A espera, a predação e a escuta da História

Filmar a borda. Perfilar a margem. Curiosa, notável, a primeira sequência de Zama já sintetiza bastante da atmosfera que permeará toda a película de Lucrecia Martel. Vê-se o protagonista à beira de um larguíssimo rio. À espreita. À espera. Nada ocorre: ninguém chega, ninguém sai. Apenas Diego de Zama (Daniel Gímenez Cacho) lá permanece, imbuído da seriedade das suas vestimentas de um digno representante do rei de Espanha, meio abandonado, meio perdido nas regiões coloniais hoje próximas ao Paraguai. Realça-se um rio inóspito. Suas pedrinhas,… CONTINUA

O mundo desde o fim

No trato com o romance de Antonio di Benedetto, há uma omissão significativa em Zama. Já na jornada final, quando o destacamento reunido para a caça do bandido Vicuña Porto se depara com o grupo de índios conhecido como “os cegos”, di Benedetto invoca uma anedota marcante. Depois que a tribo inteira tivera a visão extirpada pelos inimigos, os homens e mulheres encontraram uma insuspeita liberdade na mutilação: em terra de cego em que não há sequer um caolho, todas as convenções tradicionais são, de… CONTINUA

O abandono da política

Neblinas. Fumaças artificiais. O cinza das penumbras esticando-se por uma cidade. É no mínimo inquietante ver como essas imagens são similares, se repetem e se complementam em três obras aparentemente tão distantes como 300 Milhas, Alipato – a Brevíssima Vida de um Malandro e Penúmbria. Em formatos diversos, esses três filmes traduzem em cenas, ora documentais, ora ficcionais, realidades imediatas vividas por países como Síria, Filipinas e Portugal. Em comum, a falta de horizontes, certos flertes com a distopia, e uma maneira de olhar para… CONTINUA