrepujança das forças ditas conservadoras. Aquela (crítica) que disser de certos filmes que estes podem reescrever a história, por exemplo, ou mesmo… CONTINUA