O Sol - Caminhando Contra O Vento,
de Tetê Moraes e Martha Alencar (Brasil, 2005)
por Leonardo Mecchi

O constrangedor ocaso de um sonho

Há algo de constrangedor em O Sol - Caminhando Contra o Vento, documentário de Tetê Moraes e Martha Alencar sobre o jornal homônimo da década de 60. A começar pela opção por um registro caseiro, de "encontro de ex-alunos", onde reina a nostalgia e a passagem do tempo deixa clara sua marca - nos corpos e nos discursos. As diretoras realizaram uma "festa-filmagem", reunindo antigos colaboradores e personalidades da época que desfiam, entre uma cerveja e outra, declarações e lembranças sobre a experiência do jornal-escola. Devido ao ambiente informal desse encontro, temos mais um conjunto de clichês e frases saudosistas do que uma investigação ou um olhar pertinente que validem o documentário para algo além de uma auto-homenagem. Há nos entrevistados uma sensação de deslocamento, uma certa repulsa à contemporaneidade em favor de um passado idílico, com a qual o documentário acaba comungando (ainda que inconscientemente), reflexo do fato de que as próprias diretoras fizeram parte daquela redação.

Outro fato um tanto constrangedor é a insistência das diretoras, ao longo de todo o primeiro terço do filme, em buscar uma legitimação do jornal através de uma provável citação em “Alegria, Alegria” (“O sol nas bancas de revistas/Me enche de alegria e preguiça/Quem lê tanta notícia?”). Praticamente não há entrevistado que não cite os versos da famosa canção ou não dê sua opinião sobre a intenção ou não de Caetano Veloso em homenagear o jornal com a música. É como se “O Sol” (o jornal e o filme) só pudesse confirmar sua importância no cenário nacional através dessa canção que, de certo modo, seria (ironicamente) seu grande legado. O próprio Caetano, ao ser entrevistado para o filme, nega a referência, mas é prontamente confrontado pelas diretoras com “provas irrefutáveis” (como o fato de que sua namorada à época trabalhava no jornal) e, acuado, cede à insistência: “que fique sendo, então, uma homenagem”.

Em um determinado momento do filme, o ex-cineasta Arnaldo Jabor sumariza em seu depoimento, inconscientemente, outro grave defeito – porém não apenas deste, mas de grande parte dos documentários brasileiros contemporâneos: sua falta de preocupação com a imagem. Ao dissertar sobre o movimento cinematográfico do qual fez parte, Jabor afirma que “o cinema novo era um sonho de poder transformar a realidade através da imagem, mas a gente depois descobriu que não era tão fácil assim: a realidade era mais dura e a imagem, mais mole”. Pois é dessa “imagem mole” que O Sol é feito: uma imagem que abriu mão de atuar na realidade que retrata ou mesmo de emulá-la, limitando-se apenas à simples função de registro. O que torna essa displicência com a imagem ainda mais triste (e não sem uma certa dose de ironia) é o grande destaque que o próprio documentário dá à equipe de diagramação do jornal. Como a grande maioria das manifestações artísticas da época, também o jornal “O Sol” apostava no caráter indissolúvel entre forma e conteúdo. Uma espécie de estética política cuja herança o documentário O Sol simplesmente renega.

Há em O Sol uma clara tentativa de acerto de contas de uma geração com o seu passado, uma busca por enaltecer os sucessos, relativizar os fracassos e justificar o "encaretamento" (segundo depoimento de Ruy Castro no filme) desse grupo de pessoas diante de uma contemporaneidade que insiste em contradizer as aspirações da juventude. Ao resgatar a memória do pequeno jornal que, durante cinco meses, tentou fazer face ao recrudescimento da ditadura militar, o documentário busca, na realidade, expurgar os pecados dessa geração que lutava por um sonho e hoje, amargurada, refugia-se em reminiscências complacentes. Nesse sentido, o filme de Tetê Moraes e Martha Alencar parece sofrer de uma espécie de complexo de Dorian Gray, onde quanto mais belo e imponente o retrato que tenta pintar daquela experiência sessentista, mais inegável fica o quanto esse sonho envelheceu mal e não passa hoje de um pálido espectro do que um dia já foi. Como diz sintomaticamente Caetano Veloso em seu depoimento, "o sonho acabou, mas isso não é necessariamente uma má notícia". Soa como um triste epitáfio para uma geração que buscava mudar o mundo.

 


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