bloco de mostra
Notas e dicas da programação
da Mostra de SP
Repescagem - dicas
por Eduardo Valente
Uma semana a mais de programação pode ser uma
faca de dois gumes. Para alguns, o cansaço já não
permite mais nem cogitar ir ao cinema, para outros fica a tristeza
pelo filme perdido não programado. Mas, vamos aqui tentar
ser o mais direto possível para passar para o espectador
que ainda está com disposição o que há
de melhor nesta "última chance":
SEXTA, 03/11
Não dá para perder - Os Diários
de David Perlov, um dos Destaques da Mostra segundo o Prêmio
da Crítica Independente. Passam no Bombril 2, consecutivamente
(14h00, 16h10, 18h20), mas quem não puder ver todos, pelo
menos passar por uma das sessões pode ser valioso.
Atenção também para - Sexta é
o dia mais rico da repescagem, talvez por ser o primeiro dia após
a Mostra, então mais cópias estão disponíveis.
Vale destacar as últimas exibições de A
China está Próxima, de Marco Bellocchio (Bombril
1, 13h00), Cabiria (Sesc, 16h30) e a dobradinha A Bela
da Tarde e Belle Toujours (Sesc, 13h00 e 15h00) - embora
a cópia do primeiro não seja das melhores, e o segundo
vá estrear depois. Vale ainda checar os dois filmes do
italiano Vittorio de Seta, o clássico Banditi a Orgosolo
(Bombril 1, 19h20) e o recente Cartas do Saara (Bombril
1, 21h20).
Evite a qualquer custo - O tétrico A Sensação
de Ver (Bombril 1, 16h50).
SÁBADO, 04/11
Não dá para perder - O outro Destaque
da Mostra segundo o Prêmio da Crítica Independente:
o seminal De Punhos Cerrados,
de Marco Bellocchio (Sesc, 13h00).
Atenção também para - Sábado
é dia de viagem intensiva ao passado. No Sesc, o dia todo
de cinema italiano dos anos 60 e 70, com destaque para (além
do acima citado) Este Crime Chamado Justiça, de
Dino Risi (19h00) e Investigação sobre um Cidadão
Acima de Qualquer Suspeita, de Elio Petri (23h20). No Bombril
2, dia todo de Joaquim Pedro de Andrade - destaque para os menos
conhecidos curtas (14h00) e Guerra Conjugal (23h40). No
Bombril 1, vale a máxima de que o criminoso sempre volta
ao local do crime: por isso, exatamente uma semana depois de Still
Life ter sido assassinado
nesta sala por uma projeção bisonha, a Mostra desafia
as probabilidades e manda o filme para lá de novo (20h50).
Vale o risco? Talvez, mas por sua conta! Pelo menos a cópia
de Dong, que passa antes (19h20), está bem melhor.
Só que dependendo do projecionista...
Evite a qualquer custo - Começar o dia no Bombril
1. Entre Makhmalbaf passando a limpo relações homem/mulher
(O Grito das Formigas, 13h00) e os filmes espanhóis
Azuloscurocasinegro (14h50) e Princesas (17h00),
melhor ficar com Joaquim Pedro, italianos antigos, ou dormir até
mais tarde mesmo.
DOMINGO, 05/11
Não dá para perder - O programa do
dia é duplo: no fim da tarde, o belo e singelo
Fica Comigo, de Eric Khoo, se despedindo dos cinemas
brasileiros (Sesc, 17h00); e no fim da noite, o mais que impactante
Só Resta Esquecer, de Damiano Damiani, fechando
com chave de ouro o feriadão prolongado (Bombril 2, 22h40).
Atenção também para - Outros italianos
retrospectados chamam a atenção no Bombril 2: o
melhor Bertolucci de Antes da Revolução (16h20
- por que cismam em chamar o filme na Mostra pelo título
italiano, se ele foi lançado no Brasil???); o pouco conhecido
Ettore Scola de Trevico-Torino (18h30); e o raro Monicelli
de Un Borghese Piccolo Piccolo (20h30). Entre os filmes
novos, destaque somente para Os Estados Unidos Contra John
Lennon (13h00) e Honor de Cavaleria (17h00), ambos
no Bombril 1.
Evite a qualquer custo - A dobradinha com que o CineSesc
se despede da Mostra é dose para elefante: o italiano Amigo
da Família (18h50) concorreu em Cannes este ano (e
foi muito ridicularizado por isso), e como se não bastasse
o que já ouvimos de ruim sobre A Vida Secreta das Palavras
(21h00), ele ainda estréia em circuito logo logo. Até
o ano que vem, Sesc!!
SEGUNDA, 06/11
Não dá para perder - A partir deste
dia, a Mostra fica só no Bombril. Com um pouco de sorte,
dá para correr de uma sala para outra depois de Sonhos
de Peixe (sala 1, 16h30) e pegar a conversa
de Manoel de Oliveira e Agustina Bessa-Luis ainda no começo
(sala 2, 18h20).
Atenção também para - Para os que
tenham a hora do almoço livre, vale prestar atenção
nos documentários Zona de Conflito (13h00) e Nossa,
Eu Filmei Isso! (14h40). O segundo fica ainda mais apetitoso
depois da passagem dos Beastie Boys pelo Brasil na semana passada.
Evite a qualquer custo - Sinceramente? Todo o resto da
programação que não os quatro filme acima.
De fato, de segunda em diante é bem fácil acompanhar
a repescagem...
TERÇA, 07/11
Não dá para perder - Nada. Dá
para perder tudo. Bom dia para rever a família, os amigos,
ir ao teatro, ouvir uma musiquinha... Ou se for ao cinema, vá
no circuito! Quer fingir que ainda é a Mostra? Veja A
Última Noite ou O Ano em que Meus Pais Saíram
de Férias!
Atenção também para - Para os fanáticos
por imagens antigas do cinema, vale passar o dia (ou parte dele)
no Bombril 2 vendo a série A Guerra Filmada (sobre
a Guerra Civil espanhola). Os outros filmes são todos apostas
arriscadas, exceto...
Evite a qualquer custo - Babel
(Bombril 1, 13h00) e The Bridge
(Bombril 1, 22h00), que são um horror mesmo. O primeiro,
se vcê quer mesmo ver, espere estrear para sua campanha
ao Oscar (depois de Crash...). O segundo, bom... ai ai.
QUARTA, 08/11
Não dá para perder - Idem ao dia
anterior. Mas, como é quarta, bom dia para ver futebol
na TV de noite, ou ver filme mais barato no circuito!
Atenção também para - Para que arriscar?
Vá logo ver o documentário
sobre John Ford e John Wayne no Bombril 1 (18h00). Nem chega
a ser cinema (é um programa de TV), mas pelo menos interessa.
Evite a qualquer custo - Pelo que nos conta Cléber
Eduardo, Infância Roubada
(21h50) faz jus ao nome, e é uma senhora roubada. Eu não
pretendo descobrir...
QUINTA, 09/11
Não dá para perder - Finalmente
um outro filme bom: não fui o único que se surpreendeu
com o vigor do novo filme de Sokurov, cineasta que eu já
dava como favas contadas. Mas, O
Sol (Bombril 1, 21h10) é um belíssimo filme.
Ainda que esteja cheio de legenda em português, portanto
com estréia provável nas telas, vale se garantir
e fechar a Mostra com grande cinema.
Atenção também para - Nossos críticos
foram unânimes em considerar Esboços
por Frank Gehry (Bombril 2, 14h00) um tanto careta, mas
ainda assim bem interessante. Já Eu Sou Aquele que Traz
Flores para o Túmulo Dela (Bombril 2, 17h50) é
um daqueles filmes cuja sinopse me intrigou, mas que infelizmente
não consegui programar durante a Mostra. Como eu já
estarei de volta em casa, quem quiser ir conferir aproveite para
contar se o filme era bom...
Evite a qualquer custo - Nenhum dos outros filmes parece
tão detestável para que recomendemos serem evitados,
ainda que também não sejam grande coisa. O Violino
e Olhe para os Dois Lados até têm seus fãs
- eu se não chego a ser um deles, reconheço que
são minimamente interessantes.
Dia 02/11, Quinta - notas
por Cléber Eduardo
A Mostra responsabilizou a produção de Still
Life, de Jia Zhang-Ke, pela qualidade tosca da cópia em enviada
em DV Cam. No entanto, a trapalhona exibição de Dong,
o ensaio poético e metacinematográfico do mesmo Jia, parcialmente
filmado nas locações de Still Life, foi de total responsabilidade
da Mostra. Como havia acontecido na sessão de Still Life
de sábado, no Bombril 1, o filme passou com a janela errada,
desta vez o tempo todo, deformando o corpo das pessoas, que ficavam
encolhidas da cintura para baixo, como se tivessem pernas pela
metade. Ou há uma falta completa de rigor profissional com os
cuidados mínimos de uma exibição, ainda mais em um evento
cuja programação é preenchida por vários autores de primeira linha,
ou há algo de pessoal contra Jia Zhang Ke. Fato é que o cineasta
foi muito mal tratado em São Paulo. E seus cuidados com a
composição da imagem, como se vê em Dong, no qual podemos
testemunhar a pintura de quadros como preparação para a elaboração
dos planos captados pela câmera, apenas tornam mais lamentável
esse descuido. Ainda bem que, de tão grande a deformação, ele
apareceu nos créditos apenas como “Jia Zhang” (o –ke não coube
na imagem cortada) - quem sabe assim o espectador não acha que
aquele é mesmo o filme do essencial cineasta chinês.
Não custava nada, a título de respeito com quem paga para ver
filmes em perfeitas condições, um pedido de desculpa para os "cinéfilos",
que, ao contrário de muitos profissionais ligados ao cinema,
são amadores com respeito pelas obras e pelo próprio olhar.
Reconhecer erros é sempre digno. Mas, a julgar pela única
manifestação pública oficial da Mostra (em resposta ao blog
da Folha), a postura a se manter é de um cinismo auto-suficiente,
e desrespeitoso com a inteligência alheia.
Dia 02/11, Quinta - dicas
por Eduardo Valente
Com a programação da repescagem disponível
no site da Mostra (que estica
o evento por mais uma semana em algumas das salas), este "último
dia" deixa de ser a última chance para ver alguns
filmes interessantes. Por isso, a urgência absoluta mesmo
fica por conta do que pode ser a última sessão em
cinema de Juventude em Marcha no Brasil (CineSesc, 18h10).
O alarmismo se justifica, porque o filme de Pedro Costa, um dos
grandes marcos do ano, tem pouquíssimas chances de voltar
ao circuito brasileiro.
Também se despedem da Mostra alguns filmes sobre os quais
ouvimos coisas interessantes, e que aproveitaremos para conferir
amanhã: o francês Mudança de Endereço
(Sala UOL, 20h20), que desde Cannes levantou várias comparações
com o cinema de François Truffaut e Eric Rohmer; o chinês
Andando em Má Companhia (Sala UOL, 22h10), ganhador
de prêmios internacionais; e um filme antigo dos irmãos
Taviani (O Prado, 12h30, Arteplex 3), dos poucos desta
mostra retrospectiva do cinema italiano que não serão
reprisados ao longo da próxima semana. Fora estes, vale
conferir alguns brasileiros que podem demorar a chegar ao circuito
comercial, como Fabricando Tom Zé (Arteplex 1, 14h50),
Atos dos Homens (Bombril 1, 14h00), O Passageiro
(Bombril 2, 16h00) e Os 12 Trabalhos (Arteplex 2, 19h30).
Sessão curiosa promete ser a que leva Manoel de Oliveira
para um público popular em sessão ao ar livre, no
vão do MASP, de Um Filme Falado (19h30). Manoel
lidera ainda a carga dos filmes interessantes que passam neste
último dia, mas que reprisam ao longo da repescagem: seu
Belle Toujours (Memorial da América Latina, 18h00)
é um dos destaques indiscutíveis da Mostra. Além
dele, atenção para outros filmes que ainda passam
mais vezes na semana que vem, como: Dong, de Jia Zhang-ke
- o cineasta mais mal tratado pela Mostra (17h50, Arteplex 4);
A China Está Próxima, de Marco Bellochio
(Arteplex 1, 13h00); e Os Estados Unidos Contra John Lennon
(Arteplex 2, 17h30).
Dia 31 e 01/11, Terça e Quarta
- dicas
por Cléber Eduardo e Eduardo
Valente
Últimos dias de Mostra: sinônimo de últimas chances de ver
alguns filmes essenciais (pelo menos enquanto não sai a programação
da repescagem), isso se o cansaço ainda não se abateu corpos e
vistas. Mas, ainda há novidades na programação desses últimos
dias. A maior delas, nessa terça, seria Dong (Arteplex
3, 22h10), que traz Jia Zhang-ke em registro documental. Não temos
conhecimento do estado da cópia, se melhor ou pior que a de Still
Life (que passa – há controvérsias
– pela última vez às 17h30 no Cinesesc), talvez valha a pena dar
uma arriscada – ou melhor, arriscar sempre vale, só não dá para
saber se vale ficar até o final. O cineasta chinês, afinal, é
dos grandes do momento, o que significa tanto que ele vale o sacrifício
de ir à sala sem certeza da qualidade, mas também o respeito de
se recusar a ver algo menos do que o que ele criou. Terça também
marca a estréia na Mostra de um segundo filme de Marco Belocchio
na programação (A China Esta Próxima, Arteplex 4, 19h).
Já que os festivais não nos trouxeram o último Bellochio, exibido
em Cannes, vejamos pelo menos seus filmes iniciais.
Se o leitor ainda não viveu a experiência (ou
até se viveu), terça é dia ainda de ir se “despedindo” do especialíssimo
Juventude em Marcha, de Pedro Costa (Sala UOL, 21h10),
no qual a composição rigorosa, linda mesmo, é um alento para a
dinâmica ralentada, com câmera e corpos fixos. A programação da
UOL neste dia talvez até faça valer um dia fora do circuito tradicional
da Paulista-Augusta, pois passam por lá ainda Notícias
do Lar/Notícias da Casa (15h40) e Acidente
(17h40), ambos incomuns e sem previsão de estréia. Também fora
do circuito tradicional da Mostra, há ainda as duas primeiras
partes dos Diários, de David Perlov (Olido, 19h00), que
dessa vez passam em três dias consecutivos na mesma sala, dando
mais tempo de respiro entre eles. Já na parte dos filmes com estréias
posteriores prometidas, é hora de quem não quiser esperar para
ver depois As Leis de Família,
do argentino Daniel Burman (13h30, Cinesesc). Essa comédia afetuosa
mostra que o filme anterior do diretor, Abraço Partido,
era uma empreitada menor em um formato agora melhor desenvolvido.
Na quarta, é dia de se agarrar Serras
da Desordem (Arteplex 1, 15h10), obra imponente do brasileiro
Andrea Tonacci ainda sem previsão de estréia. O filme, em matéria
de complexidade narrativa, não encontra pares entre os concorrentes
brasileiros – e encontra poucos entre os estrangeiros. Há quem
o veja como documentário, mas, se levarmos em conta o médoto de
realização, é uma ficção baseada em "situações acontecidas",
com personagens vividos por quem viveu essas experiências. Também
é mais um dia de se ver o documentário de Jia Zhang-ke, Dong
(Unibanco 3, 21h30), que talvez nunca mais volte a ser exibido
no Brasil; e o compradíssimo (mas essencial) Belle Toujours,
de Manoel de Oliveira (Reserva Cultural, 18h30). Ambos passam
mais uma vez, na quinta – o que não será o caso de outros filmes
já destacados neste espaço, e que se despedem oficialmente da
Mostra nesta quarta. É hora de dizer adeus a alguns não comprados
para distribuição (pelo menos ainda), como Flutuando,
de Boris Khlebnikov (Bombril 1, 14h00) e Eu
Não Quero Dormir Sozinho (Bombril 1, 22h30); ou até logo
para os que ainda saem nas nossas salas (embora não saibamos quando),
como Antonia, de Tata Amaral
(Arteplex 3, 14h40); Proibido
Proibir, de Jorge Durán (Bombril1 , 20h20); e O
Sol, de Alexandr Sokurov (Sala UOL, 21h50). Já para quem
ainda tem disposição para apostas e filmes não “confirmados”,
mas aparentemente interessantes, recomendamos colocar as fichas
em Andando em Má Companhia, filme de estréia de Han Jie
(Cinemateca, 14h00), ganhador do prêmio principal em Roterdã;
ou em Um Pouco Menor do que o Indiana, de Daniel Blaufuks
(Sala UOL, 14h00), pelo interesse no cinema português.
Dia 30, Segunda - dicas
por Cléber Eduardo e Eduardo
Valente
Hoje seria dia de três preciosidades da programação, mas uma
delas está sob suspeita. Still Life (Espaço Unibanco 3,
19h40), do Jia Zhang-ke, foi exibido no sábado, no Cine Bombril,
em projeção tosca, com a janela de exibição errada até metade
do filme, com as cores e as formas completamente deformadas, com
falhas de som e algumas "efeitos estranhos em alguns momentos",
que davam a impressão de o filme estar se desintegrando. Na sessão
de domingo, no Arteplex 1, a situação foi um pouco melhor, segundo
relatos de amigos da Contracampo e da Paisá, mas nosso colaborador
Pedro Butcher, que lá estava, confirmou vários dos problemas testemunhados
no sábado. Como é um filme importante, que não se sabe quando
e se será lançado, é um risco a se correr, mas tendo a consciência
de que, entre a obra realizada por Jia e as imagens exibidas,
existe um grande abismo estético.
Sem esses problemas técnicos, Síndromes
e um Século (Bombril 1, 18h10), do tailandês Apichatpong
Weerasethakul, é, com Juventude em Marcha (Arteplex 2,
21h), do português Pedro Costa, a grande pedida da segunda pós-eleição.
Os dois filmes são ao mesmo tempo os mais incomuns e os mais impressionantes
dessa edição da Mostra (talvez só comparáveis a Belle
Toujours, de Manoel de Oliveira, e Serras
da Desordem, do brasileiro Andrea Tonacci). Essas são
eleições pessoais, que podem encontrar discordâncias aqui mesmo
na Cinética, mas certamente discordâncias apenas parciais. O filme
de Weerasethakul prima, digamos, pela liberdade quase alienígena.
Nenhuma previsibilidade estética, narrativa ou de qualquer ordem.
É uma delícia para quem não espera cartesianismo do cinema – e
tem sua última de duas exibições nesta segunda! O de Pedro Costa
distingue-se, no mínimo, pelo rigor na relação com o espaço, assim
como pela estrutura temporal. É de fruição muito particular, mas,
se o espectador topar o projeto proposta, a recompensa é quase
inevitável - tanto que os três editores de Cinética
(Cléber Eduardo, Eduardo
Valente e Felipe Bragança)
quiseram escrever sobre o filme. E o melhor: nesta segunda podemos
ver (ou rever) os dois em sessões consecutivas.
Perante estes dois monstros do cinema, todas as outras dicas são
menores, mas há que se notar que existem opções, especialmente
para o começo do dia (portanto, passíveis de serem combinadas
com a sessão dupla proposta acima): Antonia
(Arteplex, 14h50) de Tata Amaral, já destacado aqui, merece
atenção. Está entre quatro ou cinco bons filmes brasileiros na
Mostra e, com todas as restrições que tenho em relação a ele,
certamente oferta uma força e uma autenticidade impressionantes.
Entre os brasileiros, há ainda Cartola
(Cinesesc. 13h30), de Lirio Ferreira, que ganhou elogio em Cinética.
Para a primeira sessão do dia, o espectador pode ainda optar pela
ternura clássica de Eliseo Subiela e seu Lifting
de Corazón (Arteplex 1, 13h00) ou o cinema do italiano
Dino Risi, com Venha Dormir Lá em Casa esta Noite (Cinemateca,
14h00). Entre os filmes que ainda nos são incógnitas (mas que
esperamos comentar por aqui logo), quem digere sem congestão o
cinema recente de Alexander Sukurov pode encarar O Sol
(Bombril 1, 14h).
Para as sessões noturnas, não são poucos os colegas
de crítica que têm se fascinado com Hamaca
Paraguaya (Arteplex 3, 20h10), de Paz Encina, entre os
quais nosso crítico Leonardo Mecchi. Há ainda o “filme do Daft
Punk”, Eletroma (CineSesc, 22h10), que suscitou diferentes
reações no Rio, mas que ainda não vimos. E, para quem gosta de
ficar em dia com os festivais internacionais, atenção a dois egressos
de Cannes: da Quinzena dos Realizadores, passa Dia Noite, Dia
Noite (Bombril 1, 20h20), melhor como proposta que como realização,
mas que vale a olhada; enquanto da Semana da Crítica vem Komma
(Arteplex 2, 17h00).
Dias 28 e 29, Sábado e Domingo
- dicas
por Cléber Eduardo e Eduardo
Valente
Antes, as desculpas ao leitor fiel deste espaço: como a vida
(graças a Deus) não é só feita de cinema, o editor-formatador
da revista teve que se ausentar de SP no fim de semana por outras
obrigações artísticas (o show de Devendra Banhart no TIM Festival)
e cívicas (um tal de segundo turno, sendo ele carioca de domicílio).
Por isso, um certo atraso na atualização desta seção, que vem
ainda em dose dupla para o fim de semana, porque domingo não teremos
atualização (dia de voltar a SP!).
Mas, o fato é que a programação da Mostra adquire
outro peso neste fim de semana. Bastaria a primeira sessão de
Still Life (sábado, Bombril 1, 21h20), do chinês Jia Zhang
Ke, Leão de Ouro em Veneza, para já começarmos a salivar. Independente
do Leão de Ouro em Veneza (que em anos anteriores foi dado a filmes
desprezíveis) a questão aqui é que os filmes anteriores do diretor
(Prazeres Desconhecidos, Plataforma, O Mundo
– dos três só o segundo lançado comercialmente no Brasil), o inserem
decididamente como um dos principais nomes do cinema mundial hoje.
Como também é o caso do tailandês Apichatpong Weerasethakul, que
estréia no domingo o seu filme mais recente, Síndromes e Um
Século (19h00, Arteplex 1), depois dos essenciais Eternamente
Sua e Mal dos Trópicos (ambos só exibidos nos festivais
brasileiros, o primeiro só no Rio). São cineastas que justificam
sozinhos um festival de cinema, e pelos quais estaríamos mais
do que satisfeitos de pagar o ingresso quantas vezes for necessário:
não há nenhum absurdo em pegar ingressos para as cinco sessões
dos filmes (Still Life passa de novo no domingo: 15h10,
Arteplex 2), porque não sabemos quando e se serão lançados,
tampouco podemos garantir que, se lançados, entram em cartaz com
sua cópia em película. Como ver qualquer fotograma de Jia Zhang-ke
ou Apichatpong em digital tosco é um atentado estético, melhor
mergulhar nos filmes em cada uma das sessões. A estréia dos dois
filmes empalidece até a chegada do novo filme de Alexander Sokurov,
O Sol (domingo, Espaço Unibanco 1, 19h50), uma vez que
esta se dá na mesma hora que Apichatpong (dá-lhe, programadores!!).
Como Sokurov certamente já nos decepcionou bem mais do que os
dois asiáticos, deixamos para conferi-lo mais à frente.
Porém há muito mais para ver no final de semana:
não custa reforçar o destaque para a segunda sessão dupla, no
sábado, de Belle Toujours
(Bombril 1, 16h10) e para o bate papo de Manoel de Oliveira e
a escritora Agustina Bessa Luiz em
Conversas no Porto
(Bombril 1, 17h40), de Daniele Segre. Como já esperávamos, o filme
de Manoel é brilhante (ou quase isso): Oliveira aproxima-se do
filme de Buñuel, A Bela da Tarde, mas apenas para, digamos,
manter-se autonômo em relação a ele, sem intervenção na obra original.
Um filme sobre quase nada, basicamente sobre como organizar uma
cena, com simplicidade, com prazer por essa organização, com desejo
de filmar sem convenções. Estão no filme alguns dos momentos mais
criativos do "fazer cinematográfico" dessa Mostra. A
surpresa da rodada dupla, portanto, é Conversas no Porto,
um encontro do diretor com a escritora, delicioso de se acompanhar,
com pérolas verbais aos montes e tão mais gostoso porque os dois
se permitem mostrar inclusive várias limitações e contradições
nos seus discursos. É bom ter os ídolos em dimensão humana e falível.
Alguns dos nossos temas preferidos nas dicas anteriores
voltam à carga no fim de semana: entre os italianos, há as últimas
exibições das obras-primas de Marco Bellochio (De
Punhos Cerrados, sábado, Artplex 4, 13h00) e Damiano
Damiani (Só Resta Esquecer, domingo, 19h00, Arteplex 4);
e daquele que talvez seja o filme mais forte de Bernardo Bertolucci,
Antes da Revolução (sábado, Olido, 15h00). Além dos essenciais
representantes de oposições cronológicas da filmografia do país:
o seminal Cabiria (sábado, CineSesc, 17h40) e o novíssimo
Mundo Novo (domingo, Espaço
Unibanco 3, 19h40 – o horário de 19h00 de domingo tem mais filmes
bons que a primeira semana da Mostra inteira). Entre os brasileiros,
chance de rever a jóia aos jorros de Andrea Tonacci, Serras
da Desordem (sábado, Arteplex 4, 17h30); o belo filme
de Cao Hamburguer,
O Ano em que Meus Pais Saíram
de Férias (sábado, 19h20, Bombril 1); o fortíssimo segundo
filme de Karim Aïnouz, O Céu de Suely
(domingo, Sala UOL, 14h00); ou o terceiro filme de Tata Amaral,
o interessante Antonia (sábado,
Reserva Cultural, 19h00).
Achou pouco? Pois para os almodavarianos, sábado
tem Volver (Arteplex 3, 18h10),
que mesmo na Cinética inspira paixões diferenciadas – enquanto
Marcus Mello o elogia no texto
da cobertura, Cléber Eduardo vê acomodamento do cineasta nesse
filme, com uma repetição de situações estéreis, um esconde-esconde
resolvido no roteiro e com pouca chance para a mise-en-scène.
Confira para decidir onde você se coloca – mas veja se não dá
para fazer a dobradinha com esta que é uma das (poucas) boas surpresas
da Mostra, o russo Flutuando
(sábado, Arteplex 3, 20h30). Finalmente, se o cinema argentino
parece ter dado um refresco para que os brasileiros brilhassem
nos festivais deste ano, um dos poucos belos filmes dos nossos
hermanos passa quase escondido na Mostra, e nesse sábado tem sua
segunda e última sessão: trata-se de As
Leis de Família, de Daniel Burman (Reserva Cultural, 21h30).
Sem dúvida, um programa ideal para um começo de noite de sábado.
Ufa! Cansados? Pois domingo tem ainda eventos
a noite toda na Avenida Paulista, para aqueles que acham que o
cinema só é parte do que importa nesse mundo. A idéia é acordar
bem tarde na segunda, mas com a alma lavada – inclusive pelos
filmes. Até lá.
Dia 27, Sexta - dicas
por Cléber Eduardo e Eduardo
Valente
Abrimos a seção com um pedido/sugestão
ao leitor frequente deste espaço: temos sido procurados
por várias pessoas nas sessões da Mostra que nos
dizem que programam filmes levando muito em conta nossas dicas
do dia. Ficamos felizes, pois o esforço em fazê-las
diariamente no meio de todo o trabalho é justamente com
este fim. Mas, seria genial que o leitor tomasse um segundo do
seu tempo e informasse a própria Mostra desta funcão
nada desimportante que este site "descredenciado" tem
cumprido. O email, não custa lembrar, é info@mostra.org
Adiante... Se não existe nenhuma pérola escondida na programação
dessa sexta, que ainda não descobrimos ou da qual ainda não temos
notícia, as melhores atrações são filmes made in Italy. A
primeira sugestão é ficar de olho em Un Borghese Piccolo Piccolo
(14h, Bombril 1, atenção para a janela de exibição e para o ar
condicionado - e boa sorte com as cadeiras antiergonômicas), de
Mario Monicelli, que, mesmo sem termos visto, tem o selo de garantia
de um cineasta corrosivo em suas abordagens. A obra é de 1977
e trata de vingança, esse sentimento gástrico, que nasce no estômago
e espalha-se por outros orgãos, mais ou menos como Monicelli trata
seus assuntos: de maneira ácida. É também da Itália, mas da nova
geração, que vem outro destaque: Mundo
Novo (Arteplex 1, 19h50), terceiro longa de Emanuele Crialese,
primeiro após o ótimo Respiro. Se não tem o gosto
de novidade do trabalho anterior, o filme trata da emigração
de italianos para os EUA, não sem socar o estômago da política
de seletividade dos "anfitriões" americanos. De uma
geração intermediária entre Monicelli e Crialese, temos ainda
os Taviani, com Os Subversivos (16h, Bombril 2), onde o
tema é a militância política, desenvolvido em três segmentos distintos
e conectados, bem ao gosto dos irmãos.
O Brasil também comparece com boa representação
na agenda de hoje. Estréia na programação
O Passageiro - Segredos de Adulto
(Arteplex 3, 19h50), de Flavio Tambelini. Embora não tenhamos
sido seduzido pela estréia do diretor (Bufo & Spalanzani),
a sugestão do colega editor Valente serve de guia para Cléber
Eduardo nesta sexta, e extendemos o convite aos nossos leitores.
Há ainda três dos mais fortes documentários recentes: À Margem
do Concreto (Espaço Unibanco 3, 18h), do fominha Evaldo Mocarzel
(média de um filme e meio por ano), que dá voz e imagem à militância
dos sem tetos; Atos dos Homens (Cinesesc, 21h20), que tateia
a superfície e as profundezas da Baixada Fluminense, sem deixar
de se colocar explicitamente sobre o material, como é comum em
Goiffman; e Acidente
(Arteplex 3, 14h20), de Cao Guimarães e Pablo Lobato, um cine-poema
que dificilmente se encaixa na categoria de documentário. E, finalmente,
fica a auto-propaganda: fechando a programação número 6 dos curtas
(sala UOL, 14h00), está O Monstro, de um tal Eduardo Valente.
Para quem não viu, vale sempre conferir e ver se a vidraça é mais
frágil que o estilingue.
E, se o dia não tem obras-primas disparadas na
programação (o que mudará radicalmente a partir de sábado), pode
ser uma boa chance de ver vários filmes de regulares para muito
bons, que têm sido um bálsamo na programação mais obscura da Mostra,
recheada de autênticas bombas. Neste caso, valem a atenção do
leitor, dependendo de qual for a melhor hora ou sala: Dias
de Glória (Arteplex 1, 15h20), Transe (Arteplex
2, 17h40), Hamaca Paraguaya (Arteplex
2, 22h00), Viva Livre ou Morra
(Bombril 1, 17h50), Chicha Tu
Madre (Espaço Unibanco 1, 14h00), Half Nelson (Olido,
15h00), Flutuando (CCSP, 16h00)
e Ilha de Ferro (CCSP, 20h00). Também surgem como “apostas”
ainda não conferidas: Réquiem para Billy the Kid (Arteplex
1, 22h20), Andando em Má Companhia (Bombril 2, 19h50) e
Verão de 2004 (CineSesc, 14h00). Numa lista extensa como
estas, se não citamos algum filme, é porque é melhor evitar. Afinal,
neste fim de semana, mais do que nunca, não é bom trocar o certo
pelo duvidoso.
Dia 27, Sexta - notas
por Cléber Eduardo
CENTRAL DO REDATOR-CONSUMIDOR
AS CADEIRAS E O AR CONDICIONADO DO BOMBRIL - Não são poucos
os mostreiros, críticos e espectadores ocasionais que andam reclamando
pelos cotovelos das cadeiras anti-ergonômicas do Cine Bombril
(embora de design "chiquérrimo" - mas
designer raramente precisa usar o que desenha). Os assentos
são ótimos apenas para pinguins, anões ou para o Corcunda
de Notre Dame: arredondam a coluna e impulsionam a cabeça para
a frente. O ar condicionado também deve estar adaptado para o
verão do Senegal, com padrão de temperatura finlandesa. Na sessão
de Notícias do Lar/Notícias de Casa, de Amos Gitai, às
18h10 do dia 25, um grupo de pessoas solicitou diminuir a temperatura,
pois, embora o filme se passe no Oriente Médio, o clima era de
Sibéria. Para encerrar, o filme foi exibido todo deformado, provavelmente
na janela 1:85, quando deve ser 1:66, deixando as pessoas e os
espaços todos achatados. O diretor anda com uns tantos quilinhos
a mais, como vimos em sua passagem por São Paulo em 2004, mas
não precisam transformá-lo em obeso, né? Será que na Bombril,
patrocinadora da sala, ninguém liga para isso? Meio queimação
de filme colocar nome em um "produto" (a sala de exibição)
que o cliente acha a maior pagação de mico (conforme temos ouvido
aqui e ali). Vão acabar comprando outra esponja de aço.
* * *
CREDENCIAL DE 40 FILMES - Mudando de assunto, pensem cá comigo.
Se comprei uma credencial de 40 filmes, a R$ 220,00, mas quero,
depois de trocar os vale-ingressos pelos dos filmes, passá-los
para alguém, por que eu não poderia? Afinal, já não paguei pelos
ingressos? Não ficaria com ingressos a menos do mesmo jeito
se os dou de presente para alguém? A Mostra já não recebeu
o meu dinheiro? Vai ter prejuízo em quê? Se comprei algo
por um preço, tenho o direito de fazer desse algo o que eu bem
entender, inclusive dar de presente para alguém. Como não sei
se verei 40 filmes da programação (por ter visto uma parte dos
títulos no Festival do Rio e por não ter interesse em ver uma
enorme quantidade de títulos programados), e só comprei
os 40 porque os pacotes de 20 tinham terminado, deveria poder
endereçar os ingressos que sobraram a quem eu bem entender, depois
de trocar os nominais pelos dos filmes. Isso permitiria que alguns
críticos de Cinética, que não tiveram dinheiro para comprar a
credencial, utilizassem parte de meus ingressos, por exemplo,
em vez de pagarem R$ 15,00 para entrar em cada filme sobre o qual
escreverão – isso em uma mostra com patrocínio da Petrobrás. Definitivamente,
há mais mistérios entre o orçamento e nosso dinheiro do que
supõem os consumidores.
Dia 27, Sexta - notas
por Eduardo Valente
Eu fui uma das pessoas a seguir as sugestões de programação
que publicamos abaixo para esta quinta-feira. E o mais impressionante
foi a verdadeira conexão que ela criava, muito além
do que podíamos imaginar. Se a ligação entre
ver A Bela da Tarde e Belle Toujurs no mesmo dia
era mais do que óbvia (pontos para a Mostra pela programação,
mas descontando alguns pela fraca cópia do filme de Buñuel
exibida), o que eu não podia imaginar era o quanto ambos
se conectavam com o documentário Conversas no Porto.
Claro, Manoel de Oliveira, um dos objetos do filme, é diretor
de Belle Toujours, mas a conexão era muito mais
profunda: em sua conversa com Agustina Bessa-Luis o que vimos
foi um terceiro vértice cinematográfico do eterno
dilema masculino-feminino que é a cama principal onde se
deitam as narrativas dos dois filmes de ficção centrados
nos personagens Severine e Husson. O dia ficou ainda mais curioso
ao encaixarmos na sequência Incuráveis, filme
de Gustavo Acioli todo ele centrado num encontro entre um homem
e uma mulher. A unir os quatro filmes, o fato de serem todos dirigidos
por homens. Não por acaso, quem sai ganhando da junção
deles é a mulher, que emerge com o seu mistério
essencial intocado, admirado, eventualmente temido, mas acima
de tudo, muito procurado.
Dia 26, Quinta - dicas
por Cléber Eduardo
A programação de hoje tem um dos filmes "tarja ouro"
da Mostra. Mesmo sem ter sido laureado em Veneza, Belle Toujours
- Sempre Bela, o mais recente Manoel de Oliveira ganha a
primeira de suas quatro sessões hoje às 16h50 no Arteplex 1, e
é parada obrigatória. Mesmo sendo à tarde, a sala, aposto, estará
lotada de “manoelófilos”. Ainda mais quando a matéria-prima de
nosso mais amado ancião do cinema é A Bela da Tarde, de
Buñuel, que também está presente na programação do evento, com
uma sessão na mesma sala, às 13h30 – que chance de ver um sob
a luz do outro! Ainda mais quando entre os dois dá para se ouvir
Manoel falando com Agustina Bessa-Luis em Conversas no Porto,
às 15h10. Corra, mostreiro, corra.
Quem não tem paciência para esperar a estréia de Os
Infiltrados, o novo projeto-encomenda de Scorsese, tem
nova chance de vê-lo às 15h20 no Arteplex 2. O filme não tem entusiasmado
nem os apaixonados pelo cineasta, mas sua hora final é dos altos
pontos dessa Mostra, mesmo com um desfecho bastante questionado
por quem já viu. Admiradores e detratores de Amos Gitai podem
continuar a polarização reagindo a Notícias do Lar/Notícias
de Casa (Arteplex 3, 18h30), documentário que fecha uma trilogia,
iniciada em 1980 com House e continuada em 1998 com House
in Jerusalem. Como Gitai anda rateando nos últimos filmes
(desde pelo menos Kedma) é uma oportunidade de se ver,
em seu retorno ao documentário (registro em que se sai, em minha
avaliação, de forma melhor sucedida), se permanece cheio de energia.
O Cine Bombril tem dois exemplos de filmes da nova geração de
realizadores brasileiros. Às 19h30, exibe Incuráveis, estréia
em longa-metragem do carioca Gustavo Acioli, premiado em Brasília
no ano passado. Na sequência, às 21h20, é a vez de Antonia,
terceiro longa da paulistana Tata Amaral, ambientado na periferia
de São Paulo. Quem não perde os premiados de Cannes tem à disposição
The Wind That Shakes the Barley
(13h30, Cinesesc), Palma de Ouro esse ano, mas, se minha sugestão
vale algo, eu não perderia tempo e dinheiro com o maniqueísmo
redutor de Ken Loach. Meu interesse pessoal recai sobre Cabiria
(18h10, Cinesesc), de Giovanni Patrone, clássico do cinema silencioso
italiano, da pré história do cinema narrativo, 1914 (portanto,
anterior ao Nascimento de uma Nação, de Griffith), que
tantos consideram o nascimento do cinema contador de histórias
– entre os fãs, Scorsese. É chance bastante rara de travar contato
com essa obra tão importante.
Dia 26, Quinta - notas
por Eduardo Valente
Na noite de quarta, no CineSesc, passaram dois filmes que,
embora estejam concorrendo na mesma categoria competitiva da Mostra,
não poderiam ser mais distintos. Primeiro passou Pixote
in Memoriam, de Felipe Briso, Gilberto Topczewski e Edu Abad,
depois Acidente, de Pablo Lobato e Cao Guimarães
- ambos "documentários brasileiros". Mas, será
mesmo?
No primeiro caso, a confusão é entre os conceitos
de documentário e reportagem jornalística. O que
diferencia Pixote in Memoriam de vários bons extras
de DVD ou de programas especiais para o Canal Brasil, por exemplo?
Temos aqui o mesmo formato de depoimentos de membros da equipe
e elenco narrando bastidores da realização, entremeados
por trechos do filme que são comentados. Eventualmente,
devido ao final trágico do protagonista do filme de Hector
Babenco, entra em cena reportagens de TV da época, mas
o registro continua o mesmo: informar, esclarecer, complementar.
Seja como for, é esquisito demais ver este trabalho num
cinema. O que é o exato oposto do que acontece com o filme
de Lobato e Guimarães. Revendo o filme (minha primeira
reação a ele já
foi publicada aqui), fica claro que Acidente não deve
ser visto em outro lugar que não a tela grande, a sala
escura. Documentário aqui é palavra limitadora,
pois o filme dos cineastas mineiros nos desafia a recategorizá-lo
a cada plano, a cada sequência. Trata-se, isso sim, de poesia
audiovisual - que cresce muito na revisão. O que aliás
é outra diferença: impossível imaginar a
vontade de rever Pixote in Memoriam, já que não
há mistério algum ali a continuar sendo fruído,
desvendado (nem é a isso que ele se propõe). O fato
é que se uma mesma palavra serve para categorizar estes
dois trabalhos, é porque esta palavra já não
tem mais sentido algum. E eu não sou o primeiro a dizer
isso de "documentário".
Dia 25, Quarta - dicas
por Eduardo Valente
Outro dia em que a Mostra nos dá poucas opções
- o que não deixa de ser uma boa coisa, para que priorizemos
o que realmente importa. Dentro do circuito mais tradicional da
Mostra, nas salas do Bombril a programação mostra
toda sua incongruência: na grandiosidade da sala 1, a noite
é fechada com uma dobradinha de filmes que causaram muitas
desistências do cinema na Quinzena dos Realizadores, em
Cannes: Honor de Cavalleria (Bombril 1, 20h10) e Electroma
(Bombril 1, 22h20). Independente de suas qualidades (o primeiro
eu vi, e comentei na cobertura, o segundo
eu não vi, mas ouvi elogios de amigos no Rio), são
filmes de proposta radical, que demandam bastante das suas platéias,
e talvez ficassem melhor colocados em palcos menos grandiosos.
Enquanto isso, a sala 2 deve ser pequena para a capacidade comunicativa
do filme de Jafar Panahi, Fora de Jogo
(18h20). Vai entender...
Talvez a programação morna (e a temperatura um pouco
mais quente) sirva de convite para que tentemos algo realmente
novo: nesta quarta, a sessão do Vão Livre do MASP
deve ser especial, com a exibição de Cinema,
Aspirinas e Urubus. É uma noite que pode consolidar
a idéia de que o filme não tem nada de hermético
ou difícil, e que o mercado de cinema é que ficou
careta demais. Dois filmes que eu não vi, mas que várias
pessoas consideraram muito interessantes em Cannes este ano, são
Transe (Espaço Unibanco 3, 19h40), e Réquiem
para Billy the Kid (CCSP, 16h00) - numa Mostra em que tem
dias que brigamos para ver um filme minimamente interessante,
estes certamente são promessas a checar. E, finalmente,
na linha do "ame ou odeie", inegavelmente O
Cheiro do Ralo (Espaço Unibanco 1, 22h00) conseguiu
reações fortes no Rio.
Mas, se você não quer terminar a noite de mau humor,
o caminho é mesmo o do CineSesc, onde a noite é
fechada pela dobradinha entre Acidente,
de Cao Guimarães e Pablo Lobato (20h30) e Eu Não
Quero Dormir Sozinho, novo filme de Tsai Ming-liang (22h10),
que estréia na programação tendo maravilhado
muitos na cabine de imprensa. Como mais cedo no dia o mesmo CineSesc
recebe a última sessão na Mostra de Fica Comigo
(15h30), não é difícil dizer qual o cinema
a se priorizar amanhã para quem gosta de ver os limites
da linguagem sendo testados.
Dia 25, Quarta - notas
por Eduardo Valente
Se tem uma coisa que me irrita hoje em dia ao tentar acompanhar
as centenas de filmes exibidos nos nossos festivais é a
completa falta de critério para diferenciar o que é
um cinema que aponte novos caminhos no cinema (sim, isso ainda
é possível, e sempre será) daquilo que é
a pura repetição de clichês disfarçado
de "cinema artístico". Sinal dos tempos este
em que o "cinema de arte" virou a expressão de
uma fórmula, tão copiável quanto qualquer
modelo de produção - quando na sua gênese,
ele deveria vir para apresentar alternativas. Tanto que eu mencionei
no texto sobre a vinheta do Festival
do Rio o quanto o cinema de arte já virou uma imagem
sem substância, ao ponto de poder ser decodificada e copiada
numa peça publicitária.
Pois quando chega a hora da Mostra de SP, já esgotado pelas
experiências de Cannes (onde o menor número de filmes
e o maior critério de seleção diminui, mas
não elimina as picaretagens) e do Festival do Rio, o termômetro
da paciência já chegou perto do zero, e eu confesso
que me torno mais inclemente do que nunca. Em menos de cinco dias,
já foram vários os filmes abandonados pela metade
(seja por uma boa horinha de sono, seja por poder almoçar,
jantar, ver emails, ir para outro filme...), sendo que a imensa
maioria cai na categoria acima mencionada. Nos últimos
dias, foram três: o polonês Hiena, completamente
encastelado na sua "aridez de preto e branco em scope",
repetitivo, auto-importante; As Tentações do
Irmão Sebastião, onde José Araújo
parece perder completamente o rumo e filma imagens de fundo religioso
sem o menor senso de transcendência (ver este filme depois
de Mary é tarefa impossível); e, finalmente,
o que mais rápido eu abandonei, o belga Nue Propriété,
de um cinismo bobo à toda prova, com Isabelle Huppert brincando
de ser Isabelle Huppert (lembrando os piores momentos de um Jack
Nicholson ou um Robert De Niro), e uma mise-en-scène
"grave" (leia-se planos fixos, observacionais) para
sublinhar a relevância de sua "transgressão"
(é assim que o filme chama o seu desprezo pelos personagens).
Claramente inspirado em Michael Haneke, o filme leva sua pompa
até uma dedicatória de abertura: "Aos nossos
limites". O da minha paciência foi de mais ou menos
quinze minutos.
Dia 24, Terça - dicas
por Eduardo Valente
Conversando com os colegas que cobrem a Mostra, quase todos
concordam que esta terça é um dos dias mais fracos
da programação - tanto que vários planejam
usar algumas horas livres para tirar atrasos do circuito comercial.
Mas, claro, nada é tão extremo que não dê
para se encontrar uma ou outra escolha a se fazer. Individualmente,
há algumas reprises de filmes que já destacamos,
como os brasileiros O Céu de
Suely (Arteplex 2, 17h20), O
Ano em que meus Pais Saíram de Férias (CineSesc,
17h10) e Proibido Proibir
(Espaço Unibanco 3, 15h20); ou os estrageiros 12:08
A Leste de Bucareste (Arteplex 3, 18h10) e Anche
Libero Va Bene (Arteplex 3, 14h20). Há ainda a
despedida da Mostra de O Crocodilo (Espaço Unibanco
3, 21h50) e a entrada na programação de Conversas
no Porto: Manoel de Oliveira e Agustina Bessa-Luis, Dezembro 2005
(Bombril 1, 14h00).
Mas, o destaque do dia é mesmo para Joaquim Pedro de Andrade:
reprisam Guerra Conjugal (Espaço Unibanco 3, 13h30),
Garrincha, Alegria do Povo+Cinema Novo (Espaço
Unibanco 1, 14h00) e a sessão de curtas (Arteplex 4, 16h00).
Além destes, que passaram ontem, há as primeiras
exibições de Os Inconfidentes (Arteplex 4,
18h20) e O Padre e a Moça (CineSesc, 15h20). Se
o leitor não estiver querendo arriscar o seu dia numa das
várias bombas desconhecidas que a Mostra tem apresentado,
convém ir atrás de um destes filmes importantíssimos
na história do cinema brasileiro. Satisfação
garantida.
Dia 23, Segunda - dicas
por Eduardo Valente
Acuse-se a Mostra do que for, menos de falta de coerência.
Depois de começar a programação com os filmes
da retrospectiva italiana batendo horário, nesta segunda
é hora dos fãs de Joaquim Pedro de Andrade começarem
a fazer suas "escolhas de Sofia" (e, curiosamente, é
sempre na hora do almoço: será que cinéfilo
tem cara de vagabundo??). Pois é, as três sessões
do cineasta brasileiro são no mesmo horário, impossível
combiná-las: é questão de escolher mesmo
entre Guerra Conjugal (Arteplex 1, 13h00), Garrincha,
Alegria do Povo (Arteplex 3, 12h30, com adendo do média
Cinema Novo) e a sessão dos curtas de Joaquim Pedro
(Bombril 1, 14h00), uma sessão fortíssima, com pelo
menos três obras maiores dentro da carreira do cineasta
(Couro de Gato, Vereda Tropical e O Poeta do
Castelo). Difícil escolha...
Nesta segunda o "programa esquisito" da Mostra é
pegar o metrô na linha azul e ir para o Cinemark Santa Cruz
ver os dois filmes de lá, que neste dia valem a pena: O
Guardião (19h00) e Red
Road (21h30). Verdade que são dois filmes que estréiam
depois (como todos que passam no Cinemark), mas quando será
este depois exatamente, é sempre duvidoso. E, como são
belos filmes... A outra boa "dobradinha" do dia também
é de filmes com estréias prometidas: no Arteplex
2, temos a sequência corrosivamente política de A
Comédia do Poder (15h10) e O Crocodilo (17h20).
Finalmente, segunda é dia de despedida daquele que é
um dos três filmes de choque estético assegurado
(já que já foram vistos antes) na Mostra: Mary,
de Abel Ferrara, passa pela última vez, no Arteplex 1 (16h40).
Quem não viu, corra... Por outro lado, um dos seus parceiros
na categoria (Fica
Comigo) tem sua primeira exibição num cinema
mais "central" do circuito da Mostra, o Reserva Cultural
(15h10). Nunca é demais reforçar a indicação.
Ah, sim, e para os que ficaram curiosos: o terceiro filme da categoria
"choque estético" é Juventude em Marcha,
que ainda não estreou na Mostra. Outros prometem poder
entrar (Síndromes e um Século, Still Life,
Belle Toujours), mas só os conheceremos mais à
frente...
Dia 23, Segunda - notas
por Eduardo Valente
Três dias de Mostra, e já é hora de ter
a história bizarra de projeção do ano. Aliás,
a deste ano já é forta candidata a história
mais bizarra de todas as Mostras, e ainda me deu o prazer de viver
uma situação inédita: começava a sessão
de 14h00 no Arteplex 3, do filme polonês Amor de Verão.
Reparo que o projetor de vídeo ficou ligado, mesmo sendo
o filme em película, e reclamo com o monitor que estava
na sala (que, como quase sempre, faz cara de confusão -
custa ensinar aos rapazes o que é projeção
de filmes?). Esta praga, aliás, está cada dia mais
comum: o projecionista não repara, ou acha que não
faz diferença (como a maioria do público), só
que para quem aprecia a estética do cinema, é um
incômodo grande, especialmente em cenas escuras. Mas, mal
estava começando a comédia: de repente, entra um
colorbar (aquele código de ajuste de cores do início
de fitas de vídeo) em fusão com a imagem do filme
passando. Para completar, começa a passar um segundo filme
(o filme que passou antes na sala) por cima do outro. Fusão
inacreditável: ao fundo, a reprodução das
paisagens e interiores do western que faz o filme polonês,
e por cima dele, Flavio Bauraqui e cantoras de cabaré do
começo de um documentário brasileiro. E lá
ficam, uns bons cinco minutos passando dois filmes na tela ao
mesmo tempo. Pior que isso, só mesmo constatar depois que
talvez o filme polonês ficasse melhor com o brasileiro por
cima...
Mas, causos de Mostra estão longe de ser a exceção,
como sabem os frequentadores. Quem continua o relato é
o redator Leo Mecchi:
"Em minhas duas primeiras sessões oficiais na Mostra (descontando-se
aí as cabines para imprensa) dois problemas diferentes. Na primeira
exibição de Flandres, Grânde Prêmio do Júri no último Festival
de Cannes, pensei que tivesse deixado meus óculos em casa: no
meio da sessão, o filme começou a ficar desfocado. Primeiro nas
pontas, depois avançando pela tela até transformar o filme inteiro
em um único borrão. Dez longos e dolorosos minutos se passaram
em meio a vaias e apupos da platéia do Cine Bombril até que uma
boa alma resolvesse subir até a sala de projeção e arrumar o foco
do projetor. Agora, convenhamos, se você é um projecionista, o
mínimo que se espera é que você dê uma olhada de tempos em tempos
na tela para ver se tudo está nos conformes. Imagine se fosse
um controlador de tráfego aéreo... Depois, vem a sessão de Infância
Roubada, exemplar típico de desorganização na Mostra. O filme
estava programado para as 13h. Passados 15 minutos sem nem sinal
de início da sessão, somos informados que "por problemas
técnicos" (sempre a maldita tecnologia) a sessão iria atrasar
"uns 15 minutinhos". Meia hora depois do horário programado,
um espectador mais exaltado consegue arrancar da monitoria a informação
de que o filme segue havia chegado à sala. Agora, vejamos: trata-se
apenas do segundo dia da Mostra e aquela era a primeira sessão
do dia naquele cinema. Como o filme poderia não ter chegado ainda?
Leventei-me e não esperei para ver o resultado de tudo aquilo.
A julgar pelas opiniões de Cléber Eduardo,
talvez tenha sido intervenção divina..."
Dia 22, Domingo - dicas
por Eduardo Valente
O domingo tem pelo menos duas sugestões aventureiras
de programas para os cinéfilos mais aplicados: primeiro,
a exibição dos 6 episódios dos Diários,
do cineasta David Perlov, que são exibidos consecutivamente
a partir das 14h00 no Bombril 2. Especialmente nas cadeiras do
Bombril, talvez não seja a dica mais ergonomicamente correta
sugerir estas seis horas seguidas, mas os filmes têm alguns
defensores ardorosos na redação de Cinética,
e serão tema de um texto-ensaio de Ilana Feldman logo,
logo. Vale dizer que também se pode optar por ver em dias
diferentes, e há reprise na segunda, 23, também
consecutivamente a partir de 14h00, no Arteplex, e na semana que
vem em três dias diferentes no Olido. O Olido, aliás,
é a outra sugestão de aventura dominical: no coração
do Centrão paulistano, é um cinema menos conhecido
do frequentador da Mostra, mas cuja programação
de amanhã justifica a ida ao belo e caótico Centro
(menos, num domingo): primeiro, tem a primeira exibição
do documentário Mestres Americanos John Ford/John Wayne
(14h00), que passou em Cannes este ano e que atrai muito pelos
seus objetos; em seguida, é a vez da segunda exibição
na Mostra de Fica Comigo (16h00), filme que foi nossa principal
dica de sábado.
Para os menos aventureiros, que queiram ficar no circuito mais
tradicional da Mostra, o destaque absoluto do domingo é
o cinema brasileiro. No Arteplex, são três belos
filmes: no mesmo horário, o espectador escolhe entre O
Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, de
Cao Hamburger (19h20, sala 1) e Serras da Desordem, de
Andrea Tonacci (19h30, sala 3). Os dois já foram bastante
elogiados aqui, mas se o leitor quer uma dica, deve priorizar
o filme de Tonacci, pelo simples motivo de que o filme de Hamburger
estréia em breve, e terá certamente uma passagem
mais longa pelo circuito comecial. Depois de um dos dois, vale
emendar com o documentário Cartola, de Lirio Ferreira
e Hilton Lacerda (21h30, sala 1). Outros dois nacionais imperdíveis
no Espaço Unibanco 3: às 15h20, Os
12 Trabalhos, de Ricardo Elias; e às 21h00, a primeira
exibição de As Tentações do Irmão
Sebastião, o novo filme de José Araújo,
diretor de Sertão das Memórias.
Finnalmente, o Arteplex também força o espectador
a tomar uma decisão difícil na hora do almoço:
às 15h10, a sala 2 exibe O
Guardião, de Rodrigo Moreno, filme bastante comentado
do Festival do Rio (mas que estréia em breve), enquanto,
às 15h50, a sala 3 passa Mary, de Abel Ferrara (que
foi anunciado como comprado para o Brasil há quase um ano,
e até agora nada, então é melhor se defender
e ver logo). Claro que há aqueles que vão preferir
passar o domingão em casa vendo Fórmula 1 e futebol,
e quem somos nós para recriminá-los. Mas, não
custa lembrar que Mostra é só uma vez por ano...
Dia 22, Domingo - notas
por Eduardo Valente
Sábado foi dia de priorizar a retrospectiva do cinema
italiano político, e sinceramente a impressão ao
final dos dois primeiros dias de Mostra é que talvez devêssemos
nos dedicar exclusivamente a ela (como fiz ano passado com Manoel
de Oliveira). Fato é que, com todo meu interesse pelo cinema
contemporâneo, quem se dedica ao autêntico garimpo
nos filmes desconhecidos sempre fica com a impressão que
o Festival do Rio e a Mostra se dedicam a peneiras alguns dos
exemplos de cinema mais careta e desinteressante do mundo para
complementar suas programações. Foram dois dias,
com quatro tentativas de filmes novos: duas desistências,
um filme completo mas completamente dispensável, e apenas
um filme minimamente interessante, mas que poderia facilmente
ser visto numa madrugada qualquer de TV a cabo.
Na noite de sábado, a tentativa arriscada foi o "independente"
americano A Sensação de Ver. Desde o início,
um certo incômodo com aquele maneirismozinho "maroto",
"sensível", que iguala personagens esquisitinhos,
enquadramentos e movimentos de câmera auto-conscientes e
música onipresente à "profundidade humana".
Mas, como ano passado tivemos bela surpresa com Eu, Você
e Todos Nós, que misturava uma auto-consciência
da fórmula com um desejo de testar seus limites e uma generosidade
de olhar de mundo incomum, resolvi insistir. Mas, realmente o
filme me venceu: lá pelos sessenta minutos de projeção
já não dava mais para aturar a obviedade do dispositivo
"sensível" deste cinema de auto-ajuda. Nele,
impera a lógica de que, se você generalizar o suficiente
o retrato dos traumas pessoais dos personagens, mais cedo ou mais
tarde a platéia se identifica com eles. E, uma vez identificados,
é contar com a necessidade de se consolar daqueles que
acham a vida feia. Já quem achar que a feiúra é
parte da beleza da vida, só pode encher o saco de tanta
auto-importância por tão pouco. E o resultado foi
uma hora de gostoso sono no cinema. E a certeza que, entre o asqueroso
2:37 e A Sensação de Ver a grande
lição sobre o suicídio é que quem
assiste estes filmes inteiros, pode sentir uma propensão
ao ato.
* * *
Enquanto isso, no cinema italiano dos anos 60/70... O dia começou
com o incrivelmente áspero De Punhos Cerrados, uma
porrada de Marco Bellocchio que investiga o processo de formação
de um recalcado, inserindo no seio da família italiana
uma incrível quantidade de dor e jogos de poder e auto-afirmação.
Não é cinema de meio-termo: tão agressiva
quanto a história é o trabalho de câmera e
de montagem, remetendo a uma época (o filme é de
1965) em que estética e conteúdo andavam de braços
dados. Achando que tinha levado a porrada do dia, mal sabia que
ainda tinha Só Resta Esquecer, de Damiano Damiani
pela frente. Mais uma investigação sobre o poder
e as instituições italianas - aqui, a polícia
e a máfia. É um filme de prisão, mas como
nunca tinha visto: a começar pelo humor satírico
corrosivo da primeira metade, onde a paródia de classes
e de influências entre lei e crime atinge níveis
(cômicos e de profundidade) poucas vezes alcançados.
Depois, quando o filme vai lentamente tirando o espectador da
zona de conforto que a sátira inicial parecia colocá-lo,
e termina com um dos finais mais amargos e pessimistas do cinema
mundial, cuja dor o espectador sente tão mais pela identificação
que o filme vai construindo com o protagonista no seu calvário
final, e que é virado pelo avesso nos últimos minutos.
Difícil achar que vale a pena continuar arriscando estas
bobagens contemporâneas quando o cinema italiano daquele
período pode nos dar dois filmes de tamanho impacto no
mesmo dia.
Dia 21, Sábado - dicas
por Eduardo Valente
O sábado começa na mesma toada da sexta, ou
seja: muitos filmes italianos dos anos 70 batendo horário
pelas salas da Mostra. Mas, neste dia há um favorito na
briga pela atenção do espectador: De Punhos Cerrados,
de Marco Bellochio (Sala UOL, 14h00). O motivo para a escolha
é simples: seus principais concorrentes (Um Dia Muito
Especial, Scola, Arteplex 3, 12h30 / Pai Patrão,
irmãos Taviani, Arteplex 4, 13h00 / Investigação
sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita, Petri,
Bombril 2, 14h00 / Feios, Sujos e Malvados, Scola, Cinemateca,
14h00) são todos muito mais fáceis de serem exibidos
no Brasil, por terem cópias em cinematecas ou VHS/DVD.
Mais difícil é Le Mani Sulla Citá
(Rosi, Reserva Cultural, 13h00), mais aí é questão
de optar por Bellochio ao invés de Rosi.
Ao longo do dia, embora voltem à programação
em boas salas algumas de nossas dicas de ontem (Os Infiltrados,
Arteplex 3, 18h50 / O Céu de
Suely, Espaço Unibanco 1, 16h10 / A Comédia
do Poder, Espaço Unibanco 3, 17h30), o destaque mesmo
é a primeira exibição brasileira do grande
filme Fica Comigo, do cineasta de Cingapura Eric Khoo (Cinemateca,
20h30). O filme passa depois em salas melhores e mais dentro da
geografia da Mostra, mas para quem procura um autêntico
choque estético logo no primeiro fim de semana, ele vale
a viagem mais longa.
Para os mais sedentos, mas também mais preguiçosos,
o fim de noite tem quatro belas opções de dobradinhas
dentro dos mesmos complexos de salas: no CineSesc, vale jantar
antes e emendar Sonhos de Peixe
(21h10) com Como eu Festejei o
Fim do Mundo (23h30); no Reserva Cultural, a lógica
se inverte e o jantar fica para depois de Anche
Libero Va Bene (19h10) e Os
12 Trabalhos (21h20). Finalmente, no Arteplex e no Bombril,
a boa é jantar entre os filmes: no Frei Caneca, o cardápio
tem Proibido Proibir
(19h20) e Fora de Jogo (23h50);
já no Conjunto Nacional, O Crocodilo (18h10) e
Volver (23h10). Só não vale reclamar
de falta de opções.
Dia 21, Sábado - notas
por Eduardo Valente
Ah, o primeiro dia da Mostra... Sempre aquela sensação
de que todos os filmes serão geniais, de que logo perderemos
várias obras-primas, de que nunca houve uma Mostra como
esta. Mal chegamos na central da Mostra no Conjunto Nacional,
e começam os encontros com os amigos, e as trocas de informações,
fofocas, dicas. Sempre bom participar disso.
* * *
Pena que logo começam as desilusões com os filmes.
Meu primeiro filme já foi minha primeira saída precoce
de sala. Para quem acha que eu sou chato pelos filmes
que não vejo em festivais, deixa eu explicar como funciona
comigo essa coisa de sair logo no começo de filmes: não
me incomodam filmes ruins, filmes autenticamente ruins, ruins
com suas especificidades ou originalidades. O que eu não
aguento durante festivais são aqueles filmes completamente
medíocres, onde se sente que nada acontecerá na
tela que justifique minha atenção por hora e meia,
duas horas. Um filme que não traz uma só idéia
nova para um festival, não precisa estar lá. Foi
assim com o espanho Los aires dificiles, minha escolha
para abrir a Mostra (ou melhor, a escolha mesmo era um filme dos
irmãos Taviani, mas me atrasei para sair do Rio e perdi
a hora). Resultado: dez minutos depois de uma sequência
de idas e vindas no passado e presente, com traumas familiares
banais, péssimos atores e absoluta previsibilidade, decidi
que era hora de sair da sala. Sempre faço questão
de deixar claro: não posso jamais escrever uma crítica
de um filme que não vi inteiro. Mas posso informar para
o leitor que assim o fiz.
* * *
Mas a sessão do filme espanhol teve pelo menos um momento
que valeu a pena: antes dele estavam grudados na cópia
três trailers para o circuito espanhol: primeiro, os de
dois filmes espanhóis (um inclusive que está na
Mostra); mas depois a surpresa veio com um trailer de um filme
australiano que passou no Brasil nos festivais do ano passado
(The World`s Fastest Indian). A surpresa não é
pelo filme ser australiano, mas sim pelo trailer estar dublado
em espanhol... E lá surge sir Anthony Hopkins hablando
castellano. Para além do teor cômico do momento,
valeu para dar um suspiro de alívio pela moda da dublagem
em cinema não ter pego no Brasil.
* * *
Como eu escrevi um texto inteiro sobre a
vinheta do Festival do Rio,
não posso não fazer um rápido comentário
sobre a da Mostra: bem mais discreta que a do Rio, como de hábito,
ela tem uma curiosidade. Baseada em desenho de Manoel de Oliveira,
o contemplativo cineasta português, a vinheta impõe
um ritmo alucinante, quase hipnótico no seu grafismo -
nada mais deslocado do cinema do criador do desenho original.
Curiosa dicotomia, mas pelo menos não distrai tanto o espectador
do seu verdadeiro motivo para estar ali na sala...
Dia 20, Sexta - dicas
por Eduardo Valente
Primeiro dia de Mostra é dia de ainda se estar confuso com
o excesso de filmes na programação e principalmente com a falta
de informações sobre a grande maioria deles. Geralmente vale a
pena deixar os riscos um pouco mais para a frente, na medida em
que pessoas de confiança forem vendo e apontando as possíveis
(e raras) “pérolas escondidas” da Mostra. É melhor, por isso mesmo,
ir no certo. Dentro deste raciocínio, nada mais certo que aquilo
que já enfrentou até o teste do tempo, não é? Então é boa hora
para investir nas retrospectivas.
Curiosamente, a Mostra de SP historicamente gosta
de programar suas retrospectivas na hora do almoço, no início
da tarde, e muitas vezes com os filmes batendo horário uns com
os outros. É a mesma lógica que forçou no ano passado os fãs de
Manoel de Oliveira (que supomos serem os interessados na mostra
do diretor) a escolher entre alguns filmes dele para ver, já que
eles passavam ao mesmo tempo. A Mostra de 2006 começa na mesma
toada: o espectador que escolha se prefere Dino Risi (Este
Crime Chamado Justiça, 14h50, Arteplex 1), Scola (O Baile,
Cinemateca, 14h00), Elio Petri (A Classe Operária Vai ao Paraíso,
13h30, CineSesc), Bertolucci (Antes da Revolução, 13h00,
Arteplex 2) ou Monicelli (Um Borghese Piccolo, Piccolo,
Reserva Cultural, 13h00). Ah, você gosta de todos? Azar o seu,
diz o programador! Mas, os três últimos pelo menos ainda permitem
uma dobradinha com os irmãos Taviani (Os Subversivos, Bombril
2, 16h00) ou até uma radical trinca com Francesco Rosi (O Caso
Mattei, Bombril 2, 18h00). Atenção: os filmes desta mostra
só passam mais uma vez cada – e vários deles, batendo horários
de novo.
Para quem não quer saber de passado e acha que
cinema antigo é coisa de cinemateca ao longo do ano, começar o
dia no Arteplex pode ser uma boa – aliás, boa mesmo é a novidade
das quatro salas do Arteplex na Mostra, o que pode garantir dias
de muitas opções sem tanta movimentação pela rua Augusta e cercanias.
A dobradinha do catalão Honor de Cavalleria
(Arteplex 2, 14h20) e o novo filme de Chabrol (A Comédia do
Poder, Arteplex 1, 17h00) é garantia de suficiente assunto
para as reflexões cinematográficas do dia inteiro. Se sobrar fôlego,
as boas da noite são dois filmes com lançamento já garantido para
novembro, mas que se encaixam na frase da moda atualmente (“você
quer trocar o certo pelo duvidoso?”): O Céu de Suely, de Karim Aïnouz (22h00, Bombril 1) e
Os Infiltrados, de Martin Scorsese (Morumbi Shopping,
21h00). É forçar a barra indicar um filme no Morumbi, num shopping,
sexta de noite?? Até é, mas em Mostra tem maluco para tudo!
Finalmente, o cardápio da meia-noite também tem
seu interesse: no Arteplex 2, El
Laberinto Del Fauno só perde pontos por estar já com as
legendas em português na tela, garantindo sua estréia para logo
logo; já os fãs dos autores-caídos-em-desgraça-recente Roberto
Benigni e Kevin Smith podem querer checar se O Tigre e a Neve
e Clerks II (em outras salas do Arteplex) indicam pelo
menos um primeiro passo de volta à alguma respeitabilidade. Mas,
cinéfilo que se dá ao respeito, vai sair do circuito Augusta-Paulista
e sentir o cheiro da boa e velha Cinemateca que ainda pode se
sentir nas paredes da Sala UOL e enfrentar o grandioso (ainda
que curto) Mary, de Abel Ferrara. A sala não é das melhores,
e por isso talvez valesse a pena esperar outras exibições, mas
por outro lado, quer maneira melhor de abrir alas para a primeira
cervejada da Mostra??
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