Maneirismo e catástrofe

Em uma nave montada de sucata, o viajante espacial solitário WA4, incumbido da missão de assassinar Juscelino Kubitschek no momento de inauguração da nova capital do país, descobre-se perdido no tempo. A nave despenca em Ceilândia, em 2016, durante o processo de golpe parlamentar que derrubaria a presidente Dilma Rousseff. O viajante de Era uma vez Brasília (Adirley Queirós, 2017) chegou atrasado, tarde demais para cumprir sua missão. Ele termina por se juntar ao movimento de resistência, que luta também uma guerra tardia, sob o… CONTINUA

Enterrando nossos vivos

Lá pela metade da terceira história do excepcional La Flor (2019), de Mariano Llinás, Dreyfuss (Horacio Marassi), um cientista alemão sequestrado que termina amarrado no banco de trás de um carro em terras desconhecidas, liga os pontos que o levaram até aquele momento para tentar imaginar seu destino. Enquanto as sequestradoras guiam por planícies desertas, falando apenas em francês, ele especula que elas estão apenas esperando que o cair da noite: – “Chegou a hora. Elas vão me matar.” Mas elas não o matam. E… CONTINUA

Brasileiros são os outros

Raros os cineastas que conseguem gerar expectativas a cada vez que lançam um novo filme. Pedro Almodóvar e Quentin Tarantino são os primeiros que me vêm à mente. Talvez Woody Allen, aos 83 anos, mantenha esse espírito. Clint Eastwood, aos 89, é outro da lista. Mas no caso de Allen e Clint temos a celebração do passado glorioso. É como um show dos Rolling Stones, ou de Paul McCartney: o sentimento de “uau, eles ainda estão aqui!” supera o impacto que possam causar. No clube… CONTINUA

Ninguém solta a mão de ninguém

O nordeste sertanejo de Bacurau faz remissão ao retrato da região feito por alguns cineastas pernambucanos no pós-retomada. Ele é espaço de confluência entre a tradição e a modernidade (um cortejo de enterro ao som da guitarra elétrica amplificada). Tem como ponto turístico o museu, mas tem wi-fi aberto e localização no Google Earth. Se um O Céu de Suely fazia do calor vencido pela geladeira um dos signos de transformação desta geografia durante a Era Lula – uma paleta de cor vívida e brilhante… CONTINUA

Às armas, cidadãos

Não tenho lembrança da competição em Cannes começar com três filmes em diálogo tão claro e direto, entre si e com o mundo à sua volta. Vindos dos EUA, da França e do Brasil, os filmes de Jim Jarmusch, Ladj Ly e Kleber Mendonça Filho/Juliano Dornelles conversam não apenas pela chave mais fácil da incorporação dos códigos de distintos cinemas de gênero (filme de zumbi, filme policial, filme de ficção científica/ação/gore) mas principalmente pela forma como, ao propor um olhar absolutamente grudado no presente sócio-político… CONTINUA