Desde 2006, a Cinética já teve algumas caras, alguns layouts diferentes, uma gama de pessoas colaborando na redação, textos mais curtos, mais longos, ênfases variadas. A revista nunca parou. Num contexto radicalmente novo, onde o que temos chamado de “cinema” passa por metamorfoses radicais, é preciso que uma revista de crítica de cinema busque se movimentar também.
O debate sobre homogeneização perspectiva ganha força nos últimos anos e oferece novos problemas, que têm relação intrínseca com nosso trabalho. Homogeneização dos repertórios, dos corpos, das ferramentas, entre outras, são um obstáculo hoje ainda mais nítido. Neste sentido, uma questão que daí se desdobra é a da formação. Se, num momento anterior, o caminho que conduzia alguém com interesse em cinema para a prática da crítica parecia “natural”, hoje, sabemos que não é. Portanto, é necessário produzir ações que atuem sobre esse funil e refletir sobre ele. É preciso consolidar uma movimentação no sentido de diminuir as uniformidades dessa nova revista em formação e, de fato, encará-la como espaço de formação, tanto para quem chega, quanto para quem já estava aqui. Diante dessas mudanças evidentes, nosso primeiro gesto foi o de formar uma editoria coletiva: Juliano Gomes, Ingá Maria e Victor Guimarães se juntaram a Raul Arthuso na função de editar a Cinética.
No fim do ano passado, no compasso de muitas conversas, chegamos à conclusão de que o trabalho de edição concentrado na figura de um único editor já não era mais o arranjo ideal para dar conta dos desejos de nossa redação. Mais do que uma adição de nomes, no entanto, nos interessou, como grupo, buscar novos métodos e fazer fluir outros processos. Na revista e fora dela, notamos uma certa predominância de um modelo de “pluralidades” que não se tornam coletividades, que não se alteram nem se contagiam, ao gosto do individualismo e narcisismo necroliberais. Neste sentido, a redação, que também já não era mais a mesma de antes, com novas críticas e críticos, em sua maioria de uma geração mais jovem, nos ofereceu uma oportunidade para experimentarmos perspectivas de trabalho que andavam adormecidas nos últimos anos da Cinética. Para dar vida a um novo grupo, é preciso trocar e praticar o “fazer junto”.
No dia-a-dia, começamos a perceber que o “nós” que parecia nos definir até ontem já não era mais tão uniforme. Decidimos então encarar mais frontalmente as heterogeneidades e experimentar um outro comum. A composição atual da editoria responde ao início de uma reorganização interna que tenta dar forma para esse movimento conjunto, que só se consumará na experiência e na prática. Para isso, colaboradores que o desejem, exercerão e idealizarão outras funções além da produção de textos. Ocuparão as frentes que já existem, aquelas adormecidas e as que ainda estão para nascer. Nos interessam, especialmente, outras possibilidades de intervenção crítica: textos coletivos, vídeo-ensaios, podcasts, estudos em grupo, talvez um pouco no espírito do início da revista. Também contamos com a retomada das pautas, que serão uma ocasião privilegiada para criar em comunidade e relação. Hoje, nossos esforços miram a possibilidade de olhares que se direcionem ao desconhecido e se contaminem pela diferença, mesmo em tempo de distanciamento espacial.
A decisão de reformular a revista acontece numa época em que certas perguntas elementares, questões de base, ressurgem para o cinema brasileiro. Longe de dar conta de respondê-las, tentamos chegar perto o suficiente para saber com quais delas nos moveremos a cada passo. Ativando esse fio contingencial que nos reúne diante da Cinética e da crítica, nos deparamos com o desafio-desejo de forjar uma coletividade permeável, aberta e viva. Num terreno múltiplo e cindido no qual “nós” se tornou palavra árdua de dizer, essa tarefa é de base, mas também de partida.
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