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A lógica da linha

Sob o desejo por um encantamento ensejado na artificiosa surpresa de nada saber de antemão – possível sobrevivente de um culto do mistério excitado e desviado de uma “vertente mística” do cinema –, ainda existem aqueles que escolhem não buscar ou estar abertos a qualquer informação prévia de um dado filme? Decerto que existem, e mais seguro ainda será a probabilidade de que este História de um Casamento, o mais recente Baumbach, surja-lhes como um desafio. Porque se para aqueles que chegarem à obra sabendo dela que se tratará de uma separação, se para eles a bifurcação do movimento introdutório duplicado engata uma inquietação que só poderá se resolver concluindo-se duas coisas, ou que Nicole (Scarlett Johansson) e Charlie (Adam Driver) ainda vão se divorciar num próximo futuro, ou que o casamento logo vai se resolver, sendo este início um resgate e uma salvação para o que virá – para esse outro espectador trajando certa consciência neutra aquela dupla leitura aos modos de um “o que eu amo em você…” será repelida com um corte ainda mais duro. Baumbach devolve o que há de jogo no amor ao amor: encena. Restitui as posições aos pares e o faz, ainda, sob a mais rígida e de certo modo mais virtual das linhas separatórias: o estado de direito, de coerção das impalpáveis coisas.

Desde já fora de um sistema em que subsiste necessariamente a lógica “da saúde ou da doença” ao tom afetuoso dos matrimônios, que Charlie adore como Nicole está sempre de prontidão e que seja possuidora do jeito mágico de abrir os potes de compota, impossibilitado que a microtragédia prosaica evidentemente destitua o dia de qualquer aproveitamento; que ela se encante com a maneira dele de pensar em todos os membros da companhia de teatro de que participa, e que ele mesmo dirige, sendo portanto não só genial como também gentil; que o pingue-pongue os interligue com a espirituosidade quase comercial e típica dos entreatos das comédias românticas estadunidenses; que as cenas (as amorosas e aquelas, ali), enfim, estejam todas carregadas desse desejo de fazer coincidirem o discurso amoroso ao seu signo de particularidade universal, esta empreitada de direção e redistribuição devirá um espanto propriamente dramático: logo ali onde o prognóstico de uma banalidade estaria às beiras da literalidade e da repetição, do “açucarado”, Baumbach como que toma o acontecimento amoroso pelas laterais. Deixa que o plano dure e o persegue. Impõe aos atores uma linha de continuidade visível onde sabemos que tudo está também cindido no entre-planos, de modo que a solidão, o choro, o teatro do cotidiano, as mãos dadas ou separadas – de tudo nos tornamos acompanhantes somados de espectatorialidade. Amantes e leitores.

O que um detesta ou ama no outro é por vezes disjuntado do que se vê em quadro, e os retratos das cenas cotidianas vêm-a-ser propriamente cenas em que o estranhamento perpassa o desconfortável e retumba no amor, ou em que o jocoso tem origem numa incapacidade só para destacar algo de singular: que ela seja do tipo que para nas ruas para assinar petições a favor dos animais é, a seus olhos, uma loucura; curiosamente, não é por menos que isso que ele a ama. Os vetores se chocam. As in-coincidências imantam posturas em voz, leituras. E se o prólogo perde toda sua faceta do que poderia ser inofensivo, é ainda a câmera que logra mais: ela nos parece, de repente, menos um olho indissociável da individualidade de seu perspectivismo do que uma encenadora, uma invasora com tamanha capacidade de ser espaço, que sua presença se torna a mais neutra possível, sem, no entanto, deixar de inclinar, apontar.

Mas como costumeiramente nos acontece, outro tipo de corte relembra da descontinuidade das peles e da continuidade do tempo: estão ambos no talvez (e agora) verdadeiro ato inicial, no acontecimento iniciático e saltitante no tempo que inventa o signo-vértice e restitui o fio à medida da relação: um consultório a três. O rastro da triangularidade que Baumbach capta como se fôssemos a parede “menos implicante” possível é certeiro: trata-se, de fato e de direito, de uma separação, e a posição do par no quadro dobra o sentido da sala em si. A história de um casamento que é a história de sua dissolução. É um – e é outro. E ambos deverão falar desse fantasma medial.

Aquela extensão temporal amalgamada em sucessivos fotogramas de particularidades é, então, rasgada ao meio. Se aquilo que singulariza e lança o outro como projétil inviolável de memória (sempre sou “eu” que melhor o coloco, aproximando o movimento de tornar-se íntimo daquele da aparição do sensível), é também em ambos os lados que o estranhamento se deposita, mas um estranhamento agora anônimo, não pertencente a ninguém ao mesmo tempo em que é dividido e se espraia como uma incógnita sobre a veracidade. Não é por acaso, portanto, que o quadro será, aqui, levado ao limite do impossível. Diríamos: “toda cena é um giro”, mas seu conjunto é antes um jogo onde as partidas comportam acariciamentos, aclimatações ao afeto que está sendo descoberto – mesmo que ele nos impele ao tal indefinível mistério diante da unidade de uma emoção. Onde as divisões, limites, papéis, seguranças ou pertenças estão discerníveis por essa linha que apelidamos de “bom senso” contratual, a violência das probabilidades mais ou menos estanques que estruturam o matrimônio enquanto compromisso com um entendimento separado jaz abalada. Numa ética do jogo, o “aconteceu que…” é tão fruto do acaso quanto da circunstância cênica que jogar implica: ir contra a lógica das bordas e do tempo rumo a um vencer. Mas vencer o quê? O que se vence no amor, dele? Ou ainda, e no geral: vence-se? O que se ganha quando o trauma do outro já não faz nada além de confundir e atravessar aquilo que acreditei ser?

Em menos de quinze minutos de filme, aliás, qual será a segurança desse espectador sobre si mesmo, quando de uma tristeza e de um possível e genuíno choro de irrupção compartida ele passar por uma estupefação, sem, no entanto, ter saído dos primeiros estados, e, vendo o pranto escondido de Nicole diante de uma mentira entranhada em anos divididos num mesmo espaço, ele também perceberá que a empatia talvez não seja uma empatia pelo outro, mas pelo que de mim pode haver nele, sendo enfim e afinal por nós mesmos.

Uma vez que aqui eles não deverão passar como puramente contemplativos, por que não perceber todos os exercícios plásticos também como um casamento, como esses lances e apostas imbuídas da receptividade mais múltipla concebível à mistura, antes do que como as linhas de politização e distância obcecadas pela representação perspectivista? O que nos leva de imediato a perguntar: é um filme sobre o casamento-instituição, como fazem o tempo inteiro parecer a corja de advogados vindo ali representar a justiça; é um filme sobre a prevalência das mães sobre os pais na guarda de crianças, este atualíssimo assunto; ou quem sabe um retrato sobre as consequências de um casamento quando o termo filial embaralha os seus outros termos entre a posse e o amor? O que quer dizer, afinal, que um filme virá a “ter com” ou “se debruçará” sobre certo assunto? Podemos dizê-lo sem medo: é a explícita inferência de que assuntos de tal qualidade são do domínio de quem deles resolveu tratar. O que Baumbach articula é, miraculosamente, um sistema de digladiação perpétua, não diante da distinção entre o casamento institucional e aquele outro vivido, mas entre aquilo que só numa questão tomada pela temporalidade e pelas micro-resoluções lograria ser ressuscitado como nosso interminável imbróglio entre realidade e encenação. E o choque derradeiro do par será nada menos que compactuar, enfim, com um acordo infiltrado, um novo contrato endereçado a ninguém, o jogo segundo de cena em que a separação é simplesmente designada como algo a ser lido como a palavra numa carta que, também ela, se fecha. Arquivo a ser acessado.

A diferença, portanto, dessa lógica de linha para uma de jogo é que a primeira aceita participar do sistema de propriedades, assim como eles o fizeram ao se entremearem com a mediação da advocacia, e a segunda tem de resolver-se com o risco da mistura, em que toda jogada, todo ato, implica grande margem de aceitação, e todo desejo – aqui, da última palavra – se entremeia com passagens que são sempre temporariamente possíveis. O filho, as profissões, as premiações, as razões de união, os itens de casamento e até os próprios dizeres, tudo aquilo que eles acreditavam possuir e ter como garantia tanto pelo fato quanto pela lei de divisão desse fato, recebe duas separações: a primeira na desfeita do contrato em si, e a segunda colocando no filme uma espécie de “gatilho separatista” a partir do qual o casamento é obrigado a rever a própria história naquilo que dele restou, que existe porque precisa ser vivido sempre uma vez mais – somente para que seja garantida a outra separação, aquela em que é possível coexistirem em memoria sem a vida conjunta. Esse gatilho é a encenação judicial, o arquivístico e econômico conflito das posses e valores.

De quem são o filho, a palavra e a razão? Quem é egoísta, qual é diminuto, qual permaneceu iludido, quem é realmente genial? Pareceríamos estar o tempo inteiro aptos a decidir, e, no entanto, o que o filme alicia não é, nem de perto, o voto certeiro ou a determinação mais propícia e justa. Numa sagacidade poucas vezes antevista, aliás, o oponente com que a encenação parece jogar é precisamente o pensamento cuja sistemática ora põe de um lado, ora do outro, de forma que o cinema pode sem dúvidas, aqui, considerar a si mesmo defronte a quem vê: ele está sempre sob o risco de ser, ele também, um pobre protocolo do juízo. Numa épica cena em que o acerto de contas será enfim ensaiado extrajudicialmente, o tom do “eu não sei por onde começar” como que entrega as mãos ao reenquadramento, a aceleração decisória do plano devindo ética em simultaneidade ao rolamento da argumentação: do plano/contraplano que estabelece o tracejar de dois lados – por uma frontalidade separada, verifica-se a legitimação de cada parte da contenda, o que não levaria a lugar nenhum – há um salto à distância que não faz senão aproximar.

Eles são agora figuras numa saleta pouco mobiliada e neutra, são o silêncio de algo aparentemente morto tanto quanto o falacioso zero de onde qualquer coisa pode começar. E qualquer coisa de fato se inicia: sob a razão da propriedade, eles se exaurem até o limite do impensável. Nova York ou Califórnia; metade da guarda como um preço justo ou a justiça inclinada à preferência do filho; a infelicidade da atriz apagada sempre em vias de se perder ou a felicidade que era o sucesso da companhia, ainda que ele, o diretor, sempre a centralizasse em seus louros? A quadra de lances poderia seguir infinitamente, violenta e em direção à violência. E eles não perceberão a exaustão a que levará os lances opinativos a partir do qual funcionam para dar conta de um término que não termina, a não ser quando Baumbach vira a cartada de morte num sopro estatuário. Eles estão, em frágil definitivo, dois-em-um. Cena patética, congelada, repetida, mas certeira: gelada. Aquele homem humilhado – difícil tarefa –, pode-se dizê-lo, morreu em vida. Petrificou-se numa lembrança do que não carregar em vida.

E teríamos sequer começado a pensar de maneira prolongada a relação do cinema com o estatuesco? Teríamos mesmo ido além da filmografia de Straub/Huillet, com seus atores fincados cuspindo textos em sobrevida, além d’As Estátuas Também Morrem (1953), de Alain Resnais e Chris Marker, ou das estatuárias faces de Eugène Green, a ponto de pularem da tela? Pois assim a cena finda, só para atestar que nunca se começou propriamente: Nicole o acusa de ter perdido a medida do egoísmo, tamanho seu autocentramento; Charlie se enerva até desejar vê-la atropelada, morta, e quando cai ao chão num derrame de soluços os segundos estão a serviço das apostas: ela vai sair; é impossível que não se retire; a razão está inteira com ela. E quando afaga sua cabeça, ele lhe retribuindo com a miséria de um abraço entre as pernas, a estátua que se forma é a de um acontecimento.

É a razão, na verdade, quem sai pela porta. É o desejo de razão “quem” nunca deveria ter entrado ali. O que é um casamento? É o acontecimento que arrisca um abraço em meio à miséria. É a noite de leitura com os três na cama, mas onde cada rosto, na durabilidade do que não se pôde mais encenar, se distancia do seguinte: ela dá o ouvido ao filho, este dá as costas ao pai e não olha para ninguém, e o pai é o ninguém que lê. Mas, ao mesmo tempo, do outro lado das faces em rocha: ela chora, Henry (Azhy Robertson) guarda o futuro do término no único olho visível, e a voz do terceiro de repente nos fala sozinha, quiçá para um fantasma. Como os míticos casais carbonizados e engessados após a consumação de Pompeia pela lava, o que sobra é o rastro da pele que mais pode dizer da encenação, estando, no entanto, exausta de meios-termos. Vivas, aquelas estátuas, mas seguramente rijas.

É por isso que entramos nós também em xeque quando Charlie diz à ex-mulher que seu arrependimento presente era realidade passada. Não por que os pontos-de-vista variem ao sabor das facilidades atuais, mas somente uma vez que o atual não pode se acertar senão pelas vias do que se faz com o que restou – e o que soçobra jamais está plenamente morto. As estátuas daquele casamento morrem não por apagamento, mas porque o contrato casamenteiro é demasiado frágil para compor a mistura que é a união, assim como o são as palavras, ainda que dependam e dependamos impreterivelmente de ambos. Curioso que aquele que mais se assemelha à propriedade em disputa seja também o portador da lucidez mais simples e ferina: passeando muxoxo com o pai, Henry dirá preferir a Califórnia, uma vez que todos os seus amigos e sua família lá estão, e (se) corrige logo em seguida: toda a minha família além de você.

Ora, ainda que não fosse realmente necessário que, olhando o retrato de si mesmos enquanto artistas num espetáculo intitulado Cenas de um Casamento, Baumbach fizesse de Charlie o pontapé de um lembrete referencial à minissérie de Ingmar Bergman de 1973, é talvez a um terceiro diretor, ou quem sabe a um outro filme-retrato em específico, que ele aponta e louva sem cessar. É o truque de seu título traduzido perfeitamente numa curiosa língua que a centelha desperta: Era Uma Vez em Tóquio (que de Tokyo Monogatari passa, ao inglês, como Tokyo Story), filme de Yasujiro Ozu de 1953, de onde a antológica cena de um casal de pais observando o mar à distância e em constante desaparição perante os filhos ecoa, aqui, por inteiro.

Eles fecham um portão de rolar juntos, cada qual num lado da casa, e no mesmo ritmo em que a madeira os separa eles estão a observar, atônitos, aflitos, a própria separação sem nome e fugidia para um objeto. Quando a assistente social lhe pergunta sobre certa brincadeira com uma lâmina, Charlie revela que sua verve de mágico o impedia de efetivamente ser cortado com um pequeno canivete, sempre recolhendo a ponta antes de deslizá-lo pelo braço para assustar e entreter o filho. Mas, ali, acaba rasgando o antebraço por desatenção, o trágico não necessitando mais de tempo para devir-cômico. Um assento infantil para veículos que surge mal-ajustado, uma fantasia de halloween de que já não se gosta mais, um pequeno caderno de críticas a que se promove a passagem do plano-detalhe a um plano de mentiras amarradas a impossibilidades. A questão para a mise-en-scène não é que casamentos sejam necessitados de pequenas cenas cotidianas para a própria subsistência, como acontece à família de Nicole encenar de forma rocambolesca a entrega do envelope que aciona a separação, enfim, pelo meio jurídico: pelas propriedades do espaço, pelo que os objetos retêm muito além dos usos e muito aquém do descarte, a cena sempre já está dada, fazendo-se ali enquanto a união ou a desaparição se estendem. E, o que é certamente ainda mais espantoso, não é pela duplicidade crônica ao cinema de Bergman que a potência da encenação será multiplicada. Que ele seja um diretor e ela uma atriz é tanto uma “referência” quanto um joguete, mas ainda mais uma armadilha.

Pois que figura Baumbach selecionou para restituir aos contratos, espaços, distâncias e cesuras uma saliência do dramático, que outra persona ele elegeu para beirar a zona limítrofe entre o socius e o íntimo, legislando e regendo as relações sob uma anima em que o detalhe pode devir farsesco e o “grande quadro” uma briga de cães? Que outra caricata função senão a da advocacia, essa excelência de metteurs-en-scène que consiste em, num mesmo golpe, restituir e burlar aquilo que não é jamais fixo? – a lei, o conjunto de atos e reflexos que mede o relacional. História de um casamento, portanto, mas somente na medida em que uma história se faz também, e majoritariamente, do que é inatual. Em sua acepção mais ordinária, o quesito do legal é o do denominador comum cuja reta permite que aquilo de razoável venha, por paradoxo, somente depois. Mas depois de quê? De outra encenação ainda. E esta quer o acúmulo de verdades para traçar o veredicto que não é nada menos que a eleição dos vencedores e dos derrotados, de forma que pouco importará a Nicole, paulatinamente, que a legalidade aos olhos de sua advogada (Laura Dern) reverta o jogo, virando a distinção entre um contrato e uma discussão e rebaixando a dominância masculina de seu lugar de razão suprema.

Que o ideal do sacrifício feminino e da glória do homem exista, que “Deus, o grande pai, não tenha sequer comparecido ao nascimento de seu filho pelo ventre de uma virgem” seja uma mitologia rompida ali mesmo enquanto praticam suas falas para a corte, tudo isto é uma coisa. E é outra coisa que, ao que Charlie mencione a mudança para a Califórnia pela motivação de uma residência, Nicole tenha seu olhar sustentado e suspenso pela ação de uma câmera que decide por durar. Está evidenciada sua tolice, naquela duração, por quiçá vislumbrar um passado que nunca pôde se dar naquele presente? Fica explícita a tentativa de um derrotado naquele olhar de outrem, aguado e fixo? Não estamos mais –inter, mas –intra; não nos cabe emitir juízos, mas participar do insólito em que todas as coisas têm de representar um fechamento estando ainda estranhamente abertas.

Aonde vão, para onde se deslocam os sentimentos, quando dizemos deles que estão terminados? Decerto que não se sabe. Mas o que se sabe sem que se racionalize é que há intervalos congelados no tempo, há cadarços sempre desamarrados, há a solidão de cortes de cabelo, há o estranhamento na assunção de um novo cargo de diretora, e existe também aquele filho que, aprendendo a ler, enfeitiça um texto com o caráter de uma releitura do que, no entanto, nunca foi dito. Os fantasmas pairam nas palavras de uma carta que já não é mais a mesma coisa, ou ainda que não é tão somente mais a declaração que já foi. Que o último gesto deste filme seja o aprendizado de uma decifração é um golpe endereçado diretamente ao ouvinte tanto quanto àquele pai: ler não é fazer vir à luz, nem tampouco compreender ou ir de encontro ao término. Ler, ali, sustenta-se na perene similitude com os fade-outs, postos em desaparições precisas: o pai que, emulando um Frank Sinatra desavergonhado pós-separação, cantando, descobre-se inesperável e se descobre agora ninguém; a mãe que, nos vindo de frente para chorar, chora por si, por ele, e pranteia também o anonimato multidirecional que é o esquecimento. Ler é, para o pequeno Henry, suscitar o que há de indicial nesses fantasmas que, não pertencendo a mundo algum, comunicam com aquele outro que pode ser possível. Se uma imagem resiste, se perdura, é porque, na durabilidade frágil do que desaparece desaparecendo, pode ainda restar, aqui, um arfar, um fôlego para os que continuam. Ler é continuar, e sempre uma escolha pela mistura em detrimento da linha.


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