Tesão e tensão

1. Maya Deren foi uma cineasta, escritora e coreógrafa experimental muito ativa e influente nos anos quarenta e cinquenta do século passado. Nasceu na Ucrânia, em Kiev, em 1917, como Eleonora Derenkowska, mas seus pais fugiram do antissemitismo para os EUA em 1922. Deren estudou poesia moderna e participou de um grupo trotkista antes de fazer seu primeiro filme, em 1943, junto com seu marido da época, Alexander Hammid, e um orçamento de duzentos e cinquenta dólares. Meshes of the Afternoon é também sua obra… CONTINUA

História do olho

A mais recente embarcação de James Gray lembra: não somos ingênuos a pelo menos três dos rastros mais distintivos, e, portanto, também, mais reiterativos, escorregadios, da chamada ficção científica como tratada pelo cinema – e não simplesmente porque a certos gêneros a assinatura de seus traços é uma docilidade aos olhos: 1) fala-se de uma noção de cidade, de um espaço reflexivo diante das relações que ali se travam e/ou não mais se travam, 2) é perceptível um arranjo de técnicas constituintes dos limites de… CONTINUA

O futuro de um passado

Em ao menos duas ocasiões ao longo de The Irishman, o mais novo filme de Martin Scorsese, a câmera passa do exterior ao interior de uma locação, atravessando o parabrisa de um carro em uma delas, e a porta de vidro de uma lanchonete em outra. Esse movimento traz à memória um plano bastante célebre de Cidadão Kane (1941), de Orson Welles, em que um movimento de grua passa por entre as letras de neon do luminoso sobre o El Rancho e atravessa uma claraboia,… CONTINUA

O último escultor cubista

Em Os Convidados, Ken Jacobs se apropria de um fragmento de 30 segundos de Entrée d’une Noce à l’Église, uma vista Lumière filmada em 17 de junho de 1897. A vista retrata a entrada dos últimos convidados para o casamento da irmã de Charles Moisson, projecionista dos irmãos Lumière, na igreja de Saint-Lambert de Vaugirard, em Paris. Em um desenvolvimento recente de suas pesquisas com o 3D digital, Jacobs ralenta a projeção do filme original ao máximo e sobrepõe, a cada vez, dois fotogramas ligeiramente… CONTINUA

Primavera, verão, outono e inverno

James Benning tem proposto a cada novo projeto um conceito simples e explícito, cuja execução desconcerta por sua literalidade. Os quatro planos em que consiste Readers, seu filme exibido este ano no Festival Ecrã, mostram sempre uma única pessoa lendo um livro, em casa, parada em silêncio, durante cerca de meia hora cada um, filmados de um ponto de vista fixo. Um trecho de cada livro é exibido em uma cartela logo depois de cada plano. E é só. A proposição conceitual do filme é,… CONTINUA

Marvel e o Destino Manifesto

Não é apenas que Vingadores: Ultimato ocupou uma obtusa porcentagem das salas exibidoras do país. Não é questão meramente socioeconômica, embora também o seja: o histórico semicolonial do setor de exibição dificulta o acesso da produção nacional, e o enfraquecimento do sistema legislativo das cotas, historicamente, contribui à retração do próprio empresariado cinematográfico (que produz, mas não exibe). É naíve pensar que isto seja uma reação natural do mercado, ou a predileção do público por esta ou aquela forma, estilo ou obra cinematográfica, pois é… CONTINUA

Dar fim ao mundo, recomeçar o mundo

Em 1965, moradores do bairro de Watts, na periferia de Los Angeles, se revoltaram depois que policiais brancos tentaram prender de forma truculenta e arbitrária um jovem negro que dirigia embriagado. A atuação dos policiais, cada vez mais violenta, mobilizou uma multidão que, em pouco tempo, começou a se insurgir contra a opressão e o racismo em um conflito que durou quase uma semana e resultou em dezenas de mortes e milhares de feridos. Pouco anos depois dos Levantes de Watts (como ficaram conhecidas as… CONTINUA

Esse assombroso passado

Se hoje um criador precisa lidar com as lembranças de tudo que existiu antes no cinema, ele ainda pode contar com uma constante: o poder do fascínio da ficção, da necessidade humana de fabular, encontrando no cinema uma ferramenta poderosa pela maneira como consegue acessar um imaginário e fazer literalmente que se veja o mundo por outras lentes. Nesse sentido, poucos cinemas são tão informados pelo poder da imagem cinematográfica e pela mitologia por ela criada quanto o de Quentin Tarantino. E se isso é… CONTINUA

Projeções do real

Não é preciso nenhuma grande interpretação crítica, até porque tal fato está falado com todas as letras no testemunho de um dos entrevistados com maior acesso ao personagem-título de Diego Maradona: na combinação desses dois nomes havia na verdade duas pessoas diferentes com quem os próximos a ele precisavam se relacionar. E se não se pode dizer que a ideia dessa necessária separação entre “Diego” e “Maradona” não chegue a ser uma novidade (afinal, Pelé – sempre ele assombrando narrativas de Maradona – já falava… CONTINUA

Às armas, cidadãos

Não tenho lembrança da competição em Cannes começar com três filmes em diálogo tão claro e direto, entre si e com o mundo à sua volta. Vindos dos EUA, da França e do Brasil, os filmes de Jim Jarmusch, Ladj Ly e Kleber Mendonça Filho/Juliano Dornelles conversam não apenas pela chave mais fácil da incorporação dos códigos de distintos cinemas de gênero (filme de zumbi, filme policial, filme de ficção científica/ação/gore) mas principalmente pela forma como, ao propor um olhar absolutamente grudado no presente sócio-político… CONTINUA