in loco
Antes da Mostra: dicas e expectativas
por Eduardo Valente

Quando os frequentadores assíduos da Mostra pegarem a sua programação para o evento, em muitos sentidos eles já têm o trabalho um tanto facilitado pela proximidade com o Festival do Rio, lógico, e assim o espectador já pode contar com um arsenal de dicas maior do que o do Rio poderia.

Talvez a primeira curiosidade do leitor (especialmente aquele que não pode comparecer aos dois eventos) seja saber qual das duas seleções esteve mais forte. Embora seja difícil saber agora, sem ver a Mostra, o fato é que os dois festivais parecem muito equilibrados já no quesito das retrospectivas (não há um banho como o de São Paulo com o Manoel de Oliveira de 2005): os dois filmes de Jodorowsky no Rio se equivalem às raridades paulistanas (Cabiria, filmes mudos, etc) e, embora pareça haver uma leve vantagem para Visconti no Rio (já que Joaquim Pedro de Andrade, por excepcional que sejam alguns filmes, também costuma estar a nossa disposição com mais facilidade), a mostra de cinema político italiano certamente tem programas imperdíveis.

Há uma quantidade sempre razoável de filmes que estão na programação dos dois festivais (este ano principalmente Juventude em Marcha, já que outros como os brasileiros, Volver, O Crocodilo, Fora de Jogo, Os Infiltrados ou Red Road estréiam pouco depois), mas da mesma forma, o Festival e a Mostra quase se igualam este ano nos filmes ausentes imprescindíveis. É fato que a Mostra se beneficia de estar menos grudada com Veneza, e consegue mais tempo para negociar filmes como os novos de Manoel de Oliveira, Apichatpong Weerasethakul, Tsai Ming-liang e os dois de Jia Zhang-ke - inclusive o ganhador do Leão de Ouro, Still Life. Além destes, parecem programas "fortes" os novos filmes de Sokurov (que chega com considerável atraso ao Brasil) e o belo Fica Comigo, além do imperdível Mary, de Abel Ferrara. Já somente no Rio, tivemos alguns filmes importantes como o filme-surpresa Exiled, Bamako, Um Casal Perfeito
e Find me Guilty; pequenos filmes interessantes como Man Push Cart, Zidane ou Sexta-Feira ou um Dia Qualquer, além de um grupo de filmes que, por terem sido anunciados como comprados, surpreendem pela ausência na lista de SP (caso de The Host, de Bong Joon-ho; Os Anjos Exterminadores, de Jean-Claude Brisseau e A Rainha, de Stephen Frears - se acabarem sendo lançados só em DVD no Brasil, risco que só o filme de Frears parece não correr, será um ponto para o Festival do Rio). Ao fim e ao cabo, a impressão que fica é de que o melhor mesmo é poder ir aos dois festivais, nem que seja num deles por alguns dias.

Dicas do Rio
Todos os filmes que tivemos a chance de ver então já foram comentados de alguma maneira na nossa cobertura do Festival do Rio, por isso aqui nem os incluiremos como dicas. Exceções talvez sejam o excepcional Serras da Desordem, de Andrea Tonacci, o muito recomendado (embora comprado) A Comédia do Poder, de Claude Chabrol e o lamentável sub-Elefante que é 2:37. Além dos Diários de David Perlov, que receberão textos em breve na revista e são muito recomendados - em especial as partes 3 e 4; e de Os Infiltrados, cuja crítica que fizemos era um ensaio conjunto com um filme que não estará em SP.

O que podemos fazer a mais, porém, é dividir com os leitores algumas impressões que ouvimos sobre outros dos filmes que não chegamos a comentar. Na maior parte, estas impressões são de "segunda mão" (ou seja, não vimos os filmes nós mesmos), mas são sempre de pessoas em quem confiamos - e que geralmente seguimos nós mesmos ao montar nossa programação. Primeiro há os filmes que nos foram recomendados e não tivemos chances de conferir, mas há alguns que pretendemos checar na Mostra (e depois dividir as impressões com vocês, claro). Entre eles estariam El Cielo Dividido, de Julián Hernández; A Grande Final, de Gerardo Olivares; Electroma, de Guy Manuel de Homem-Christo e Thomas Bangalter; Nosso Amor do Passado, de Hans Canosa; além dos brasileiros Cartola, de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda; Fabricando Tom Zé, de Décio Mattos; À Margem do Concreto, de Evaldo Mocarzel; Incuráveis, de Gustavo Acioli; e Noel - Poeta da Vila, de Ricardo Van Steen (dos poucos que foram exibidos na Première Brasil no Rio e não conferimos).

Há uma outra lista de filmes que fomos aconselhados a evitar, como A Promessa, de Chen Kaige; O Caminho para Guantánamo, de Michael Winterbottom (a ser lançado já já); O Ilusionista, de Neil Burger (idem); Um Longo Caminho, de Zhang Yimou (ibidem); Little Red Flowers, de Zhang Yuan; Princesas, de Fernando León de Aranoa; e O Mestre, de Piotr Trzaskalski (que passou no Rio como Sapatin). E tem ainda uma série de filmes que nos foram passados como "perdíveis", ou seja: não chegam a ser maus, mas numa escolha apertada entre tantos filmes, talvez não sejam o melhor dos programas - onde estariam Clerks II, de Kevin Smith; Azuloescurocasinegro, de Daniel Sánchez; Dez Canoas, de Rolf de Heer; O Tigre e a Neve, de Roberto Benigni; Um Dia de Verão, de Franck Guérin; Uma Verdade Inconveniente, de Davis Guggenheim (breve num cinema perto de você); e Hollywoodland, de Allen Coulter (idem).

Mas, se você acabar vendo e discordar de alguma destas avaliações, lembre-se: não fomos nós que as fizemos!.

Cannes em Sâo Paulo
Tínhamos notado que o Festival do Rio deste ano quase esgotou a Competição do Festival de Cannes, exibindo dezesseis dos vinte filmes concorrentes. Como havíamos dito també, São Paulo mostrará um dos quatro que faltavam: Iklimler, de Nuri Bilge Ceylan. Com isso, só o em remontagem Southland Tales e os franceses Selon Charlie e La raison du plus faible ficam faltando no Brasil. Não é nada, é bem melhor que no ano passado, já que dois filmes de autores asiáticos essenciais da atualidade continuam inéditos no Brasil até hoje: Three Times, do taiwanês Hou Hsiao-hsien e Conto de Cinema, do coreano Hong Sang-soo. Com este ano a mais, então, fica a impressão que estes filmes só devem poder ser vistos pelos brasileiros que usam o emule (onde ambos, aliás, estão disponíveis). Curiosamente, alguns já viram no computador um outro filme essencial de Cannes 2005 (só que da Quinzena dos Realizadores), Fica Comigo, de Eric Khoo. Mas, sua aparição na lista de SP pode dar a chance de vê-lo de novo no cinema, e é um dos programas imperdíveis da Mostra. Este filme, assim como outros dois que passaram em Cannes no ano passado e aparecem agora (Ilha de Ferro, Sonhos com Shanghai), eu tinha comentado na cobertura da Contracampo que vocês podem conferir nos links dos nomes.

São Paulo também nos traz alguns outros filmes de Cannes 2006, a maioria filmes que eu mesmo não pude ver por lá: da Un Certain Regard, vêm agora Taxidermia, Violência em Família, O Violino e Hamaca Paraguaya; da Quinzena, os elogiados Transe, Verão de 2004, Mudança de Endereço, Honor de Cavaleria e Dia Noite Dia Noite; e da Semana da Crítica (ignorada no Rio), o brasileiro-russo-americano Sonhos de Peixe e Komma. Curiosamente, alguns dos filmes considerados centrais nestas mostras deste ano ficaram de fora do circuito brasileiro: na Un Certain Regard foi o caso do ganhador da mostra Luxury Car, de Wang Chao, além do novo filme de Bellochio (que passa dois filmes dos anos 70 na Mostra); na Quinzena, o estupendo Bug, de William Friedkin, e aquele que foi considerado por muitos o melhor filme francês do Festival (Dans Paris); e o ganhador da Semana da Crítica, Les amitiés malefiques. Como vimos acima, não é impossível que eles ressurjam em 2007, mas é fato que isso parece ficar sempre um pouco mais distante...

Abaixo, relinko meus comentários sobre os filmes que vi na cobertura de Cannes deste ano, tanto daqueles que já receberam até críticas na revista por conta do Rio, quanto dos novos filmes ou dos não criticados ainda (que destaco).
12:08 Leste de Bucareste, de Corneliu Porumboiu;
Amigo da Família, de Paolo Sorrentino - ainda não criticado em Cinética;
Babel, de Alejandro Gonzáles Iñarritú;
Climates, de Nuri Bilge Ceylan - ainda não criticado em Cinética;
Como eu Festejei o Fim do Mundo, de Catalin Mitulescu;
O Crocodilo, de Nanni Moretti
Dias de Glória, de Rachid Bouchareb - ainda não criticado em Cinética;
Flandres, de Bruno Dumont;
Hamaca Paraguaya, de Paz Encina - ainda não criticado em Cinética;
Honor de Cavaleria, de Albert Serra - ainda não criticado em Cinética;
Juventude em Marcha, de Pedro Costa;
El Laberinto del Fauno, de Guillermo del Toro;
Luzes na Escuridão, de Aki Kaurismaki - ainda não criticado em Cinética;
Sonhos de Peixe, de Kyrill Mikhanovsky
Paris, eu te amo, de vários diretores - ainda não criticado em Cinética;
Red Road, de Andrea Arnold;
A Scanner Darkly
, de Richard Linklater - ainda não criticado em Cinética;
Summer Palace
, de Lou Ye - ainda não criticado em Cinética;
Volver, de Pedro Almodóvar;
The Wind That Shakes the Barley
, de Ken Loach;

Algumas apostas no (quase) escuro

A Cobradora de Apostas, de Jeffrey Jeturian: Noel Vera, um importante jovem crítico filipino de cinema (considerado o maior conhecedor do cinema de lá hoje) recomenda este filme local. Não, eu não estou brincando, e para mim esta recomendação já basta;

Como as Garotas Garcia Passaram o Verão, de Georgina Garcia Riedel: num mar de filmes desconhecidos sempre altamente suspeitos (eu pelo menos costumo arriscar alguns, mas com pouco sucesso, geralmente), este aqui pelo menos foi bastante elogiado e até premiado num festival de cinema em Paris - cidade que conhece um pouco do assunto. Já é alguma recomendação;

Conversas no Porto: Manoel de Oliveira e Agustina Bessa, de Daniele Segre: quem é Segre? Não tenho a menor idéia. Mas sei bem quem são Manoel de Oliveira e Agustina Bessa. Todo mundo que sabe isso, também sabe porque o filme é imperdível;

Leonard Cohen, I`m Your Man, de Lian Lunson: idem ao verbete acima, substituindo Segre por Lunson e Oliveira/Bessa por Leonard Cohen;

Mestres Americanos John Ford/John Wayne: O Cineasta e a Lenda, de Sam Pollard: ibidem;

Réquiem para Billy the Kid, de Anne Feinsilber: exibido fora de competição em Cannes, foi bastante elogiado;

As Tentações do Irmão Sebastião, de José Araújo: segundo filme do diretor de Sertão das Memórias, o filme demorou muito para ficar pronto, estreou no Cine Ceará deste ano, e foi pouquíssimo visto ou comentado - mas, pelo primeiro filme do diretor, é essencial para quem acompanha o cinema brasileiro recente de perto;


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