A supressão do movimento

  Embora seja tema central de dois longas-metragens exibidos durante o 10º Olhar de Cinema, Rolê – A história dos rolezinhos (Vladimir Seixas, 2021) e Nós (Letícia Simões, 2021), a ideia de movimento não encontra materialidade nos filmes, em seus modos de elaboração das imagens e sons. De maneira contraditória, a desobediência e a impermanência do mover-se foram suprimidas pelas escolhas formais que os compõem. Enquadrando o rolê Manchetes de jornais, noticiários e imagens de arquivo revelam, em Rolê – A história dos rolezinhos, o… CONTINUA

Introspecção e vagância

Os conflitos internos de Tiago (Okado do Canal) sempre são apresentados pela exterioridade: a sua vagância desenha as dificuldades que está atravessando, a partir do encontro com as pessoas com quem estabelece vínculos interpessoais. Nos breves diálogos ou nas trocas de olhares, vemos Diana (Cíntia Lima), sua ex-companheira e mãe de sua filha, seu padrasto, sua vizinha e um amigo da época em que cantava rap e dançava hip-hop. Sem grana, sem tempo e recém-separado, a constante itinerância espacial do personagem atrita com sua ínfima… CONTINUA

Ouvir o material sônico das máscaras

“Este filme é uma versão reeditada do documentário Under the black mask, de Paul Haesaerts (1958). Nessa versão não se fala das estátuas congolesas, mas elas olham e nos respondem em Lingala. Fazem-no através do texto de Aimé Césaire, Discurso sobre o Colonialismo (1950). Este texto [de Césaire] ainda permanece como um espelho confrontacional da Europa.” Iniciamos Sob a máscara branca: O filme que Haesaerts poderia ter feito (2020) ao som de Sun Ra and The Arkestra e com a nota informativa acima, que nos… CONTINUA

A intenção como limite da imaginação

No dia-a-dia monótono e repetitivo da quarentena à brasileira, Allan Ribeiro e Brendo Washington compartilham o tédio e uma casa. Enquanto o som da TV invade o quadro e sinaliza o contexto político brasileiro de 2020, Allan filma os detalhes de algumas partes do corpo de Brendo. Proximidade estabelecida, uma conversa entre os dois se desenrola, até que o corte nos leve para a figura de Brendo, que está posicionado frontalmente à câmera, declarando que eles estão fazendo um filme e compartilhando qual é sua… CONTINUA

O caixão e a geladeira

Estamos dentro de uma casa. No meio da sala há um caixão. Não só: há castiçais, velas e flores. A diretora adverte às pessoas que já começou a filmar. O homem que se revela através do quadro diz: “mas eu nem penteei meu cabelo!”. A câmera finge se aproximar do rosto de quem estava se preparando para ser enterrado, mas se recusa a revelar tais feições: opta por se atentar às coisas e pessoas que compõem e figuram aquele rito de passagem. O que chama… CONTINUA

Cecilia Mangini: nada é acidente

Uma senhora com a idade impossível de contar, o corpo em direção à terra. Ela brinca com seu neto, reza no altar, conversa com os animais enquanto os alimenta e participa das atividades familiares em uma cidade rural italiana. Esse é o registro documental de Maria e os Dias (Maria e i giorni, Cecilia Mangini, 1960), expandido pela atmosfera que se impõe: uma luz dramática contorna os espaços da casa pelos quais Maria se movimenta, um plano em plongée no pátio interno, um mistério em… CONTINUA