in loco - cobertura dos festivais

Eu Não Quero Dormir Sozinho (Hei yan quan)
de Tsai Ming-liang (Taiwan/França/Áustria, 2006)
por Eduardo Valente

Um novo velho Tsai

É absolutamente indiscutível a maestria de Tsai Ming-liang na construção de quadros, tanto pela capacidade em iluminar os espaços, quanto pela disposição espacial dos elementos e do posicionamento de câmera. Isso, que já é um dado pré-filme, é também amplificado neste Eu não Quero Dormir Sozinho. Além da capacidade visual de Tsai, estarão presentes muitos dos seus temas, principalmente a questão da dificuldade do estabelecimento de relações no mundo moderno. No entanto, este filme novo não é apenas feito de repetições.

Para começar, há um fato totalmente novo no cinema do diretor: este filme se passa na Malásia, país natal de Tsai – e não em Taiwan, onde ele filmou sua carreira anterior. O que isso traz de novo, mais do que a paisagem, é uma variedade racial de personagens e línguas um tanto curiosa, com um forte enfoque social (vemos a presença de moradores de rua, de imigrantes que trabalham e vivem ilegalmente, etc). A partir de uma situação inicial que tem diretamente a ver com este contexto, Tsai constrói uma exemplar primeira metade do filme, que trata da dificuldade que é cuidar de alguém. É uma primeira metade onde a longa duração dos planos se justifica duplamente – primeiro, porque o tempo da cura é um tempo longo; e segundo porque reforça, em vários momentos, as dificuldades físicas dos personagens em algumas das suas ações – como carregar nos ombros um colchão, ou ajudar alguém a se locomover ou tomar banho. Ajudar e cuidar, em Tsai (e no mundo?), nunca é fácil.

A partir do momento em que o personagem principal (interpretado pelo ator-fetiche de Tsai, Lee Kang-shen, que surge também como um segundo personagem, mudo e catatônico) recupera os seus movimentos, porém, o filme revela estar numa certa encruzilhada. Aí se revelam algumas das limitações de Tsai: como se nada tivesse mudado na dinâmica da história, Tsai continua filmando com as mesmas composições de planos e a mesma duração interna, o que já não parece mais se adequar ao projeto. A impressão que fica é que o diretor não sabe (ou não quer saber, o que talvez seja pior) filmar de outra maneira, e aí, sem dúvida, o filme se alonga para além do desejado – não por alguma questão de duração, mas porque a forma e o filme não parecem mais tão adequadas uma à outra. O estilo começa a se sobrepor à matéria mesma que é filmada.

Logo o sexo ressurge em cena (depois de O Sabor da Melancia), e, de novo, sempre como problema, quase doentio (tanto assim que a personagem que representa a pulsão sexual no filme termina “punida”, primeiro com um banho de água suja, e depois com a sua eliminação de cena na conclusão). Nesta parte final, se Tsai consegue compor, é claro, algumas imagens fortes (os beijos “asfixiados” por máscaras e pela fumaça que toma conta da cidade; o choro descontrolado do personagem que cogita matar o outro), outras (como a que fecha o filme) parecem simplesmente “compostas” demais, tão controladas e previsíveis que não permitem um respiro ao filme. Ao final, fica a impressão que Tsai pode renovar seu cinema sem precisar abrir mão dos meios que mais do que controla e conhece, mas também fica a dúvida se ele está interessado em fazer isso.


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