Vai que Dá Certo, de Mauricio Farias (Brasil, 2013)

maio 16, 2013 em Andrea Ormond, Cinema brasileiro, Em Cartaz

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Negação da vida adulta
por Andrea Ormond

Em Vai Que Dá Certo (2012) as crianças cresceram, tomaram o poder e escreveram o roteiro. Estrelaram o projeto e blasfemaram contra essa moral pagã de que o universo dos adultos é uma ciranda de compromissos e de verdades civilizatórias. Pode-se infantilizar a vida eternamente, fugir das responsabilidades para sempre. Como máscaras do Kiss no corpo cheio de pelancas e gasto pelo tempo, a geração Y, Z, Pi ou coisa que o valha, preferiu não enterrar os ossos da infância. É assim que Rodrigo (Danton Mello), Amaral (Fábio Porchat), Tonico (Felipe Abib) e Vaguinho (Gregório Duvivier) transformam-se em trintões no alvorecer do nerd, na vastidão do loser – que engloba a falta de talento artístico (Rodrigo), o escapismo das aulas de inglês (Tonico), o onanismo velho demais para a idade (todos eles).

São gente de maior, vivendo mal e porcamente. Os irmãos Amaral e Vaguinho alugam jogos de PS2 em uma casa xexelenta, equilibrando as estantes que devem ter sido instaladas na época do defunto Mega Drive. Rodrigo buscou a carreira de músico e hipnotizou-se no couvert artístico. Falido, abandonado, é arremessado ao lar da mãe, em que pleiteia vaga no albergue de cachorros. Tonico mostra outra faceta possível do adulto fracassado: o docente nos cursinhos de idiomas. Acaso lhe dessem conversa, listaria as dez mais do rock 80, zunindo o air guitar patético e o mosh diving rumo ao chão. Do nada, surge o primo de Rodrigo com o máximo da rebeldia. Propõe o roubo de um carro-forte. Rodrigo opera o escravos de Jó e repassa a ideia aos amigos. Para alívio geral, consta entre eles a figura da gostosa: uma garota da periferia paulistana (Jaqueline, Natália Lage).

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Vai Que Dá Certo abandona a manjedoura carioca da Globo Filmes e se instala na bem provável Zona Leste de São Paulo. A comédia brasileira lucra bastante quando se transfere para São Paulo, mesmo levando na mala atores, diretores e roteiristas cariocas. Aliás, Roberto Bonfim fez um excelente Rei da Boca, drama de Clery Cunha, 1982. Otávio Augusto trafega de Ugo Giorgetti a Bendito Fruto – passando por David Neves e Xavier de Oliveira – sem pedir água. As cidades propriamente ditas são estados de espírito. E o final de Vai Que Dá Certo parece ter consultoria das vilãs de Mulheres Ricas: deixa uma trava arrogante e determinista. No relativismo do balneário, beatos de bermudas achariam tudo muito indelicado. Ao arrepio dos ouvidos, o “mavioso” sotaque guanabarino é trocado pelos sibilantes nas falas dos atores.

O esforço é nítido e a transição pode parecer pequena, mas trará consequências futuras. Afinal, está mais do que óbvio que contemplamos agora o nascimento de uma franquia cinematográfica. E, se mantido o diretor Maurício Farias, haverá interessante exercício de filmografia comparada. Acostumado aos programas de TV, Maurício dirigiu Verônica (2008), próximo da esfera policial mas sem o apelo de outros títulos da mesma espécie nos cânones do cinema brasileiro. Também é tradição no cinema da terrinha a brincadeira sobre “os jovens que não querem crescer”. Luiz Lulu de Barros já rodava em 1936 O Jovem Tataravô: quiproquó do morto que retorna do além, esbelto e faceiro, para aterrorizar os vivos. Apesar da conhecida e melíflua ladinagem, Lulu não teve o penchant de Zoraide. Não previu que, no futuro, a negação da idade adulta ocorreria em tamanho estrondo.

Penteando o cabelo ao descer a Avenida Rio Branco, Lulu gritaria. O quinteto de Vai Que Dá Certo é impotente, medroso do sexo feminino, embasbacado diante da pífia masculinidade. A tensão do filme reside inteiramente na gag de que os cinco patetas não entendem bem o que fazer diante do mundo e diante Dela (Jaqueline, a gostosa). A chuva de investidas acaba levando à complacência da garota, ex-gordinha no colégio e atual mariposa de shows eróticos. Juntos, pinicam-se, tornam-se irmãos, sem perceberem onde pode existir o sexo nisso tudo. Se houver, é idealizado. Tanto quanto a próxima coleção de miniaturas da Marvel.

Além deles, paira o ex-colega de escola bem-sucedido, contra quem promoverão uma espécie de guerra santa. Bruno Mazzeo interpreta o mauriçola politiqueiro e torna-se, aos poucos, o sustento de uma ideia presente no filme, porém que transcende o filme: a cultura da inveja. Em São Paulo, notem, ela é rica e vigorosa. O “algo mais”, a “alegria” do país tropical, a sudoeste de Guaratinguetá se dissolvem em feridas capitalistas. O fdp tem um carro melhor que o meu, o fdp mora no edifício com nome e sobrenome, as crianças do fdp estudam em um colégio tradicional, o fdp casou com a musa interesseira de olhos verdes. Variações sobre o tema: o fdp deu certo; eu não. Estou aqui, preso aos meus próprios erros. Morte ao fdp.

Mazzeo, o predador, o fdp, escande as linhas escritas por Maurício Farias e Fábio Porchat. Este último dá o tom de Porta dos Fundos. Se o conhecido canal de humor da Internet não desfila por inteiro, é ao menos perceptível. Evidente que o hardcore foi adocicado e a plateia não se choca em excesso. Apenas ri, embora pudesse brincar de ilações sociológicas.

Significa dizer, senhores, que existe uma insegurança trotando no gramado de Vai Que Dá Certo. É uma promessa, laboratório de possibilidades preparatórias para algo que “a nova turma de humoristas” quer de fato produzir. Enquanto isso, vão engatilhando o método de tentativas, acertos ou lugares comuns. Há sempre o perigo de viajarem da barbárie à decadência, antes de alcançarem uma réstia aguardada de civilização.

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