O mundo desde o fim

No trato com o romance de Antonio di Benedetto, há uma omissão significativa em Zama. Já na jornada final, quando o destacamento reunido para a caça do bandido Vicuña Porto se depara com o grupo de índios conhecido como “os cegos”, di Benedetto invoca uma anedota marcante. Depois que a tribo inteira tivera a visão extirpada pelos inimigos, os homens e mulheres encontraram uma insuspeita liberdade na mutilação: em terra de cego em que não há sequer um caolho, todas as convenções tradicionais são, de… CONTINUA

Espelhos do poder

Terremoto Santo é possivelmente a manifestação mais desconcertante da pesquisa atual dos artistas Bárbara Wagner e Benjamin de Burca. Conscientes da função apaziguadora que uma certa ideia de cultura popular ocupou na formação dos imaginários nacionais e regionais, e ao mesmo tempo muito sensíveis às ambivalências políticas do cinema e da fotografia etnográficos, os artistas têm se lançado a um questionamento das formas de visibilidade do que chamam de “corpo popular”. A pesquisa tem resultado em um conjunto notável de filmes de curta duração, inicialmente… CONTINUA

Entre ver e ser visto

O cinema guardou, ao longo de sua história, uma relação ambígua com sua pulsão escópica. O cinematógrafo – arte da ação = imprimir gestos, movimentos, ritmos num espaço-tempo determinado pelo próprio ato da impressão – tinha na curiosidade do olho-câmera uma espécie de ponto de atrito, usado tanto como metáfora de si quanto como motivos do olhar pela fechadura, adentrar espaços interditados ao público ou explorar dimensões da vida cotidiana inapreensíveis por diferentes razões. Porém, ao mesmo tempo que o cinema anedotiza o mundo, aguçando… CONTINUA

Desterrar, irromper

Diante da terra, perfurada e remexida, como contemplar o horizonte e o desconhecido? Ali, onde o céu já não é capaz de englobar uma coletividade, como se dava em boa parte dos faroestes norte-americanos, como ir ao encontro de uma comunidade? Western é um filme que reverbera latências, que opera nos intervalos, entre a precariedade das fronteiras, das formas de vizinhança e da comunicação. Não basta, então, que o herói solitário de Valeska Grisebach seja apenas um forasteiro alemão, um pistoleiro envelhecido e melancólico que… CONTINUA