Proibido Proibir, de Jorge Durán (Brasil, 2006)
por Eduardo Valente

Interesse pelo hoje

Curioso como os filmes brasileiros de ficção recentes apontavam uma certa dupla tendência: da parte de alguns cineastas veteranos, um olhar em crise com o mundo de hoje, marcado por personagens totalmente deslocados dele (Brasília 18%, Boleiros 2) ou tentando achar uma chave de contato, nem sempre com resultados satisfatórios (O Maior Amor do Mundo, Gatão de Meia-Idade); da parte de uma geração mais nova, uma série de revalorações do passado, através da infância/juventude vivida nos anos anteriores (Eu Me Lembro, O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, 1972, Sonhos e Desejos), com a constante referência à ditadura militar. Há ainda uma “terceira via”, marcada por alguns filmes dos cineastas da geração mais recente que tentavam olhar e entender a juventude no mundo de hoje, com curiosidade e desejo de vida, mesmo que sem idealizações (Antonia, Os 12 Trabalhos, O Céu de Suely, Passageiro). Dentro destas linhas geracionais bastante delimitadas, não deixa de ser um prazer ver este que é um filme de um cineasta veterano em termos de geração (mesmo sendo apenas o segundo longa de Jorge Durán), e que foca seu olhar de forma absolutamente firme no presente, e nos jovens.

Não por acaso, entre seu primeiro filme (A Cor do Seu Destino, nos anos 80) e este novo trabalho, Durán tem trabalhado principalmente como professor de cinema (roteiro, principalmente) em universidades e cursos livres. Este convívio com os alunos universitários não só influencia diretamente o filme que vemos na sua feitura (que tem vários ex-alunos recentes do cineasta na sua equipe, inclusive com colaboração no roteiro), como ajuda a entender o olhar extremamente “de dentro” que Durán dedica a um dos ambientes menos retratados no cinema brasileiro recente – o de um campus universitário. Ambiente entendido aqui como espaço físico, mas também como experiência de vida, pois para além das cenas na própria universidade, vemos os estudantes que protagonizam o filme fazendo trabalhos de campo, residência em hospital universitário, ou simplesmente vivendo a paixão por aquilo que estudam (onde se destaque a relação do filme com a arquitetura carioca, que é o curso de uma das protagonistas). Este olhar de frente para os personagens é, sem dúvida, o grande diferencial que dá graça ao trabalho de Durán neste filme.

Pode-se dizer, sem medo, que Proibido Proibir é o filme que conseguiu mesclar com maior felicidade diferentes dimensões de suas propostas de estrutura: o lado pessoal dos personagens e suas relações, a inserção destes dentro de uma estrutura sócio-geográfica bem definida (e que alegria ver uma paisagem nova sendo explorada no cinema carioca, no caso o subúrbio da Penha), e finalmente os aspectos cinematográficos de sua realização, que conseguem juntar os dois anteriores. É verdade que, no começo do filme, ainda sentimos alguma dureza na passagem das sempre cativantes cenas dos personagens no seu habitat natural (principalmente o apartamento que dividem) para o contexto social do entorno, das favelas cariocas (nas idas de León aos trabalhos, ou na relação de Paulo com a paciente no hospital). No entanto, a partir do momento que as tramas se entrelaçam de maneira bem mais orgânica, o filme flui com bastante graça por todas as suas partes e registros (da comédia de situações à tragédia social).

Boa parte desta fruição deve ser creditada ao trabalho especialmente inspirado de Caio Blat, que dá vida a um personagem extremamente multifacetado, no qual podemos acreditar tanto na sua energia positiva quanto em seus momentos de crise. Blat é seguido bem de perto por Maria Flor, que enche os olhos da sua personagem de curiosidade pelo mundo, e que mostra mais uma vez (depois de Diabo a Quatro) que é uma bela atriz de cinema. Alexandre Rodrigues, embora longe de comprometer, fecha o trio de protagonistas com um León um pouco monocórdio demais – mas é difícil saber o quanto isso era um problema de roteiro, ou o quanto ele foi perdendo força devido ao trabalho nas filmagens.

Seu personagem só sobe de tom no belo final do filme, nas ruínas abandonadas de um mirante na estrada, onde todas as dimensões do filme (amorosa, social, visual) se unem com grande felicidade, principalmente no plano final. É apenas a mais feliz de várias belas seqüências (podemos citar a ida à praia dos três, ou todas passadas na laje da casa) de um filme que, por mais que não doure nem um pouco a pílula das dificuldades da vida no subúrbio carioca, consegue em sua declaração de amor às possibilidades da juventude, ser nada mais nada menos do que adorável em quase toda a sua duração.


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