Figuras da persistência

Há um conhecido provérbio grego a dizer que “a faca não corta o fogo”. Muito aparta-se com uma lâmina. Muito ceifa-se com sua violência, sua vontade de dividir. Diante do fogo, a lâmina e seus ásperos fios de metal tornam-se impotentes – nada retiram. Queimam-se, apenas. O provérbio é uma metáfora sugestiva para captarmos a potência de dois documentários brasileiros que estrearam nesta Berlinale de 2019. Embora tenham formas de abordagens e mesmo grupos temáticos bem diferentes, ambos os filmes oferecem retratos contundentes de algumas… CONTINUA

Berlinale 2019 e suas despedidas

A sexagésima nona edição do Festival de Berlim, ou Berlinale, como é geralmente conhecido, certamente será marcada por um instante de inflexão na sua história. Após dezoito anos no centro dos holofotes da curadoria, Dieter Kosslick anunciou a sua despedida. Ficará à sombra e deixará de lado o chapéu, o cachecol vermelho e o bigode que legaram charme à sua marca visual. Como ocorre na maioria dos festivais de cinema de renome internacional – vide Cannes e Veneza – as direções artísticas são longevas e… CONTINUA

Cinética Podcast #2 – Vidro e o cinema de M. Night Shyamalan

No segundo episódio do podcast, o trio Raul Arthuso, Marcelo Miranda e Fábio Andrade discute Vidro, novo filme de M. Night Shyamalan. Um dos cineastas mais incensados na história da Cinética, Shyamalan fez outro grande trabalho que chamou atenção da revista. Sua trajetória desde O Sexto Sentido (1999) é assunto neste programa – inclusive os momentos mais controversos da carreira do diretor indo-americano. Cinética Podcast é um programa disponível em diversas plataformas e agregadores de podcast. Ouça no seu tocador favorito a partir do seguinte link: https://anchor.fm/cinetica-podcast/… CONTINUA

A revolução será televisionada?

O cinema de M. Night Shyamalan é um cinema habitado por mediações. Por mais transparentes e cristalinas sejam suas narrativas – grande herdeiro das regras do classicismo, ele as reconfigura para um viés puramente moderno –, o roteirista e diretor sempre as conduz por elementos exteriores ao seu centro. Desde O Sexto Sentido (1999), não há filme de Shyamalan em que o suposto ponto de partida, na verdade, seja exatamente o cerne do drama, pois pelo caminho surgirá algum elemento de mediação que desviará a… CONTINUA

Monumento ao soldado desconhecido

Um prólogo, uma primeira imagem: o cineasta Jonas Mekas sob luz baixa, conta de sua infância em meio à guerra, quando ganhou sua primeira máquina fotográfica e foi até a estrada captar a chegada de tanques russos. Ele recorda da alegria do momento em que tira sua primeira foto, de sua boa chance. Um soldado russo então se aproxima, toma a câmera, arranca o filme e o pisoteia no chão. “Então, em algum lugar da Lituânia, camadas e camadas e camadas debaixo da superfície, está… CONTINUA

Cinética Podcast #1 – 22ª Mostra de Cinema de Tiradentes

No primeiro episódio do Cinética Podcast, participam Raul Arthuso, Marcelo Miranda e Maria Trika, num bate-papo sobre os filmes da 22ª Mostra de Cinema de Tiradentes. O festival aconteceu entre os dias 18 e 26 de janeiro de 2019, na cidade histórica mineira, e contou com grande cobertura da revista. No podcast de estreia da revista, a conversa trata principalmente dos títulos da Mostra Aurora, mas também são discutidos filmes das mostras Olhos Livres, Corpos Adiante e Foco. CINÉTICA NAS REDES Para ler, curtir, enviar… CONTINUA

O diabo opera no desespero

De todos os capítulos que costuram Canastra Suja, de Caio Sóh, dois se destacam. Incluem a longa sequência que começa aos 71 minutos de exibição e vai até os 103, quando Pedro (Pedro Nercessian) volta para casa, bagunçado e derrotado, após a tentativa de se enturmar em uma festa de jovens michês e clientes endinheirados. Onde muitos enxergam sordidez, sensacionalismo, vejo augúrio: Pedro é a imagem do brasileiro contemporâneo. Aquele que perdeu as esperanças, que se deixou levar pela própria ignorância, que não tem representatividade… CONTINUA

Aqueles que marcham com a noite

Filme da entropia como Sistema, da Devastação como doxa, da irreconciliação terrorista, ou devaneio expressionante sobre a insônia assombrada por dêbacles de Reação, Os Sonâmbulos aposta na alegoria como talvez a forma que nos restou, em tempos infectados por enxames de fatos e de faits divers, para pensar arquétipos: esta é uma Grande Forma Épica, destinada à Fixação de Gestos iniciáticos e Movimentos irreversíveis, e se insere como a representação mais evidentemente teológica daquele enunciado épico que, a partir do século XIV, vai dar passagem,… CONTINUA

Entre a revolta e a psicopatia

A começar pelo fim: há algo de inconclusivo no esfaqueamento levado à cabo pelo protagonista de Em Chamas. Não há uma preparação anterior que o anuncie, um barril de pólvora que desenhe uma insustentabilidade exaustiva das relações dramáticas ou sociais em jogo. Chegamos, com certa naturalidade, ao ponto limítrofe, onde a saída viável e moralmente aceitável, na cabeça do protagonista, é a eliminação solene do adversário, sem haver uma tensão irrevogável delineada na dramaturgia que não uma sutil desconfiança que ele possa ser o culpado… CONTINUA

Os corpos gloriosos

Em “Plan contre flux”, um texto já clássico no estudo de dicotomias cinematográficas, Stéphane Bouquet fala-nos do cinema somático do “fluxo”, modulado pelo beat energético do plano-sequência, que captura os devires de um corpo; e um cinema (mais clássico) do plano fixo, do ponto de vista, da perspectiva universal, do cogito do sujeito do conhecimento. O cinema de Claire Denis sempre se inclinou mais para o fluxo, mas o acompanhamento de seus filmes por esses devires desregulados da matéria nunca lhe interditou o dever de coreografá-los, de… CONTINUA