banner sinfonia mariana LIMA modelocinetica 2020

Sinfonia do conjunto

um

dois

três

quatro:

(caminho percorrido por @vovodorap, @dedezinhodobem, @gusmuniz1 e @peedromarshall)

O quadro acima foi retirado do quarto passo de uma sem-fim correspondência. O recurso utilizado pelas pessoas que compõem a peça, que gera o efeito criador-coletivo, é facilitado pelo uso de uma ferramenta do aplicativo Tiktok. A ferramenta permite que as usuárias adicionem seu próprio vídeo a um vídeo pré-existente, mantendo o áudio do primeiro material. Os remixes com o áudio inaugural de Dezeri Xavier entoando os versos de Hungria Hip Hop se estenderam de modo quase incalculável. A composição catada para fabricar estas palavras foi a que mais gerou encantamento do lado de cá.

Há uma espécie de movimento que aponta para a abolição do corte final. E não é em qualquer solo que esse movimento emerge. É, aliás, em uma terra onde o “solo” já era. Já não se sabe muito bem como pisar o chão, e muito menos deseja-se pisá-lo sozinha. É a partir do dueto que esse encontro acontece.

 

rastro vestigio mari lima

Não há centralidade nesta obra, qualquer hierarquia entre as quatro imagens formadoras do quadro se dissipa. O primeiro vídeo, que de certa forma gesta o que é criado em seguida, não se encontra no centro. Não há centralidade, ao mesmo tempo em que a tela não se divide de maneira igual. Um dos corpos dança, demandando mais espaço, a outra metade do quadro é partilhada entre as demais partes. A toada de Dezeri é o indicador da duração – 13 segundos – e do ritmo, Dedé, Gus e Pedro esperam, ouvidos atentos, o momento da entrada no jogo da canção. Não se trata de imperativo, mas de um convite acolhido – de novo desviando da centralidade ou do guião vindo de um canto só. A duetagem e a costura tiktokeanas são forças lançadoras de convites, fundadoras de continuidades, entusiastas das aberturas infecháveis. O solo já era, cantar agora só em coro.

Não se pede licença para criar por cima, ao lado, por entre o vídeo uma da outra. A pequena comunidade que ocupa a imagem retalhada não é, e nunca será, uma unidade. O solo já era, tocar agora só em concerto. Na etimologia, “concerto” deriva de dois lugares, concertatum, “disputar, combater, discordar”, e consertum, “entrelaçado, junto”, uma palavra, e uma prática, nascidas da contradição. O dueto, e suas operações criadoras de novas formas, parecem apontar para um enlaçamento combatente. Algo como um “lutar com”, num embate que pode ser tanto “contra” quanto “junto, ao mesmo tempo. Um combate que acontece por dentro e para fora, simultaneamente.

Por dentro, já que não se sabe, ou não interessa saber, se Dezeri desejava que fosse acrescentado a seu vídeo um beat ou um passinho. Existem casos nos quais a dissidência com o tom ou desejo inicial do material disparador dos duetos é mais explícita. Como quando @lucasranngel ironiza com o rei do cringe, Mário Jr. (@lzmaario), respondendo debochadamente a seus diálogos, ou quando esculhamba com o depoimento de uma criança mostrando a rotina de sua sinistra boneca.

Outro modo de romper na duetagem: não havendo a possibilidade de não-curtir no menu de reações do aplicativo, cria-se também a artimanha de duetar discordando escrachadamente do vídeo disparador, e pedindo pela curtida como uma anti-curtida ao primeiro tiktok. Todo dueto é um duelo.

figura 2 mari lima

A luta para fora se desenha como pista contra as formas já muito pisadas de tentativas de construção coletiva de modos de expressão em imagem e som. O tempo fecha quando os pilantra vê nós passar no bonde. Talvez os pilantras da hegemonia não queiram admitir que a força inventiva, coletiva, remixada das imagens não-cinema estejam moendo tudo – autoria, continuidade, acesso – em bonde, em bando.


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