Os destroços da civilização europeia

A Portuguesa é o sétimo longa-metragem de Rita Azevedo Gomes, cineasta da linha de frente do cinema português que apesar de três décadas de uma produção rica, só nos últimos anos veem recebendo timidamente um pouco da atenção merecida. Recentemente o filme circulou pelo Brasil, primeiro no Olhar de Cinema e depois numa pequena retrospectiva dos seus filmes em São Paulo. O cinema de Gomes traz à frente alguns elementos da tradição do cinema português, sobretudo na sua relação com a literatura e aristocracia, com… CONTINUA

A política para além do quadro: cinema brasileiro em tempos de incerteza

Não é fácil realizar um festival de cinema num cenário tão turbulento quanto o do Brasil hoje, ainda mais quando o financiamento para cultura (incluindo de forma bem direita os festivais) está sob questão. Era difícil não pensar nisso cada vez que passávamos pela entrada dos cinemas e víamos com destaque nos cartazes “o Ministério da Cidadania, Governo do Paraná e Copel apresentam…”. A simples mudança do ministério responsável, um lembrete bem direto sobre o momento presente. O perfil do Olhar de Cinema nessa oitava… CONTINUA

Dar fim ao mundo, recomeçar o mundo

Em 1965, moradores do bairro de Watts, na periferia de Los Angeles, se revoltaram depois que policiais brancos tentaram prender de forma truculenta e arbitrária um jovem negro que dirigia embriagado. A atuação dos policiais, cada vez mais violenta, mobilizou uma multidão que, em pouco tempo, começou a se insurgir contra a opressão e o racismo em um conflito que durou quase uma semana e resultou em dezenas de mortes e milhares de feridos. Pouco anos depois dos Levantes de Watts (como ficaram conhecidas as… CONTINUA

Movimento é memória; memória é História

Há uma sedução estranhamente poderosa no plano de abertura de Millennium Mambo, naquele corpo desconhecido que caminha por um corredor do qual nada sabemos, dentro de uma configuração espaço-temporal desprovida de qualquer encadeamento narrativo lógico: como chegamos aqui e para onde estamos indo? Como se situar diante da ritualização de uma imagem por completo incógnita, cuja própria matéria de reverência parece estar a se descobrir no momento mesmo em que a reverenciamos? O que se desvenda no diálogo com o olhar continuado é um certo… CONTINUA

A burocracia não nos servirá em tempos de guerra

Estamos situados em uma sala escura. Nela, dois corpos posicionam-se um diante do outro. Raros os planos em que ambos serão dispostos no mesmo quadro, mas é a partir da interação entre eles que acessaremos um dos momentos mais paradigmáticos da história recente do país, seus ecos e seus fantasmas – atualmente sempre à espreita, em busca de um corpo no qual encarnarem. O momento: aquele Brasil pós-1964, os interstícios de uma guerra travada entre as forças do Estado e qualquer uma que ousasse contestá-las.… CONTINUA

“As mulheres são como as águas, crescem quando juntas”

  “Os homens olham para as mulheres, as mulheres olham para elas mesmas sendo olhadas. Os homens sonham com as mulheres, as mulheres sonham com elas mesmas sendo sonhadas.” John Berger começa o segundo episódio, Women in Art, de sua série televisiva Ways of Seeing com essas palavras para dizer da forma com que se dão as imagens das mulheres (vale ressaltar que, principalmente, a imagem da mulher branca, pois essas imagens, além da questão de gênero, também sofrem por um recorte de raça e… CONTINUA

O pau de Deus: a extrema direita na vanguarda do cinismo pornográfico

O filme Obsessão (2004), dirigido por J. Gaspar, faz parte do selo pornográfico Brasileirinhas. Na capa do filme está a atriz Chloe Jones, “a número 1 dos EUA”, nos braços de Alexandre Frota, ator pornô e hoje deputado federal pelo PSL. Ainda no cartaz de divulgação Chloe surge vestida com um top verde-amarelo e com a bandeira brasileira amarrada ao quadril. Não, Chloe não chegaria a entoar o canto “sou brasileiro, com muito orgulho” e suponho que nem faria coro às nossas torcidas futebolísticas. Obsessão,… CONTINUA