O deboche contido de uma alma piedosa

Eu, Empresa (2021) é o filme do fracasso da autogestão. Inscrito no universo autocentrado criado por Curvelo a partir da figura de Joder, seu personagem que encarna a figura do derrotado, o filme realiza a fusão da persona com seu criador. Como se víssemos o backstage da produção de Joder, somos apresentados a um Marcus debilitado em relação à vida. O filme tem como horizonte a construção cínica da falência múltipla da vida do protagonista-diretor, mas esta recrudesce, contida, ao não se devotar completamente ao… CONTINUA

A rústica tensão do jogo

A Mesma Parte de Um Homem (2021), terceiro longa-metragem de Ana Johann, é um filme que aposta na pujança dramatúrgica que cada cena é capaz de oferecer. Como se estivéssemos assistindo a micropeças, as cenas são costuradas pelos arroubos e pelas tensões que atravessam as relações entre os personagens que transitam entre o espaço recluso da casa e da amplidão da serra. A mise-en-scène lateja entre a constrição, as breves amenidades e os rompantes de raiva e, conjugada a um enredo que escala nos diálogos,… CONTINUA

Refúgio ao revés

Dotado de uma languidez perversa, Oráculo (2021) jamais produz vidências e respostas. Sob a égide da textura da película, material familiar à dupla de diretores Melissa Dullius e Gustavo Jahn, o filme revira a intimidade da matéria bruta e a transforma em olhar estrangeiro que se volta às paisagens humanas e minerais. Em poucos e longos planos-sequências, evidenciam-se caminhos sem início nem fim de três personagens absortos e longínquos. A figura do oráculo é aquela vinculada às artes divinatórias, que a tudo conhece – o… CONTINUA

Às que veem sem mapas

O plano geral de uma casa que emana, da pequena janela lateral, uma luz vermelha, abre o longa de Isaac Donato, Açucena. Como se fossemos observadores ocultos na penumbra que acomete o mundo na virada do dia para noite, gravitando em direção à luz rosácea, consolida-se, já na primeira cena, o ambiente enigmático e lúdico que habitaremos a partir daí. O filme se passa no tempo de preparação do aniversário de sete anos de Açucena – que se cumprem há mais de vinte anos –… CONTINUA

Morte certa, vida impossível

A Morte Branca do Feiticeiro Negro é um filme de artifícios simples. Imagens de arquivo, vídeos digitais, música e carta. A carta, entretanto, jamais vira narração. Não é lida e nem performada, despida de corpo. Entre incompletudes e fotogramas que “flicam”, paira, muda, uma carta de suicídio. A carta de suicídio de Timóteo é o único vestígio de sua vida, afirmando-se apenas quando não mais existe. Como, então, dar uma voz fictícia a um corpo que em vida nunca teve direito de existir? Rodrigo Ribeiro… CONTINUA

Olho para todos os lados e vejo sexo e sangue

Delírio O gozo em José Mojica Marins é sanguinolento. O desejo é carnal no sentido mais literal possível: seus personagens transam e se devoram. A ambiguidade lexical de “comer” é, na filmografia dele, uma espécie de mantra que nos conduz sombra adentro do seu microcosmo do horror.  No episódio Ideologia de O Estranho Mundo de Zé do Caixão (1968), conhecemos o porão das maldades do médico e professor Oãxiac Odéz, um dos personagens que habita o universo de Marins, que flerta com canibalismo e sadomasoquismo. A realização de… CONTINUA

Entre espelhos

Prólogo – Em um semicírculo, sob a luz divina e difusa de um ateliê setecentista, algumas mulheres desenham uma modelo viva. Em gestos suaves, a câmera de Sciamma flauteia por entre as feições cândidas dessas jovens, atentas aos seus esboços e às orientações de uma voz que ocupa, oca, esse espaço. O passeio desemboca na mulher que guia as estudantes, a modelo-viva que orienta o olhar e a atenção de quem a desenha. “Olhe a posição dos meus braços, das minhas mãos”. Duplamente emoldurada pela… CONTINUA

Uma aprendizagem: prosa sobre Sete anos em maio e Vaga carne

A ideia de trabalhar coletivamente tem orientado a Cinética na busca de novos diálogos e caminhos junto aos filmes. São oportunidades de conversarmos entre nós e com os filmes, chances de praticar conhecimentos, reconhecimentos e desconhecimentos. Aproveitamos o lançamento recente dos médias Sete anos em maio e Vaga carne – ambos com críticas publicadas aqui – para fazer este diálogo que se segue. A ideia é que possamos, via escrita coletiva, experimentar contágios, respostas, discordâncias, buscando assim falar de maneira multidimensional dos filmes e, em… CONTINUA

Conversa ao redor de uma nova cinefilia | Parte 4 – Pontos de fuga

Última de quatro partes da conversa da redação da Cinética a partir do texto “Por uma nova cinefilia”, de Girish Shambu. A conversa ocorreu em modo anônimo, via documento compartilhado online, entre 24/03 e 08/04 de 2020. Participaram Calac Nogueira, Fabian Cantieri, Francisco Miguez, Hannah Serrat, Ingá, Julia Noá, Juliano Gomes, Maria Trika, Pablo Gonçalo, Raul Arthuso e Victor Guimarães. A edição do material bruto foi realizada por Calac Nogueira, Ingá, Juliano Gomes e Victor Guimarães. Parte 1 – Binarismos e cisões Parte 2 – Os filmes “problemáticos”… CONTINUA

Conversa ao redor de uma nova cinefilia| Parte 3 – Autorias e políticas

Terceira de quatro partes da conversa da redação da Cinética a partir do texto “Por uma nova cinefilia”, de Girish Shambu. A conversa ocorreu em modo anônimo, via documento compartilhado online, entre 24/03 e 08/04 de 2020. Participaram Calac Nogueira, Fabian Cantieri, Francisco Miguez, Hannah Serrat, Ingá, Julia Noá, Juliano Gomes, Maria Trika, Pablo Gonçalo, Raul Arthuso e Victor Guimarães. A edição do material bruto foi realizada por Calac Nogueira, Ingá, Juliano Gomes e Victor Guimarães. Parte 1 -Binarismos e cisões Parte 2 – O… CONTINUA