Latitudes e partidas: o historiador da história

É caso a se pensar e debruçar, este das tarefas impostas ao cinema “de cima”, digamos, pela crítica. Por seus outros agentes de fabricação também, decerto, mas sobretudo por ela. Melhor dito: pela crítica no decurso do tempo, posto que a sedimentação sobre o eco reverberado costuma ser mais sólida e persistente que aquela feita sobre a rocha que objeta, e não por sobrepujança das forças ditas conservadoras. Aquela (crítica) que disser de certos filmes que estes podem reescrever a história, por exemplo, ou mesmo… CONTINUA

Veemência pacífica

Camocim se interessa pelo momento eleitoral da cidade de mesmo nome, localizada no interior de Pernambuco, acompanhando de perto a cabo eleitoral Mayara em sua campanha por César Lucena. Em torno desse propósito, o filme se concentra nos 45 dias que antecedem a eleição até o resultado final, em que logo percebemos que os conflitos políticos daquela pequena cidade sintetizam questões mais gerais do Brasil, pois Camocim parece estar simultaneamente no meio do nada e no centro de tudo. Ao inserir-se nesses limites indefinidos, o… CONTINUA

Experiência-espetáculo ou A potência do Podrão

Em meio à aula, o professor diz: “(…) uma questão, talvez um risco, do espectador contemporâneo seja confundir experiência com espetáculo”. Imediatamente, vem à mente as grandes HQ’s cinematográficas da Marvel e os recentes filmes digitais-fantásticos da Disney – que nos últimos anos tem dedicado suas energias e recursos em comprar todo e qualquer empreendimento que faça sucesso (o que não é uma novidade) e em refazer os clássicos de contos de fadas totalmente em computação gráfica. No entanto, surge também uma dúvida em relação… CONTINUA

Diante da dor das outras

A delicadeza pode ser, mas nem sempre é um atributo do cinema realizado por mulheres, feito com mulheres. Baronesa (2017), de Juliana Antunes, não é um filme delicado (ainda que seja realizado com cuidadosa atenção à realidade retratada). Dores íntimas, violências e confrontos mobilizam este filme “entrincheirado” (como diz a realizadora), na zona de uma guerra cotidiana que atravessa as casas, as vidas e os corpos das mulheres periféricas que nele assumem protagonismo. Como sonhar, ou como continuar a sonhar, ali, onde o mundo parece… CONTINUA

A sombra dos abutres

Poucos filmes foram mais influentes nos últimos 15 anos quanto No Quarto de Vanda (2000), de Pedro Costa. Ao lado de La Libertad (2001), de Lisandro Alonso, são filmes que serviram como ponto de partida para boa parte do cinema híbrido com preferência pela auto-ficção que passou a dominar cada vez mais certo universo de festivais (inclusive aqui no Brasil). O que por vezes se perde nos imitadores de Costa, porém, é que se seu cinema busca nas figuras que encontrou no bairro de Fontainhas tipos fortes sobre os… CONTINUA

Anotações tardias: “A culpa deve ser do Sol”

Zoe Leonard tem um poema: I want a dyke for president. O cenário da democracia representativa se perdeu no ralo da sarjeta de um esgoto fluorescente. Não sai tartaruga ninja daí. Era hora de explodir os bueiros. Mas na falta de renascença, falemos sobre pragmatismo pós-moderno. Eu quero alguém que se traveste, com dentes ruins, que comeu comida ruim no hospital, usou drogas e já cometeu desobediência civil pra presidente. Uma utopia: Linn da Quebrada pra cadeira. Jup do Bairro vice. Do primeiro minuto de… CONTINUA

Ouvindo com olhos livres

O dicionário Houaiss registra, no sentido figurado, duas acepções para “caleidoscópio”: 1) “conjunto de objetos, cores, formas etc. que formam imagens em constante mutação”; 2) “sucessão vertiginosa, cambiante, de ações, sensações”. A palavra foi adotada em 2018 para nomear uma mostra paralela do 51o Festival de Brasília composta por cinco longas-metragens que, segundo texto do catálogo do evento (repetido diariamente por um apresentador antes de cada sessão), abriam espaço “para realizadores que se arriscam muito, em suas propostas absolutamente únicas e pessoais (seja no sentido… CONTINUA

O convívio com uma heroína de pele preta

Juliana (Grace Passô) bateria à porta com insistência. Chamaria por mais um dos moradores das tantas casas que visita para verificar prováveis focos dos mosquitos transmissores da dengue. Nessa casa, nessa sequência, ela não precisou, como de costume, chamar ninguém; a porta já estava aberta. Juliana sentiu-se à vontade, sentou num sofá aconchegante, enquanto, em off, vem uma voz suave, que pergunta se ela quer café. Polida, Juliana nega, diz que não precisa. “Precisa sim”, rebate, carinhosamente, a anfitriã. Comenta que há muito tempo não… CONTINUA

3xCaleidoscópio

O olhar através do caleidoscópio é o do fascínio pelo jogo infinito de formas mutáveis dentro de um brinquedo cuja simplicidade mecânica é o que lhe dá o elemento de mistério. É sob essa ótica do jogo de corpos, paisagens e dramaturgias oblíquas, sob soluções formais assertivas, que a Mostra Caleidoscópio, no 51º Festival de Brasília, nos instiga a colocar também o exercício crítico sobre esses filmes sob invenção, sob investigação. A mostra paralela inaugurada nesta edição do festival se apresenta citando Jairo Ferreira e… CONTINUA