“E vocês aí sentados, olhando, por que não gritam?”

Abertura da 22ª Mostra de Cinema de Tiradentes. Uma banda militar toca na área interna da Cine-Tenda. As pessoas entreolham-se, estranhando a presença daquele som, que tanto ama a força (principalmente, o uso dela sobre todxs xs corpos que não seguem a normatividade que, essa mesma força, impõe). As portas abrem, rapidamente, a sala encontra-se lotada. As luzes apagam-se e começa a exibição de um vídeo: “Ato 1…”, iniciando a performance audiovisual que aborda o tema central deste ano, “Corpos Adiante”. Surge um corpo, no… CONTINUA

Monstruosidade contraditória

O que são “as boas maneiras” referidas no título do filme de Juliana Rojas e Marco Dutra? A expressão é carregada de sentido irônico, ao qualificar determinado comportamento (“maneiras”) como bom (“as boas”), pressupondo que exista, em contraponto, um ruim. Sob qual ponto de vista estão “as boas maneiras”? Da dupla de realizadores? Dos personagens? Do espectador? Eis o primeiro enigma de um filme que, a partir de uma fábula de horror, desenvolve a complexidade de relações sociais num Brasil urbano de ares contemporâneos, onde… CONTINUA

A dívida, o segredo, o labirinto

“Queriam nos queimar vivos”, Nuno, personagem de No Quarto da Vanda, de Pedro Costa “Estes genealogistas da moral jamais viram até aqui, nem que fosse de maneira vaga, que o conceito de Schuld (falta, culpa), por exemplo, conceito fundamental da moral, remonta ao conceito bem material de schulden (dívida); (…) Durante o mais longo período da história humana, não punimos de maneira alguma porque pensávamos o malfeitor como responsável por sua ação, portanto de forma nenhuma pensando que apenas o culpado deve ser punido; não,… CONTINUA

Pedagogia de uma montagem que fala

Uma sala de aula, assim como um corpo, só consegue existir em relação com aquilo que se situa fora dela. Por mais que alguns façam de tudo para neutralizar tal condição através de um jogo retórico que rejeita e ignora a implicação do fora no curso dos acontecimentos imediatos, ele se fará presente. Ainda que tal jogo retórico produza fantasias como a ideia de grupo autossuficiente ou a percepção de um eu isolado, alguma corrente de ar teimará em vir lá da onde não estamos… CONTINUA

Beleza difícil

Filmar o existente, as existências, o existencial Quando o filme começa, Fernando (Konstantino Sarris) já é o destaque do time de handebol da escola e bastará uma partida para que seja chamado para jogar e terminar os estudos na Alemanha. Entre esse primeiro momento e a partida definitiva de Fernando ao final do filme, a mãe, Irene (Karine Teles), é quem mais fortemente reage enquanto a família se prepara para o momento em que, pela primeira vez, um membro da família que vai ao estrangeiro.… CONTINUA

Um épico playground guerrilheiro

“Por uma concepção do sujeito ‘descentrada’ e ‘diluída’; (…) o japonês ignora a palavra pleno, que garante ( se garante) a existência do sujeito” ( Plano de trabalho sobre o cinema japonês de hoje, por Pierre Baudry) “Ler, esta prática” Mallarmé “O não-domínio assumido pelos Straubs não implica nenhum abandono ao acaso como última instância ( um acaso é um ‘vil significante’, como dizia Barthes), mas lhe imprime um campo determinado, uma área de ação circunscrita, a manobra como margem inscrita na maquinaria” La vicariance… CONTINUA

Roma e os limites do visível

Toda imagem nasce sob um desafio: durar além de si mesma. Ir além de sua extensão, de seu presente. Prolongar-se na memória. Não ser relegada ao campo do esquecimento após passar diante do espectador. Transcender sua própria materialidade, sua condição de fato ordinário, em suma. Esse desafio das imagens vem à mente diante de um filme como Roma. Como em outros de Alfonso Cuarón, encontramos aqui uma afirmação da imagem como presente e visibilidade absolutos. Em sua ambição, as imagens de Roma parecem querer tudo… CONTINUA

Material, tenaz

Apesar do lugar de destaque que a obra de Frederick Wiseman alcançou neste século XXI – depois de mais de 50 anos de atividade e mais de quatro dezenas de filmes –, a recepção de sua obra ainda se dá em meio a bastante ruído. A fama de “cinema observacional” plasmada na imagem da “mosca na parede” da observação neutra acaba por nublar as principais armas de um dos maiores artistas de todos os tempos, não só do campo do cinema. Enclausurar Wiseman numa postura… CONTINUA