treta juliano formalista com tag modelocinetica leve

Seriam os informais formalistas?

A série iniciada aqui por Ingá e continuada por Victor me fez parar pra pensar sobre o que se convém chamar de “militância” e as suas relações com fazer filme.

Procurei o que seria:

Fui catar esse latim do final:

É impressionante como, em 2020, quase tudo vira igreja ou, digamos assim, “igrejante”. Não imaginava encontrar isso aqui.

Existe fé inativa? Como faz? Que forma tem?

Essa atividade seria um sinônimo pra organização?

Outra: dá pra ser militante do pecado, ou essa é uma ideia eternamente ligada à salvação?

(O odor de cristianismo dificulta respirar: salvação, culpa, expiação, purificação.)

O aplicativo de entrega tem dono. Que não quer aparecer. Produz imagens para não aparecer (“ver pra esquecer”, fórmula do Fantasmas, do André Novais Oliveira, de 2010).

As imagens têm dono?

E, se têm, é pra obedecer?

Vem o gerente e diz:

– O dono falou que o significado da imagem é esse aqui, ó.

– Mas tô olhando e vendo outra coisa. O contrário, eu diria.

– É melhor não arrumar problema com o dono, eles têm amigo pra cacete…

– Cara, mas olha aqui, olha você.

– Não recebo pra olhar, sim pra obedecer, e o dono falou que a intenção dele é aquela, portanto o significado é esse aí mermo, companheiro. A propriedade é dele, tá no registro.

Não localizei o dono das imagens usadas no canal de vídeos “Treta no Trampo”.

Notei que, em boa parte das imagens, quem aparece no quadro não vem com nome acompanhado.

Suponho que o patrão aprecia visibilidade, precisa de reconhecimento para punir e vigiar.

(Ontem vi um vídeo no zap do menor levando méri dentro da máscara. Explanando. Deve estar rodando em alta no grupo da PM agora)

Visibilidade é mesmo salvação? Quem canonizou essa santa?

Arthur Jafa falou com a bell hooks outro dia: sempre que uma câmera aponta para um corpo negro, é o olhar branco que trabalha. Porque aquilo pode ser usado juridicamente como evidência.

Além dos nomes, os formatos de imagem mudam. O retângulo horizontal no centro deixa uma maioria negra na área no quadro.

Essa maioria fala.

Há um desajuste entre estas imagens, possivelmente produzidas em câmeras acopladas a telefones, e a janela que as corporações oferecem “de graça” pra elas na plataforma de exibição de vídeo. A adaptação do vídeo vertical à janela horizontal é uma inadaptação. Desvio de finalidade. A informação se torna minoria no quadro. A relação “fundo-figura” se complica, porque a pintura não bate com a moldura.

A janela não é de graça. Paga-se com visibilidade, para futuro reconhecimento. O produto somos nozes. Isto é: visibilidade como capital. Reconhecimento facial, entre outros.

Será que quem montou o filme queria que a imagem fosse cercada por retângulos pretos e não obedecesse à tela do telefone que uso? Fico girando e não encaixa nunca.

O fabricante queria isso?

Que causa o dono ou o fabricante defende ativamente?

Chuto uma resposta: a desmobilização, a não organização do informal.

“Defender ativamente” é sinônimo de “aparecer defendendo ativamente”?

A economia parece ser: o informal aparece, o dono não.

(Na saída da fábrica dos Irmãos Lumière, os trabalhadores trabalham duas vezes. Na fábrica dos Lumière e depois, na saída, tendo que fazer três takes. O donos Lumière querem que os trabalhadores apareçam).

A organização dos informais é um desvio de finalidade em relação à intenção do dono.

Não foi visível o começo da organização dos entregadores aqui.

Talvez seja possível organizar ativamente sem aparecer, ativar em segredo, trabalhar o segredo.

Quem defende ativamente hegemonias não aparece.

(Li ontem na rede: “todo silêncio é culpado nessa hora.”)

Os vídeos do Treta no Trampo enfatizam uma coletividade sem nome pessoal.

Uma imagem que é, em sua maior parte, preto, fala. A heterogeneidade das linhas do material bruto fala, a variação das compressões também.

Cada trecho tem um batimento diferente, uma quantidade diferente de fotogramas por segundo, uma velocidade diferente. Variam também o som, as texturas.

Em filme, quando se descreve assim, se diz: “este é um filme formalista“.

Seriam, então, os informais formalistas?

Os vídeos que vi defendem esta causa ativamente: nunca sei como será o plano seguinte, se é vertical, se é movimento, se tem som, cartela, se é cheio de ruído ou de resolução.

(Quando dizem “não repara na zona”, sempre reparo, como brada o meme.)

A propaganda do dono não é “formalista”. Preto e branco equilibrado, no registro que se convencionou chamar de “híbrido” (nem doc nem fic). O modo de construção – que Ingá analisou – é transparente. A publicidade quer: a atividade invisível da forma mais a consciência do conteúdo que o dono quer que não esqueça.

Portanto: quem se interessa por uma mediação transparente, por uma imagem obediente, sem corpo, “só conteúdo” – o proprietário ou o informal?

O necrocapitalismo do bico e do feed age pelo estilo e pela forma do discurso. Na maioria das vezes, diz não dizendo. Entendeu e sofisticou a efetividade do não dito. A publicidade estuda.

Assim também faz o bolsolavismo brasileiro: radicalmente formalista, trocando palavras, incorporando discurso do outro, operando por uma performatividade radical, conceitual, cheia de necrogags, enquanto o conteúdo da sua agenda não é “o que aparece”.

O cinema militante, que se insurge contra isso, observa a organização dos proprietários e organiza sua aparição e sua desaparição. Sua atividade não é sinônimo de evidência. A forma do seus silêncios é tática de luta, figura de estilo e de modo. Não obedece a ninguém. O desafio do desvio é olhar sem dono, ficar na atividade.


Leia Também: