As cidades onde vivo, temo e enlouqueço

.49º Festival de Brasília. Três filmes no Festival de Brasília 2016 – o curta-metragem Estado Itinerante , de Ana Carolina Soares, e os longas A Cidade onde Envelheço, de Marília Rocha, e Elon não Acredita na Morte, de Ricardo Alves Jr. – têm Belo Horizonte como ambientação, menos na geografia da cidade como ponto de partida do que nos espaços urbanos a servir de moldura para deslocamentos ou prisões, trajetórias erráticas ou desvios de caminho. São, antes de tudo, filmes sobre como o enquadramento desvela… CONTINUA

Dos encontros

. 49o Festival de Brasília . Os primeiros minutos A Cidade Onde Envelheço, de Marília Rocha, mostram a chegada por ônibus à cidade de Belo Horizonte de Teresa (Elizabete Francisca), jovem portuguesa imigrante, cujo sotaque se revela ao interagir com personagens anônimos da rodoviária. Fala de amenidades, espera por algo que não fica muito claro. Ao longo do filme, ela caminha pelos espaços do centro da capital mineira, adentra bares, lojas, percorre as calçadas e atravessa as ruas, num estudo da “arte de andar pelas… CONTINUA

Que fazer?

Em Corumbiara (2009), a locução de Vincent Carelli atestava um fracasso: após inúmeras tentativas frustradas de fazer das imagens uma evidência do massacre sofrido pelos índios, restava ao filme recolher os cacos e ensejar uma narrativa possível de um processo que já durava vinte anos. O caráter fragmentário da montagem se assentava no acúmulo de ruínas – ruínas do mundo, ruínas da História – que o filme se dispunha a reunir, sem nunca cair na tentação de “enfileirar fatos no espeto da cronologia e amarrá-los… CONTINUA

Bernardet na Berlinda

. 49 Festival de Brasília .  Num texto para a cobertura do Festival de Brasília de 2015 sobre Fome, de Cristiano Burlan, escrevi aqui mesmo na Cinética: “A armadilha (do filme) começa na escolha do próprio Jean-Claude Bernardet para o papel principal de um mendigo. Como fica cada vez mais evidente a cada novo filme protagonizado pelo crítico – entre eles, Filmefobia (2008) e Periscópio (2014), de Kiko Goifman; Pingo D’água (2014), de Taciano Valério; e o citado Hamlet, de Burlan –, nunca um trabalho… CONTINUA

Da urgência

. 49o Festival de Brasília .    Parte importante do cinema brasileiro da última década foi feita sob o signo da urgência. A principal delas foi durante muito tempo a urgência da encenação, a necessidade de expressão que, de modos diferentes, movimentou boa parte dos filmes e a sede pelo cinema de uma gama de realizadores. Essa urgência aparecia de modo muito cristalino em Conceição – Autor Bom É Autor Morto (2007), filme coletivo que discute a feitura da própria obra e os modos de encenação… CONTINUA

Entre a ideologia e a psicologia

Não sou Ana Cristina César, mas vejo nos filmes de outra A(n)na, a Muylaert, uma ótima oportunidade de “puxarmos significantes”. Durante muito tempo, ainda teremos a discussão sobre Que Horas Ela Volta? (2015) ser um libelo do período de certa utopia distópica vivida pelo Brasil nos últimos 14 anos, ou o registro de uma intrincada composição de seres humanos perplexos e assombrados, em busca de um sentido para a vida. Entre a ideologia e a psicologia, o espectador, ao ser assistido pelo filme, também revela-se.… CONTINUA

Mecânica e pulsação

A silhueta de um mistério No ano passado, Kaili Blues (Lu bian ye can), longa de estreia do jovem diretor chinês Bi Gan, se impôs como uma das mais alardeadas novidades cinematográficas do circuito de festivais. Vencedor do prêmio de melhor direção da seção Cineasti del Presente em Locarno, o filme arrebanhou adjetivos generosos de revistas como Cahiers du Cinéma, Cinema Scope e Film Comment, e foi aclamado pelo crítico J. Hobberman – não exatamente um acadêmico subserviente aos ideais da alta cultura – como… CONTINUA

Taxidermia do tempo

Nem um trajeto linear de uma visita a pé, nem mesmo um jogo de associações diretas. A dramaturgia do conjunto dos cinqüenta e quatro planos e setenta e sete minutos do filme História Natural (Natural History), de James Benning (EUA,2013) é justamente sugerir relações variadas entre as imagens através das durações. Ligações de sentido, para dentro e para fora de cada plano. Visões que se sucedem sem vínculo evidente começam a construir um primeiro estranhamento pelo tempo. Algumas duram poucos segundos enquanto que outras se… CONTINUA

O país do cinismo

Se o leitor quiser saber como era o Brasil há 30 anos, sugiro que veja filmes. Os anos 80 do século XX foram uma época de intensa criatividade no cinema brasileiro. Também foram tempos de enormes confusões: a Embrafilme engasgava, atolava as produções em burocracias intermináveis e os críticos debatiam-se em discussões que o passar do tempo provou inúteis. Nada disso importa. O que interessa é que os filmes estão lá. Se o cinema não servisse para milhões de outras coisas, ao menos cumpriria função… CONTINUA

Uma apresentação

Em Maio de 2016, a Cinética completou dez anos de existência. A celebração alegre e justa da longevidade ativa e o conforto dos sapatos velhos colocavam resistência pertinente: por que mudar? Ainda sim, como se vê, mudamos. Novamente. E, mais do que uma carta de explicações ou um editorial – formalidade que se faz supérflua daqui por diante, embora os trabalhos da editoria permaneçam vitais para a existência da revista – cabe aqui sobretudo um convite, uma breve rodada de apresentação ao leitor que à… CONTINUA