Figuras da persistência

Há um conhecido provérbio grego a dizer que “a faca não corta o fogo”. Muito aparta-se com uma lâmina. Muito ceifa-se com sua violência, sua vontade de dividir. Diante do fogo, a lâmina e seus ásperos fios de metal tornam-se impotentes – nada retiram. Queimam-se, apenas. O provérbio é uma metáfora sugestiva para captarmos a potência de dois documentários brasileiros que estrearam nesta Berlinale de 2019. Embora tenham formas de abordagens e mesmo grupos temáticos bem diferentes, ambos os filmes oferecem retratos contundentes de algumas… CONTINUA

Berlinale 2019 e suas despedidas

A sexagésima nona edição do Festival de Berlim, ou Berlinale, como é geralmente conhecido, certamente será marcada por um instante de inflexão na sua história. Após dezoito anos no centro dos holofotes da curadoria, Dieter Kosslick anunciou a sua despedida. Ficará à sombra e deixará de lado o chapéu, o cachecol vermelho e o bigode que legaram charme à sua marca visual. Como ocorre na maioria dos festivais de cinema de renome internacional – vide Cannes e Veneza – as direções artísticas são longevas e… CONTINUA

Cinética Podcast #1 – 22ª Mostra de Cinema de Tiradentes

No primeiro episódio do Cinética Podcast, participam Raul Arthuso, Marcelo Miranda e Maria Trika, num bate-papo sobre os filmes da 22ª Mostra de Cinema de Tiradentes. O festival aconteceu entre os dias 18 e 26 de janeiro de 2019, na cidade histórica mineira, e contou com grande cobertura da revista. No podcast de estreia da revista, a conversa trata principalmente dos títulos da Mostra Aurora, mas também são discutidos filmes das mostras Olhos Livres, Corpos Adiante e Foco. CINÉTICA NAS REDES Para ler, curtir, enviar… CONTINUA

O atravessar do toque

SUPERPINA: Gostoso é Quando a Gente Faz!, de Jean Santos – título, que, aparentemente, faz referência a pornochanchadas brasileiras – é um ficção científica sobre um estranho fenômeno que provoca clarões de luz multicolor no céu de alguns bairros de Recife, como Pina (onde a trama do filme se desenvolve), que desencadeia alguns acontecimentos estranhos como ataques de carrinhos de supermercado. SUPERPINA também nos conta sobre Paula, uma jovem cantora, que passa suas tardes junto de Isaura, uma senhora aposentada, e trabalhando no excêntrico supermercado… CONTINUA

hino à noite

o quadro da segunda entrevista de a rosa azul de novalis parece ordinário. marcelo dorio, nosso dândi tropical, sentado no sofá verde musgo à frente de uma parede com pinceladas abstratas rosas, com o mesmo roupão do plano anterior conversa conosco. já tendo olhado para a câmera na primeira cena convidando a equipe/o espectador a entrar no interior da casa, em seu domínio privado, em seu interior (futuramente literal), agora o pressuposto é de que ele vá só desdobrar seus insights e confissões. no dispositivo… CONTINUA

A cidade é um campo de batalha

Assim como em A Cidade é uma Só? (2011), de Adirley Queirós, Parque Oeste começa com mapas traçados de uma jovem cidade planejada. No primeiro, a cidade é Brasília; aqui, Goiânia. E, da narrativa de progresso e promessa, que esses filmes fazem seu contra plano. Nesses projetos de urbanismo das cidades, a “promessa modernizadora” haussmanniana expele para as bordas a população trabalhadora, através de mecanismos de especulação, encarecimento do centro e repressão, e assim ordenando o regime de visibilidade da cidade em sua geografia, cuja… CONTINUA

Reina a felicidade plácida no reflexo de um freezer gourmet do Leblon

Um Filme de Verão começa com um plano-sequência andando com câmera na mão pelos becos de uma favela em contra-plongée. Muita poluição visual em primeiro plano, mas o céu azul cortante está sempre lá relegando um respiro harmônico aos nossos olhos. A câmera parece caminhar a esmo, virando em becos aleatórios, mas só parece – ela, na verdade, segue uma rede de cabos e fios que conectam aquele espaço. Fisicamente e virtualmente. Um Filme de Verão é um filme em rede, é um filme que… CONTINUA

“Meu amor é assim, bruto e sincero demais”

Poucas coisas podem te preparar para Vermelha. Abrindo o texto assim, pareço falar de uma obra de absoluta novidade, inovação, frescor e ousadia. É isso, mas também não é. O primeiro longa-metragem de Getúlio Ribeiro te instala numa ambiência reconhecível, tanto narrativa quanto esteticamente. Começa com dois homens na faixa dos 70 anos a baterem laje numa casinha simples de bairro. Falam amenidades, discutem quanto mede um alqueire e um hectare e qual a melhor lua para cortar cabelo. Nada parece fora do lugar, e… CONTINUA

Contraplanos

Há algo de incongruente e simplista na cobrança que os bastiões da moral e cívica possam fazer de que haja em Desvio uma representação mais politicamente branda do processo de indulto, ao mostrar o protagonista Pedro (Daniel Porpino) participando de um assalto a um banco – até parece que o detento deveria ir festejar o natal com a família, e depois voltar para a cela sem maiores complicações (como pede a polícia), plenamente redimido, seguindo as prescrições do Código Hays, de uma novela da Rede… CONTINUA

Carcaças

Tragam-me a Cabeça de Carmen M. é um filme de carcaças. Do corpo largado da protagonista encarnada pela codiretora Catarina Wallenstein, passando pela imagens usadas nos recortes neotropicalistas na casa da mulher, os trechos de filmes hollywoodianos clássicos com a presença da “pequena notável”, o incêndio do Museu Nacional, as canções esparsas executadas em certas cenas, o cenário desolado onde se passa o filme dirigido por uma diretora controladora presa a uma cadeira de rodas (Helena Ignez, apenas vestígio do vigor cinematográfico moderno brasileiro), são… CONTINUA