in loco
Diário de Cannes - Dia 3
por Eduardo Valente

Paris, je t’aime, de 21 diretores diferentes (França, 2006) – Un Certain Regard
Acordo número 1: não podemos falar que um filme feito por uma colagem de curtas é irregular. Para além de ser um clichê, trata-se na verdade de uma obviedade, como dizer que um jogo de futebol é disputado em dois tempos. Então, pulemos o que já está subentendido. Acordo número 2: chamar 21 diretores de renome internacional (OK, uns mais outros menos) para dirigir pequenos filmes (6 minutos, em média) passados em Paris é, a princípio, uma grande picaretagem para chamar a atenção.

Pois, se já saímos sabendo que Paris, je t’aime é uma picaretagem irregular, precisamos admitir que ela é uma das mais deliciosas picaretagens irregulares perpretadas no cinema mundial – comparada, por exemplo, com a série Ten Minutes Older, é uma maravilha sem igual. O fato é que a imensa maioria dos cineastas acertou a mão e fez curtas que vão do descompromisso delicioso (irmãos Coen, mostrando que suas piadas andam bem mais engraçadas quando curtas; Wes Craven; Bruno Podalydès) à continuidade de obras que se enquadram muito bem com trabalhos anteriores (Olivier Assayas, Nobuhiro Suwa, Alfonso Cuarón) a alguns cineastas dos quais não esperávamos muito fazendo seus melhores filmes em muito tempo (e talvez o melhor e ponto – Isabel Coixet, Alexander Payne). É verdade que há pontos baixos (Gurinder Chadha, banal; Vincenzo Natali, dispensável; Tom Tykwer, com bons momentos, mas pouco mais), e que há cineasta que adicionam pouco aos seus cinemas (Walter Salles e Gus Van Sant, principalmente), mas também há duas deliciosas surpresas: o filme com atores de Sylvain Chomet (diretor de Bicicletas de Belleville), talvez o que mais longe leva o diálogo com a cidade; e o singelo episódio co-assinado por Gerard Depardieu e Frédéric Auburtin, mas que de fato é uma cena escrita por Gena Rowlands para ser encenada por ela e Ben Gazzara – precisa dizer mais? Aliás, na festiva sessão que abriu a Un Certain Regard, em plena presença de nomes como Nick Nolte, Elijah Wood, Maggie Gyllenhaal, Fanny Ardant, Juliette Binoche e Miranda Richardson (todos no elenco do filme, assim como Steve Buscemi, Sergio Castellito, Bob Hoskins, Natalie Portman e Ludivine Sagnier – entre outros), além de vários dos diretores, quem, ao subir no palco, fez a platéia bater palmas de pé foi mesmo Rowlands. Existem estrelas, mas existem mitos.

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La tourneuse de pages, de Denis Dercourt (França, 2006) – Un Certain Regard

De resto, a mostra paralela da seleção oficial teve um dia fraco. O húngaro Taxidermia (do mesmo diretor de Hukkle, curiosa, ainda que limitada, experiência de linguagem exibida há dois anos na Mostra de SP) faz parte da escola “tentar chamar a atenção com o máximo de estranheza” – escola sempre bem sucedida, como sua presença em Cannes prova. De minha parte, deu para agüentar quinze minutos apenas – motivo pelo qual nem comento o filme em detalhes.

Nem um pouco melhor era o primeiro filme francês exibido na seleção, que celebra a preconceituosa máxima de que, se um diretor já dirigiu 4 longas num país como a França (ou seja, em nada afastado do mercado exibidor mundial) e ainda não conheceu maior destaque internacional, é provavelmente porque não temos muita atenção a prestar mesmo. Pois é o que nos deixa entrever este quinto longa de Dercourt: não contente em ser um sub-Chabrol, na sua tentativa de entrar sob a pela da classe média francesa e descobrir seus pequenos vícios escondidos, ele consegue ainda ser um sub-Ozon, e até mesmo um sub-Dominik Moll. É sempre um pouco triste assistir a um filme que tenta construir toda sua força em cima de uma criação de climas e um jogo de atores, e não consegue em nenhuma cena tornar essa intenção realidade.

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Enquanto isso, nosso colega Pedro Butcher dá uma rápida passagem pelos filmes e projetos que estão sendo anunciados no mercado de Cannes:
- Belle toujours, a continuação de A bela da tarde escrita e filmada por Manoel de Oliveira, com Michel Piccolli e Bulle Ogier, já está sendo projetado no mercado em sessões exclusivas para compradores, fechadas à imprensa – o que provavelmente significa que o filme ficou pronto a tempo de Cannes, mas não foi selecionado. O que significa, também, que muito provavelmente estará em Veneza.
- Paul Verhoeven aparece em dois projetos: Black Book, que está em pós-produção (e marca à sua volta a uma produção holandesa, seu país de origem) e The Winter Queen, com Mila Jovovich (em pré-produção).
- Into the Wild é o nome do próximo filme dirigido por Sean Penn (pré-produção).
- Da série bizarrices (aliás, sempre fornida): tem um filme anunciado com certo estardalhaço chamado Statistics – Everyone is one. O texto que acompanha: “A história de seis pessoas que têm uma coisa em comum: no fim do dia, elas se tornarão estatísticas!”.
- Próximo de Abel Ferrara: The Last Crew, que começa a ser filmado em Nova York em 9 de junho. O diretor vai revisitar cenário e personagens de King of New York (1990).

 


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