A natureza e outras epidemias: um olhar sobre A Peste em Florença

É provável que ninguém nos anos 1910 tenha demonstrado tanta obsessão por encontrar uma fórmula de sucesso para o cinema alemão quanto o produtor Eric Pommer. Mergulhando na tradição dos films d’art italianos e dos melodramas nórdicos que haviam elevado o status do cinema ao das altas artes, Pommer acabaria por descobrir na feérie dos contos góticos mais populares da época a ‘fagulha germânica’ que faltava para vender bem lá fora os seus filmes. O resultado acabado desta investigação – aquele que fez o cinema… CONTINUA

Por uma fantasmagoria negra experimental

No atual ambiente de ações remotas dos festivais no Brasil, algo tem se repetido: amigos e amigas me falando pra ver A Morte Branca do Feiticeiro Negro, curta de Rodrigo Ribeiro. No segundo ou terceiro evento onde ele estava programado, consegui. A impressão é de que estamos diante de um grande filme que não barateia um dos nossos temas mais fundamentais e difíceis de abordar: “o rastro escravista brasileiro”, segundo Ribeiro. Um incomum filme de arquivo, como uma flecha de perturbação lenta, com uma ensaística… CONTINUA

Morte certa, vida impossível

A Morte Branca do Feiticeiro Negro é um filme de artifícios simples. Imagens de arquivo, vídeos digitais, música e carta. A carta, entretanto, jamais vira narração. Não é lida e nem performada, despida de corpo. Entre incompletudes e fotogramas que “flicam”, paira, muda, uma carta de suicídio. A carta de suicídio de Timóteo é o único vestígio de sua vida, afirmando-se apenas quando não mais existe. Como, então, dar uma voz fictícia a um corpo que em vida nunca teve direito de existir? Rodrigo Ribeiro… CONTINUA

Instantâneos passageiros

“Se você estiver exatamente onde estiver, então as pessoas eventualmente virão até você”. Robert Doisneau “Ontem eu ouvi a obra-prima de Bizet, pela vigésima vez. Novamente com terna devoção, novamente sem fugir. Este triunfo sobre minha impaciência me surpreende. (…) E realmente, cada vez que eu ouço a Carmen, eu pareço perante mim mesmo mais filósofo, um melhor filósofo: (…) tão paciente eu me torno, tão feliz, tão indiano (…) ficar sentado cinco horas: o primeiro estágio do sagrado!” Friedrich Nietzsche   A arte do… CONTINUA

Do trono de Tarcísio Meira à poltrona de Mario Frias

Independência ou Morte (Carlos Coimbra, 1972), emblemático sucesso de público à época, é tido historicamente como o melhor exemplar de um cinema oficialista feito durante a última ditadura civil-militar brasileira. Curiosamente, o filme é uma produção independente de Oswaldo Massaini, e não teve financiamento estatal. Com a destreza comercial de sempre, Massaini aproveitava o clima de festejo do sesquicentenário da Independência e o ufanismo do “milagre econômico” para lançar nas telas do país um drama histórico de qualidade, protagonizado por Tarcísio Meira (no papel de… CONTINUA

“A diferença na forma é um termômetro da luta” – Entrevista com militantes do canal Treta no Trampo

Os entregadores de aplicativo começam a dar corpo a uma figura política coletiva frente às novas formas de trabalho, ao patrão na “nuvem”, à corrosão do que conhecemos como emprego e direitos trabalhistas. Aqui na revista lançamos uma série de textos que interrogam as imagens produzidas no contexto: o melodrama dos aplicativos, o diálogo com o cinema militante histórico, a inventividade e o desvio de finalidade na produção múltipla e heterogênea dos vídeos pelos trabalhadores no corre do dia a dia. Fechando a série #visõesdatreta,… CONTINUA

Perdi a cabeça, pulei na piscina

Então me lembrei: não sabia nadar “Boca a boca”, composição de Nazildo e Juvenal Ungarelli 1. Uma ideia mais ampla, profunda, profissional etc., do que seria um tal “cinema brasileiro” ainda não estava na minha gama de preocupações quando assisti a Alguma Coisa Assim, curta que Esmir Filho dirigiu em 2006. Já naquela época, no entanto, era possível notar certa distância mantida entre o cinema jovem, ativo, colorido e queer (há quem dispute o termo, mas a discussão não cabe aqui e agora), proposto pelo… CONTINUA

A matemática do poema

A exibição conjunta no festival Ecrã de Telemundo (2018), filme dirigido pelo septuagenário artista norte-americano James Benning e co-escrito com a jovem atriz e cineasta argentina Sofía Brito, e de 中孚 61. A Verdade Interior (2019), filme-ensaio elaborado por Brito durante o processo de colaboração entre os dois, é uma oportunidade e tanto de imaginar o que pode significar um encontro em cinema. Em Telemundo, Sofía e James estão em cena, durante noventa minutos, em frente a uma televisão ligada no canal hispânico Telemundo, que… CONTINUA

Um thriller paranoico

O novo projeto de Lewis Klahr consiste em um ciclo de seis filmes, exibidos em agosto no festival Ecrã. O cinema de Klahr tornou-se conhecido por uma certa maneira de se debruçar sobre a sensação de passado contida nos resíduos das indústrias culturais dos anos 1950 e 1960, a partir de uma prática de colagem que retoma o fascínio dos artistas surrealistas pelas formas fora de moda e o caráter inquietante de sua montagem de materiais heteróclitos. A mesa de trabalho de Klahr era o… CONTINUA

Bofetada com luva de pelica

  “No teatro grego, shakespeariano ou romântico, há as matérias que são as matérias preciosas, o ouro, as pedras preciosas, o diamante do filme (…). E por outro lado havia uma degradação deste preciosismo ao que hoje é o tema central do teatro moderno: ou seja, o dinheiro. Desvalorização do ouro ao dinheiro que corresponde a uma realidade econômica histórica”. Jean-Claude Biette, entrevista a Serge Daney e Pascal Bonitzer, Cahiers du Cinéma, Julho 1977 “Nós sabemos, mas nós também queremos outra coisa: crer. Nós queremos… CONTINUA