Morte certa, vida impossível

A Morte Branca do Feiticeiro Negro é um filme de artifícios simples. Imagens de arquivo, vídeos digitais, música e carta. A carta, entretanto, jamais vira narração. Não é lida e nem performada, despida de corpo. Entre incompletudes e fotogramas que “flicam”, paira, muda, uma carta de suicídio. A carta de suicídio de Timóteo é o único vestígio de sua vida, afirmando-se apenas quando não mais existe. Como, então, dar uma voz fictícia a um corpo que em vida nunca teve direito de existir? Rodrigo Ribeiro… CONTINUA

Instantâneos passageiros

“Se você estiver exatamente onde estiver, então as pessoas eventualmente virão até você”. Robert Doisneau “Ontem eu ouvi a obra-prima de Bizet, pela vigésima vez. Novamente com terna devoção, novamente sem fugir. Este triunfo sobre minha impaciência me surpreende. (…) E realmente, cada vez que eu ouço a Carmen, eu pareço perante mim mesmo mais filósofo, um melhor filósofo: (…) tão paciente eu me torno, tão feliz, tão indiano (…) ficar sentado cinco horas: o primeiro estágio do sagrado!” Friedrich Nietzsche   A arte do… CONTINUA

Do trono de Tarcísio Meira à poltrona de Mario Frias

Independência ou Morte (Carlos Coimbra, 1972), emblemático sucesso de público à época, é tido historicamente como o melhor exemplar de um cinema oficialista feito durante a última ditadura civil-militar brasileira. Curiosamente, o filme é uma produção independente de Oswaldo Massaini, e não teve financiamento estatal. Com a destreza comercial de sempre, Massaini aproveitava o clima de festejo do sesquicentenário da Independência e o ufanismo do “milagre econômico” para lançar nas telas do país um drama histórico de qualidade, protagonizado por Tarcísio Meira (no papel de… CONTINUA

“A diferença na forma é um termômetro da luta” – Entrevista com militantes do canal Treta no Trampo

Os entregadores de aplicativo começam a dar corpo a uma figura política coletiva frente às novas formas de trabalho, ao patrão na “nuvem”, à corrosão do que conhecemos como emprego e direitos trabalhistas. Aqui na revista lançamos uma série de textos que interrogam as imagens produzidas no contexto: o melodrama dos aplicativos, o diálogo com o cinema militante histórico, a inventividade e o desvio de finalidade na produção múltipla e heterogênea dos vídeos pelos trabalhadores no corre do dia a dia. Fechando a série #visõesdatreta,… CONTINUA

Perdi a cabeça, pulei na piscina

Então me lembrei: não sabia nadar “Boca a boca”, composição de Nazildo e Juvenal Ungarelli 1. Uma ideia mais ampla, profunda, profissional etc., do que seria um tal “cinema brasileiro” ainda não estava na minha gama de preocupações quando assisti a Alguma Coisa Assim, curta que Esmir Filho dirigiu em 2006. Já naquela época, no entanto, era possível notar certa distância mantida entre o cinema jovem, ativo, colorido e queer (há quem dispute o termo, mas a discussão não cabe aqui e agora), proposto pelo… CONTINUA

A matemática do poema

A exibição conjunta no festival Ecrã de Telemundo (2018), filme dirigido pelo septuagenário artista norte-americano James Benning e co-escrito com a jovem atriz e cineasta argentina Sofía Brito, e de 中孚 61. A Verdade Interior (2019), filme-ensaio elaborado por Brito durante o processo de colaboração entre os dois, é uma oportunidade e tanto de imaginar o que pode significar um encontro em cinema. Em Telemundo, Sofía e James estão em cena, durante noventa minutos, em frente a uma televisão ligada no canal hispânico Telemundo, que… CONTINUA

Um thriller paranoico

O novo projeto de Lewis Klahr consiste em um ciclo de seis filmes, exibidos em agosto no festival Ecrã. O cinema de Klahr tornou-se conhecido por uma certa maneira de se debruçar sobre a sensação de passado contida nos resíduos das indústrias culturais dos anos 1950 e 1960, a partir de uma prática de colagem que retoma o fascínio dos artistas surrealistas pelas formas fora de moda e o caráter inquietante de sua montagem de materiais heteróclitos. A mesa de trabalho de Klahr era o… CONTINUA

Bofetada com luva de pelica

  “No teatro grego, shakespeariano ou romântico, há as matérias que são as matérias preciosas, o ouro, as pedras preciosas, o diamante do filme (…). E por outro lado havia uma degradação deste preciosismo ao que hoje é o tema central do teatro moderno: ou seja, o dinheiro. Desvalorização do ouro ao dinheiro que corresponde a uma realidade econômica histórica”. Jean-Claude Biette, entrevista a Serge Daney e Pascal Bonitzer, Cahiers du Cinéma, Julho 1977 “Nós sabemos, mas nós também queremos outra coisa: crer. Nós queremos… CONTINUA

O funeral do século

O cenário em tela é a desintegração da União Soviética e suas sequelas. Loznitsa atualmente vive na Alemanha, filmando com parcerias internacionais: Donbass, de 2018, foi construído a partir de material coletado no Youtube, postado por milícias pró-Rússia e separatistas da Ucrânia, que apoiam a República Popular de Donetsk, estabelecida em 2014. Por sua vez a Rússia anexou, também em 2014, a Crimeia, território ucraniano. Pagou um preço elevado em sanções econômicas dos EUA e Europa, que atingiram pessoalmente aliados do Presidente Putin. Em dezembro… CONTINUA

Anotações a quatro mãos em torno do Faroeste Spaghetti. Parte 2: o vento assobia e a tempestade se enfurece onde o sol do futuro nasce

O partigiano portami via che mi senti di morir Il fiore del partigiano morto per la libertà FF: Nós falamos muito sobre representações de história e colonialismo e isso faz muito sentido dada a iminência histórica do gênero e como ele acaba importado para a Europa. Uma coisa que me veio à mente é tentar pensar o spaghetti dentro da história do cinema popular italiano. Como eu disse lá antes, acho que ele se conecta muito bem, por exemplo, com o filme de horror. Há… CONTINUA