Vai que Dá Certo 2, de Maurício Farias e Calvito Leal (Brasil, 2016)

setembro 1, 2016 em Andrea Ormond, Cinema brasileiro, Em Cartaz

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Deserto
por Andrea Ormond

O primeiro distúrbio da continuação de Vai Que Dá Certo (2013) foi não manter o elenco original: Gregório Duvivier saltou fora e deixou de ser irmão de Amaral (Fábio Porchat). Cresceu o personagem de Lúcio Mauro Filho, o meio-lesado Danilo. E a história adquiriu outra conotação: deixou de transparecer amargura, crítica social, para viciar-se no besteirol puro e simples. Obviamente, nada contra o besteirol. Um mashup de American Pie (1999) e da screwball comedy, estilo Bringing Up Baby (1938), já piscava no anterior e se explicitou. Enjoativo é você substituir certo verniz arrogante, repleto de lições corrosivas – a “turminha da pesada aprontando mil e uma confusões”, era, no fundo, uma cáfila de losers se recusando a dar um tiro na cabeça – pelo pastiche ordinário, pelo arremedo vazio.

A diferença entre Vai Que Dá Certo 1 e 2, portanto, mora no talento. Quando eu digo talento, não entendam o adjetivo pelo viés raso. O talento a que me refiro está não só na capacidade de fazer a coisa dar certo, mas também de fazer a coisa na hora certa. Por exemplo: o clássico The Doberman Gang (1972), que vivia sendo reprisado no SBT nos anos 1980, tem uma continuação bastante intensa chamada The Daring Dobermans (1973). E uma terceira parte, The Amazing Dobermans (1976), mas essa o Silvio Santos exibia pouco. Já assistir à continuação de Vai Que Dá Certo é engolir os minutos passando, as gags se sucedendo, e lembrar da Peggy Lee naquela canção de Jerry Leiber e Mike Stoller, imortalizada em After Hours (1985), de Martin Scorcese: “Is That All There Is?”

É só isso? Sim, é só isso, meus amigos. Eles não tinham um filme, não tinham um roteiro suficientemente bom, e fizeram um filme. Nos anos 1960, os Beatles e até os Monkees usaram do mesmo artifício. Já se passaram cinquenta anos desde então. E você podia assistir Head (1968), Magical Mistery Tour (1967) – ou mesmo a série dos dobermans – usando poderosos expansores de consciência. No caso de Vai Que Dá Certo 2 é inútil gastarmos um ácido sunshine, ainda mais na caretice de uma sala vip no Cinemark do shopping. Estando a seco, somos assombrados por uma depressão distímica, que deveria motivar a Globo Filmes correr atrás do patrocínio de algum laboratório médico. A trivialidade é asfixiante, o deserto de ideias é um Atacama como poucas vezes se viu no cinema popular brasileiro.

Como tem que encher pelo menos hora e meia (e faltou o talento de perceber que não havia filme possível) o diretor e roteirista Maurício Farias, ao lado aqui de Calvito Leal, apoia-se nos atores. Principalmente no ator: Porchat. Antes, Gregório Duvivier turbinava a lavoura. Agora é só Porchat, cujas semelhanças espirituais e cênicas com Eduardo Dusek sempre me fazem imaginá-lo cantando “Nostradamus”. Impregnados de um sotaque da Catifunda (afinal, a história se passa em São Paulo, meu!), os quatro mais Natália Lage suam a camisa. Nesse ponto do texto, preciso dar um spoiler erótico: as coxas de Jaqueline (Lage), levantando da cama após um tête-à-tête com Amaral, compensarão o desvelo do espectador. Esta senhora que vos fala pensa até em espichar o cartão de crédito e comprar o DVD nas Lojas Americanas da Av. Copacabana, só para ficar revendo a exuberância de Natália Lage. Igual a molecada, que ficava azul e com fraqueza nas pernas, assistindo às pornochanchadas de Nicole Puzzi e Sandra Barsotti. Ou os garotos que pausavam o videocassete no momento exato do close nos seios de Anne Bancroft em The Graduate (1967). As pernas de Natália Lage, pulando da cama, são como os joelhos redondos de Nara Leão e os seios de Engraçadinha aos 17 anos. Um momento único de celebração da vida.

Esperto é o avô zureta (Lúcio Mauro, pai) que fica inventando jogos para ver a menina nua e a trata pela alcunha misteriosa de “Ritinha”. “No extremo do amor, no amor mais idealizado, o que é buscado na mulher é o que falta a ela”, diria o psicanalista deslumbrado. Creio que o mau cinema, assim como a crítica aos maus filmes, necessita dessas vinhetas onanistas para se sustentar. Quisera o espectador que houvesse mais lascívia, mais luxúria. O que acontece é pouco, diante dos velhíssimos blefes de “onde está o dinheiro?” e do morto buliçoso, no estilo de Fregolente em Anjos e Demônios (1970). Além de Jaqueline, outra gostosona da história, Simone (Veronica Debom, direto do Zorra Total) “se doa” na mesma intensidade para salvar a jabuticaba. Infelizmente, repito tal qual flor de obsessão, não tem a força dramática das coxas de Natália Lage.

Seriados lésbicos, como Orange Is The New Black, poderiam contratar Natália Lage e a fazerem pular da cama em eterno retorno nietzschiano. Fica a ideia. Quem não gostar de mulher, talvez goste de Elói (Vladimir Brichta), arremedo de vilão gigolô. É por conta de uma filmagem criminosa envolvendo Elói e Simone que a ação se desenrola. Bastaria qualquer outro motivo. O que interessa é a screwball comedy pela screwball comedy. Uma espécie de Noite Vazia em que a exaustão moral dimana da repetição de situações caricatas. Em vez de novas incursões pela garçonnière burlesca, ganhariam(os) todos se tivessem ficado em casa, zelando pela família. Vendo um filme do Rony Cócegas, quem sabe.

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