in loco - cobertura dos festivais

Flutuando (Svobodnoe Plavanie),
de Boris Khlebnikov (Rússia, 2005)
por Eduardo Valente

Promessa cumprida

Há dois anos, Boris Khlebnikov nos foi apresentado ao público da Mostra com seu longa de estréia, o extremamente promissor Estradas para Koktebel, co-dirigido com Aleksei Popogrebskij. Na crítica que escrevi então, notava que a expectativa para um segundo filme era grande. Eis que nos chega agora esse Flutuando, que comprova o acerto do interesse no diretor.

Curiosamente, este segundo filme começa com um plano muito parecido em conceito com o que abrir Koktebel (só que, ao contrário do outro filme, trata-se aqui de uma paisagem plenamente urbana – a entrada de um dia de trabalho numa fábrica, numa curiosa inversão do primeiro filme da história do cinema, pelos irmãos Lumière): um grande plano geral, que demora a definir o que estará realmente em jogo no filme dentro da imagem que vemos. Depois deste, uma primeira definição é dada pelo acompanhamento da rotina de alguns trabalhadores manuais dentro da fábrica, só que ainda não sabemos onde de fato focar nosso olhar. O filme só se define pelo seu protagonista quando um jovem sai da fabrica direto para uma noitada numa curiosa boate no meio de um bosque, onde logo se envolve numa violenta briga – briga esta seguida de uma série de imagens curtas dele dançando com várias jovens diferentes, demonstrando pouca emoção com qualquer uma delas.

O registro do filme cisma em nos confundir: a julgar pelo registro de atuação, nos pareceria que estamos assistindo a um filme de Bruno Dumont, no entanto há a presença de um humor bastante diferente de qualquer coisa que já vimos na obra do cineasta francês. Logo descobrimos que o registro em que se insere Khlebnikov é um de autêntica originalidade: parcialmente burlesco (lembrando algo de Jacques Tati na fisicalidade do seu humor, algo do cinema mudo no jogo de suas piadas visuais – ou vice-versa), parcialmente “social” e realista, sempre com um extremo rigor de composição de quadro, de tempos de resposta nas interações entre os personagens, de uso do espaço fora do quadro (a maneira com que filma a casa do protagonista, e a mãe deste, são especialmente marcantes).

Finalmente, conseguimos perceber que o filme se insere com sutileza no gênero do “romance de formação”, e que o que vemos aqui é o lento (e doloroso) processo de descoberta de um jovem do que ele espera e deseja do mundo. Tema bastante batido? Talvez, mas que Khlebnikov enche de frescor no seu filme, especialmente pelas elipses e cortes abruptos, entradas e saídas de personagens e sub-tramas de cena, que nos mantêm sempre entre o enigma e o interesse. Ainda que um pouco irregular no andamento (como de resto já o era o filme anterior), o resultado principal do filme é a certeza do interesse por acompanhar um novo nome do cinema mundial, agora já mais do que apenas uma promessa.

 


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