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A chance para sonhar, a chance para nascer

A aceleração do Brasil na direção de uma intensa experimentação geomicropolítica necroliberal-colonial pressiona as proposições artísticas de resistência para um modelo que, levado ao paroxismo, tende ao monotemático e ao descrente. O que se chama freqüentemente de “urgência” significa concretamente uma expectativa de efeitos de rápida velocidade cognitiva que estejam pré-prontos dentro do que é esperado e conhecido no mapa moral. Não por acaso, nos últimos anos abundam filmes que mostram cartelas com estatísticas, ou que se apóiam em seu valor de evidência e “necessidade”. No capitalismo cognitivo da informação, a legibilidade, a produção de dados em código organizável, é a regra e a moeda. Ao ambiente de descrença que se coloca, respondemos com comprovação e evidência, retroalimentando a máquina moral, ansiosa por decifrações.

Historicamente, faz-se cada vez mais importante lembrar do mantra de Margareth Thatcher: “não há alternativa”. Esse é o lema do necroliberalismo como epistemologia, o xeque-mate – ou cheque-mate – que esculpiu nosso presente. Assim, podemos perceber que sua incidência triunfa sobre as forças que tentam resistir a este dito, na medida em que a imaginação, o indecidido, e o inesperado não parecem priorizados pelas forças de resistência simbólica.

Falando sobre a importância das relações entre política e imaginação, como lugar de estratégia hoje, a poeta Walidah Imarisha escreveu em seu artigo “Reescrevendo o futuro”:

“Apesar de nossa habilidade para analisar e criticar, a esquerda se enraizou naquilo que é. Nós frequentemente esquecemos de vislumbrar aquilo que pode vir a ser. Esquecemos de escavar o passado em busca de soluções que nos mostrem como podemos existir de outras formas no futuro. Por isso acredito que nossos movimentos por justiça precisam desesperadamente da ficção científica.”

A obra de Gabriel Mascaro até aqui é marcada por um interesse evidente em conceber um cinema interessado em politizar a forma, a maneira em que os projetos são concebidos e os papéis distribuídos. Todos os seus filmes são sobre modos de ver, modos de apresentar os problemas, com maior ou menor sucesso. Divino Amor atualiza essa estratégia. E busca, à sua maneira, ser ativo na tarefa de imaginar um “vir a ser” que, em contato com o seu tempo, movimente as coisas, reconduzindo os modos de leitura. O movimento se dá no estabelecimento do ponto de vista do filme sobre o que mostra.

O enredo conta a história de Joana (Dira Paes), escrivã cartorial, casada com Danilo (Julio Machado), um casal de classe média que quer engravidar. Sugere-se um estado fundido à religião evangélica, e que controla intensamente o corpo. Desde a gag inicial de uma imagem da praia onde as mulheres usam uma roupa que cobre todo o corpo e os homens só sunga, até os onipresentes aparelhos de raio-x que lêem não só os nomes das pessoas, mas que informam se a pessoa está grávida e quem é o pai, a mescla entre estado, técnica e religião está dada. Joana é radicalmente a favor ao princípio deste sistema, ao “amor”. Seguindo a linha de Boi Neon (2015), seu filme anterior, a fertilidade e a genética voltam a ser um tema. Danilo é infértil. O casal tenta vários tratamentos, em vão. Até que Joana engravida, mas seu filho não é do seu marido nem de ninguém. Ao final, descobrimos, aconteceu a profecia cristã: o Messias retornou, como filho sem pai da escrivã. O mito cristão se deu. O ano é 2027, e o narrador criança diz que “a festa mais popular do país não é mais o carnaval, é a festa do Amor Supremo”.

Um dos gestos dramáticos mais agudos do filme é fazer desse narrador, cuja infantilidade parecia só uma gag, o personagem central da trama, que se consubstancia no último plano. O filme encena essa “materialização”, do espaço “off” para o “on”. Ao lado da protagonista “a favor” – contrariando a tradição do imaginário distópico –, este narrador causa ruído na relação de empatia e identificação com o espectador, que desemboca na revelação final. Contrariando uma tradição cética e laicizante de grande parte do cinema brasileiro de experimentação política, chamando para a conversa tanto o ensaio sobre Cristo de A Idade da Terra (Glauber Rocha, 1980) quanto a obra-prima sobre o tema da crença A Palavra (Carl Th. Dreyer, 1955).

“Radical, livre, secreto. Quem nasce sem nome, morre sem medo”, diz o narrador: Mascaro faz desta mitologia central do Ocidente uma fábula sobre o advento do novo e sobre como sistemas instituídos estão preparados ou não para ele. Indo adiante, podemos dizer que o filme desdobra a ideia clássica da ficção trágica – “estás preparado para receber o que desejas?” – testando o limite de uma doutrina com sua profecia central. Assim, por mais que pareça “adequado” à resistência simbólica e à necrochanchada bolsonarista, esse contexto pressiona sua leitura para algo que o filme contradiz ao buscar uma perspectiva claramente fabular. Se ela se atualiza, não o faz por espelhamento, ou literalidade – características de compreensão hegemônicas em tempos descrentes. Mas sim por um jogo fino e ambíguo de causar o deslocamento justamente por não deixar a mediação evidente. A enunciação do filme embaralha uma expectativa de enunciado forte, “urgente”, e realiza uma investigação cultural que ativa ambigüidades ao invés de resolvê-las. Radical talvez seja se debruçar intensamente sobre que não se é. Empatia, afinal. O novo – o que não constava no jogo, o que pode mudar as posições, a entrada daquele que vem de outro lugar – é uma questão da política, da arte e da religião.

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Divino Amor é também, portanto, um metafilme: se projeta e se comenta, à medida em que se desenvolve. Assim, é possível encontrar nele material reflexivo para pensar estratégias políticas neste contexto onde “o que é” se torna uma régua retórica onipresente, e o controle atua para evitar aquilo que desorganiza o código vigente. Todas essas dimensões são questão de imagem, de mediação. A descrença na imagem como mediadora – sinônimo do encarceramento cognitivo em torno do “que é” – é um dado que atravessa as disputas simbólicas hoje.

Aqui, arte, política, religião e distopia se tornam matéria de estudo a partir do que possuem como necessidade comum em sua prática: crença. Toda religião é uma espécie de ficção visionária, invenção sem provas. A característica abertamente artificial de diversos elementos do filme (sintetizadores, iluminação neon, dublagem) reafirma esta pesquisa em torno da extensão da relação entre acreditar no que se sabe que não pode ser comprovado, no que não é natural, a partir do mito cristão. Crente é o espectador. No arco inicial do filme, a personagem de Dira Paes é alguém radicalmente adaptada à sociedade em que vive. A escrivã é uma burocrata que usa seus serviços cartoriais para, a despeito de seu trabalho objetivo, induzir a união de casais. As pessoas vêm à sua mesa pedir divórcio, e ela, de coração, quer convencê-los a ficar juntos. Em sua casa, há um altar com fotos dos casais que, eventualmente reunidos, lhe mandam uma fotografia de agradecimento. Joana é uma idealista, que faz de uma idéia de amor pela união das pessoas um radical lema de vida, mesmo que para este resultado seus métodos sejam artificiais. Esse elo começa a ser quebrado, para o espectador, com a prática da troca de casais. E essa cisão só aumenta, sendo o conflito principal do filme. No terceiro ato, diante da gravidez com a qual o sistema não consegue lidar, todas as instâncias passam a rejeitar Joana: marido, pastor, igreja. Aí se revela que o dado basilar desta sociedade é mais a informação, a prova, a técnica, do que a fé sobre a qual professa.

Na obra de Mascaro, as formas de encenação não são nunca automatizadas, e estão constantemente em mutação, hibridizadas inclusive dentro dos filmes. Há uma certa tensão representativa na carne dos filmes, na relação entre temática e forma de tratamento. Um Lugar ao Sol (2009), A Onda traz, O Vento leva (2012), As Aventuras de Paulo Bruscky (2010), Avenida Brasília Formosa (2010), Doméstica (2012), Ventos de Agosto (2014) e Boi Neon (2015) são filmes cuja própria constituição, sua maneira de fazer, se torna, com gradação variada, tema dos filmes, ou, no mínimo, uma dimensão explícita no debate sobre eles. Neste sentido, há um trabalho constante de estranhamento, pois, quando se muda a matéria, muda o olhar – os filmes parecem dizer.

Na instalação Não É Sobre Sapatos (2014), Mascaro realiza uma série de inversões que elucidam o tipo de movimentação que seu trabalho busca. As imagens que a compõem são supostamente realizadas por policiais, focalizando pés de manifestantes durante uma manifestação em 2013. A finalidade seria buscar um signo de identidade para identificar os líderes dos movimentos, já que eles poderiam trocar de roupa mais facilmente. Independente da pegadinha da autenticidade (se os vídeos são mesmo de policiais ou não), o que se opera é um jogo de deslocamento perspectivo e imaginário. Como olham os algozes? De que maneira? O gesto da inversão, desse experimentar os olhos do oposto, é central na poética do diretor, e encontra nesse filme mais recente um capítulo chave na história de suas estratégias.

Assim como em Terremoto Santo (2017), de Barbara Wagner e Benjamin De Burca, a premissa é mudar de posição, estudar o dispositivo cultural evangélico como uma forma altamente porosa e que parece conseguir englobar, na sua expressão, signos dos mais diversos – característica da filmografia de Mascaro. Este dispositivo de incorporação não se dá somente pelo afluxo de capital derivado das “teologias da prosperidade”, mas por uma postura voraz e altamente conectiva em relação a quase todo material subjetivo e cultural. O eixo que mais estica a corda da crença no filme trabalha justamente o limite desta voracidade: a prática de troca sexual entre casais para celebrar justo o amor monogâmico além do corpo. A comicidade do filme se combina com uma duração que a sabota, produzindo um riso tenso. O swing religioso, que é uma idéia cômica na medida em que parece ainda hoje pouco plausível, é desdobrada paulatinamente, em todos os três atos do filme, em suas práticas, limites e sensações. Ao lado, o filme coloca, por exemplo, o drive thru de oração, que é algo que de fato existe, mas que não é menos inacreditável que o elemento anterior. A zona de indeterminação moral desejada se constrói justamente neste tipo de contraponto, ratificando que produção de sentido é questão de ritmo, posição e de velocidades.

Em Divino Amor, a opção é pelo que pode parecer a mais conservadora de todas as formas que sua filmografia concebeu. A narratividade lacunar dos tableaux de Boi Neon deu lugar a um estranho classicismo nesta encarnação extemporânea da Imaculada Conceição. O tratamento absolutamente transparente dos personagens (sempre sabemos o que eles querem e pensam) e um investimento numa encenação muito controlada e consciente em seus efeitos produz uma combinação de solenidade e comicidade que coloca o espectador numa corda bamba de alto risco moral. Neste ambiente de sons sintetizados e luzes saturadas, tudo tende a soar verdadeiro, pois a câmera, as durações e as sonoridades trabalham paradoxalmente para fazer daquele mundo algo próximo, fazendo com que os dados de enredo e esse próprio pacto de crença cristalina na cena sejam objetos de estranhamento.

Seguindo o tom contido da interpretação de Dira Paes, Divino Amor apresenta uma devoção sem excessos ao drama que apresenta: nada explode, nem se distancia em demasia. Em grande parte do filme, o quadro realiza movimentos lentos, laterais ou de aproximação. Sua velocidade não se sobrepõe à movimentação dentro da cena, mas a presença do recurso confere ao mesmo uma sensação de fluidez, transe e estranhamento discreto. A mediação causa estranheza porque é sutil e gradativa. Na cena em que Joana descobre, ao computador, que seu filho não tem pai, a câmera faz um jogo de se aproximar dela lentamente desde o início do plano, na medida em que a informação vai se desvelando e a tensão aumentando, chegando a um quase close, pontuado por um ruído sonoro típico de PCs quando trazem más notícias. O movimento da imagem acompanha a gradação do drama, caminha em comunhão. Essa operação simples de ênfase gradual, convenção do cinema há cem anos, exemplifica materialmente o tipo de ruptura que aqui se deseja. A crença na suspensão necessita da suspensão da descrença.

O espectador é, como Joana, aquele que é fertilizado pela luz, que acredita no poder desta estranha posição de passividade e vulnerabilidade em nome de uma devoção pelo afeto desconhecido. As edificações que abrigam este cada vez mais raro ritual irracional são ainda hoje o alvo preferido das igrejas evangélicas. O parentesco não é só arquitetural. Todas as religiões são fundadas na sacralização do profano. No filme, esta idéia se torna mote de exploração e reversibilidade. A burocracia vira amor, o swing, prece, o drive thru, igreja, e assim por diante. Esse é o movimento de base dos trabalhos de Mascaro, estes gestos de troca.

Assim, o que fazer quando a encenação parece acreditar e seguir junto do desejo de uma burocrata evangélica, se você é um ateu desconstruído? Como reagir diante da encenação do retorno do Messias quando ela não é uma chacota? É possível encenar o mito da Imaculada Conceição de uma maneira moralmente plausível? É possível acreditar? A fricção da relação entre o olhar e a cena se dá neste ponto: usando uma gramática absolutamente límpida, o filme produz estranheza justamente pela relação de crença no mundo encenado, manejado a evitar redundâncias. Nunca a encenação foi tão discreta na obra de Mascaro, pois mesmo a forma do tableau imóvel de Boi Neon era uma marcação de posição menos transparente do que esses lentíssimos travellings circulares. Paradoxalmente, talvez seja este seu filme onde tal relação alcança os resultados mais inesperados, e menos imediatamente legíveis, pois nunca estiveram tão radicalmente devotados a servir à cena.

Um efeito fino de tom é produzido por um cuidadoso trabalho com as distâncias e gradações. Portanto, é notável o investimento plástico na busca desses pontos intermediários entre a caricatura pela proximidade excessiva e o cinismo pelo afastamento esquadrinhador. A limpidez sonora e a clareza dos elementos do desenho de som são marcas mais evidentes dessa minimização do ruído na mediação, para então gerar o ruído no efeito, na relação com quem vê. Essa é uma das mais decisivas características de Divino Amor: ser aberto na matéria e enigmático no efeito. A leitura de intenções – um dos esportes preferidos do nosso momento – não encontra aqui terreno fértil. É necessário atravessar a complexidade da experiência, matéria e maneira. Aí está uma possível inadequação de base do filme ao “seu tempo” impaciente.

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As nuances de planos médios são exploradas valorizando cada elemento da encenação: quem está de costas, quem está de frente, quem se movimenta, como se mostram os corpos, como estão dispostos os objetos cênicos… A escala média, formulada por Mascaro e o fotógrafo Diego Garcia, é a grandeza de plano da comunhão – espaço da relação dentro do campo, onde cabe mais de um. O quadro, aqui, calmamente acolhe.

Num filme prioritariamente de internas, a paisagem desta distopia próxima é frequentemente dada pelos objetos e pelas ambientações sonora e luminosa. Tanto as luzes neon saturadas como as ambientações dos drones sonoros sintetizados são formas decisivas na constituição do estado do filme. Sua matéria é claramente artificial, inorgânica; entretanto, o investimento em suas gradações, acompanhando o peso dramático das cenas, naturaliza seu estranhamento. Os diálogos, por exemplo, parecem sutilmente dublados, neste notável trabalho sonoro de Roberto Espinoza. Mas é difícil dizer se é a mixagem que os separa dos sons ambientes, ou se eles foram gravados posteriormente. Esse recurso, usado também em Ventos de Agosto, encontra aqui um ambiente onde se potencializa. O efeito é que ouvimos os personagens com muita clareza e proximidade, e a transparência, a aparente supressão da mediação, se torna aqui matéria de estranhamento, pois esta distribuição dos sons é incomum para nosso registro atual, lembrando o desenho de som que dominava o cinema brasileiro do século passado, no qual a dublagem era a regra da ficção, eram baixos os sons do ambiente. O ruído da translucidez afeta nossa relação de empatia com a condutora do filme

A escolha de um perfil de classe média para o casal de protagonistas intensifica esse efeito de curto-circuito na representação – e no processo de des/identificação – na medida em que o preconceito contra evangélicos é ainda hoje uma carta branca através da qual boa parte dos potenciais espectadores de um filme autoral brasileiro pode despejar seu ódio de classe e seu racismo livremente. Consciente deste jogo, o filme parece especialmente direcionado a um possível autodeslocamento gradativo que esse espectador imaginado possa ter, através da confusão das distâncias pré-fabricadas entre tais experiências, onde estes personagens parecem estranhos iguais.

O gesto final de Divino Amor se dá com a revelação de quem o narra. Desde a primeira cena, uma voz de criança que não sabemos quem é funciona como narradora da história. O filme faz da tão falada “voz de Deus”, convenção da crítica e teoria do documentário, uma espécie de gag formal escondida, na medida em que é Deus mesmo que está narrando o filme desde o início, fazendo do filme um misterioso flashback, já que o narrador só nasce nas últimas cenas do filme.

A questão, portanto, é pegar a convenção, a caricatura, ou um sistema, e trabalhá-lo por dentro, testando seus elementos através de jogos de distâncias e durações. Joana é alguém que testa o sistema radicalizando seu princípio, e experimentando o limite desta doutrina, formada aqui por uma fusão indistinta entre neoliberalismo burocrático, cristianismo e biopolítica. Divino Amor assim copula vorazmente com materiais culturais ao seu redor. Ao radicalizar a premissa, encontra do outro lado um melodrama que revê a comédia erótica brasileira, vulgo pornochanchada, tocando com uma mão o cinema independente brasileiro e com a outra as moneychanchadas e afins. A narratividade do melodrama é fundamental como material de base porque é preciso sabotar a mercadoria compreendendo seu jogo e dobrando-a sobre si mesma, como ensinou Warhol e sua moral opaca. Questão de prática, questão de ato.

Em Divino Amor, o nascimento do menino Jesus torna-se um espetáculo gore, onde a ideia de artificial se dobra: da trucagem do plano em movimento e da própria noção de parto “não natural” ao acompanhamento dos sintetizadores intensamente à altura da grandeza do acontecimento. A moldura transparente melodramática é novamente suporte para variação de gêneros nos filmes de Mascaro: ficção cientifica, pornochanchada, alegoria política e perfomance conceitual formam sua carne impura. Como em Boi Neon, o diretor retoma uma das figuras fundamentais da formação da sociedade brasileira – a criança sem pai – e de novo realiza um filme que termina fabulando sobre o que virá, num melodrama em contraluz, filtrado por véus o exterior.

O efeito de Divino Amor sobre as obras anteriores de Mascaro dá nitidez a um projeto de cinema que soube manejar a ansiedade do circuito de festivais, dando o que ele pede, mas sabendo que desenvolvimento artístico envolve necessariamente risco, experimentação e erro – portanto, crença. Não que seja uma obra somente de acertos, mas é possível perceber a persistência na pesquisa de dispositivos de olhar que encontra sua maior sofisticação quando incorpora a gramática supostamente mais tradicional, menos “atualizada”.

Afinal, se o pensamento político hoje se enraizou “naquilo que é”, o sétimo longa de Gabriel Mascaro toma por missão imaginar um “vir a ser” que difere (do) e se assemelha (ao) nosso momento histórico, de modo que o fertiliza. Pensar é essencialmente praticar swing, explorar o corpo das idéias, dos signos, experimentando a impropriedade dos seus fluidos e cavidades para encontrar outras e inesperadas excitações. É examinar a vida das flores azuis. Politizar a imaginação é gestar metodologias de prazer e fomentar sua proliferação infinita e seu tesão por tudo que ainda não é. Os mitos, os tons, os sons, as caricaturas, tudo está grávido de seu uso futuro, das práticas de seus avessos. O ambidestro moralismo da legibilidade imediata, coração do necroliberalismo informacional, encontrará dificuldade diante desta discreta bomba de gás neon. Amém.


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