A supressão do movimento

  Embora seja tema central de dois longas-metragens exibidos durante o 10º Olhar de Cinema, Rolê – A história dos rolezinhos (Vladimir Seixas, 2021) e Nós (Letícia Simões, 2021), a ideia de movimento não encontra materialidade nos filmes, em seus modos de elaboração das imagens e sons. De maneira contraditória, a desobediência e a impermanência do mover-se foram suprimidas pelas escolhas formais que os compõem. Enquadrando o rolê Manchetes de jornais, noticiários e imagens de arquivo revelam, em Rolê – A história dos rolezinhos, o… CONTINUA

A sensação de um ar irresoluto

“A sensação de um ar irresoluto”. Com essa frase, Mercedes Gaviria termina seu primeiro longa-metragem. A sentença é antecedida por outras, afirmativas, enunciadas em voz over, diante de uma paisagem bucólica. Entre elas: “Eleger a distância perfeita” […] “O ponto de vista” […] “A beleza do ambíguo” […] Amar a contradição”. A Calmaria Depois da Tempestade (Como el Cielo Después de Llover, 2021) suscita muitas perguntas, algumas sem resposta, outras que a cineasta opta por não responder e ainda as que ela parece nem ao… CONTINUA

Introspecção e vagância

Os conflitos internos de Tiago (Okado do Canal) sempre são apresentados pela exterioridade: a sua vagância desenha as dificuldades que está atravessando, a partir do encontro com as pessoas com quem estabelece vínculos interpessoais. Nos breves diálogos ou nas trocas de olhares, vemos Diana (Cíntia Lima), sua ex-companheira e mãe de sua filha, seu padrasto, sua vizinha e um amigo da época em que cantava rap e dançava hip-hop. Sem grana, sem tempo e recém-separado, a constante itinerância espacial do personagem atrita com sua ínfima… CONTINUA

Criação/Recriação/Invenção: notas sobre alguns filmes brasileiros na programação

É uma coincidência iluminadora que o Olhar de Cinema deste ano tenha exibido tanto O Bom Cinema, recente documentário de Eugênio Puppo sobre as origens do chamado cinema marginal, e a estreia brasileira de Capitu e o Capítulo, filme mais recente de Julio Bressane. Seria evidentemente muito injusto cobrar de Puppo um filme com a carga inventiva que Bressane emprega em toda sua obra. Os objetivos de O Bom Cinema são muito mais modestos. Mas a distância entre o cinema de invenção e um discurso… CONTINUA

De Córdoba a Bariloche

Os anos 1990 estão com tudo: nas roupas, nas músicas, na política econômica. No Brasil, uma inflação galopante anuncia um possível retorno dos pacotes econômicos ao gosto do Fundo Monetário Internacional que foram mania nos anos 1980 e início dos 1990. Na nossa hermana Argentina, de 2015 a 2019, Mauricio Macri matou a saudade de quem sentia falta de Carlos Menem, e também a economia, com sua política de austeridade neoliberal. Não é coincidência que os dois filmes argentinos em exibição no 10º Olhar de… CONTINUA

Ouvir o material sônico das máscaras

“Este filme é uma versão reeditada do documentário Under the black mask, de Paul Haesaerts (1958). Nessa versão não se fala das estátuas congolesas, mas elas olham e nos respondem em Lingala. Fazem-no através do texto de Aimé Césaire, Discurso sobre o Colonialismo (1950). Este texto [de Césaire] ainda permanece como um espelho confrontacional da Europa.” Iniciamos Sob a máscara branca: O filme que Haesaerts poderia ter feito (2020) ao som de Sun Ra and The Arkestra e com a nota informativa acima, que nos… CONTINUA

Crônicas de um proletariado

A Máquina Infernal se inicia com a palavra “divisa”. Trata-se de uma simples cartela com indicação geográfica: “divisa entre São Bernardo do Campo e Diadema”. O filme, no entanto, ganha sua consistência ao explorar divisas mais instáveis e profundas: entre o orgânico e o maquínico, o material e o imaterial, o presente e o extemporâneo, o corpo do ator e o corpo da testemunha, o vivo e o morto. No interior de uma fábrica aparentemente em ruínas, trabalhadores seguem uma rotina um tanto perdida entre… CONTINUA

Eleger a distância perfeita

O dispositivo: a câmera de segurança instalada pelo pai para descobrir quem está quebrando as janelas do carro. A narrativa: com intertítulos concisos, como os do cinema mudo, e a decupagem por zoom, vão se construindo os personagens e as suas mil e uma histórias. O som: a câmera de segurança parece não ter áudio. O mundo está distanciado, mas o desenho de som leva seus ruídos até o pé da nossa orelha. Os passos, os pássaros, os carros. O som preenche os pixels da… CONTINUA

O velho e o novo

Há três gestos no cinema recente de Julio Bressane que este Capitu e o Capítulo retoma e desdobra: o mergulho na teatralidade dos espaços fechados, em que a luz recorta delicadamente o jogo entre o texto, o corpo e a voz; uma atração pela materialidade da imagem digital, que se espraia por um uso muito consciente daquilo que nela é considerado precário ou amador; e a retomada das imagens e dos sons dos filmes anteriores de Bressane, numa sorte de obra em progresso infinita que… CONTINUA

Eu quero ser a uva pra ver tudo lá de cima

“Estão às minhas costas, um velho com cabelos nas narinas E uma menina ainda adolescente e muito linda Não olho pra trás mas sei de tudo Cego às avessas, como nos sonhos, vejo o que desejo” Estrangeiro (1989), Caetano Veloso As Sete Idades da Mulher (1544), de Hans Baldung Grien “Aqui nessa imagem quem eu mais gostaria de ser?… uma uva! Porque se uma uva pudesse ver, ela veria tudo lá de cima.”. A fala é de uma menina de cerca de 12 anos de… CONTINUA