O ilustre estranho: sobre a “tiradentização” do cinema brasileiro

agosto 12, 2015 em Cinema brasileiro, Coberturas dos festivais, Em Campo, Raul Arthuso

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por Raul Arthuso

Este pequeno ensaio, misto de confissão e mea culpa consciente de suas deficiências, vem à luz com considerável atraso em relação ao descompasso que o motiva: a reação de parte da crítica à seleção do Festival de Brasília de 2014, especialmente o balanço realizado por Maria do Rosário Caetano na Revista de Cinema, sob o título genérico de Festival Brasiliense Premia “Branco Sai, Preto Fica”. O texto teve certa repercussão nas redes sociais pelo balanço um pouco descompassado com os filmes apresentados na seleção do festival, além de ter movimentado uma pequena resposta de Inácio Araújo em seu blog e uma tréplica de Rosário em sua página, Almanakito.

A justificativa para remoer ideias tão distantes no tempo se tornou urgente por um detalhe no presente: um breve comentário da mesma Rosário em seu blog sobre a divulgação da seleção dos longas-metragens em competição na edição de 2015, curto e esclarecedor. “Todos os longas são 100% inéditos, há pluralidade estética e regional. O festival mais antigo do país chega à sua edição número 48, que acontece em setembro (de 15 a 22). Parece uma bela lista!!!”, diz a autora. Minha percepção é de que essas palavras ecoam a análise sobre a edição de 2014 e sua posterior discussão, deslocando certos aspectos do contexto cinematográfico brasileiro hoje para esconder tratarem-se de conceitos de um discurso político. Como alguns devem saber, Maria do Rosário Caetano representa uma figura oficial dos grandes festivais brasileiros, participando como mediadora dos debates de diversos eventos, além de fazer a cobertura jornalística de vários deles, há algum tempo – pelo menos desde que me conheço por gente de cinema. Sua voz vem, portanto, de um certo lugar bem localizado no centro do debate, e isso não pode ser ignorado.

O Festival de Brasília de 2014 deixou evidente um choque de forças que refletem mudanças políticas, mais que propriamente cinematográficas (mesmo sendo difícil distanciá-las), entre os realizadores e o grosso da mídia que lá estava – a mídia que há anos habita o mesmo lugar de sempre e ocupa a mesma posição no evento, tendo Maria do Rosário como um símbolo mais evidente de toda essa corrente “crítica”. Marcos Petrucelli afirmou em seu comentário sobre o festival na rádio CBN no dia 22/09/2014 que, assim como ele, a maioria dos críticos não tinha gostado dos filmes selecionado no festival daquele ano. Luiz Zanin, no balanço realizado em seu blog, buscou contextualizar, afirmando que “havia muitos descontentes em Brasília que se manifestavam em off, preocupados com os efeitos de linha curatorial tão segmentada no futuro do festival” em seguida lamentando que a polêmica não tenha se explicitado. Talvez ela não tenha se tornado confronto, mas para aqueles que estavam lá ficou muito claro certo assombro de parte da crítica, especialmente dos grandes veículos de imprensa: cadê os filmes com os quais conseguimos dialogar, aqueles que preenchem o mercado e compõem o dia-a-dia do jornalismo cultural? E as grandes estrelas que renderiam boas páginas nos cadernos de cultura? Por último, mas não menos importante: onde estão os cineastas ávidos por uma matéria no caderno cultural, aqueles que precisam de nós, jornalistas acostumados a cobrir o circuito de festivais pelo país?

Apesar de já ter ocorrido algo semelhante anos antes, em 2010, quando A Alegria (Felipe Bragança e Marina Meliande), O Céu Sobre os Ombros (Sérgio Borges) e Os Residentes (Tiago Mata Machado) estiveram na seleção do festival (inclusive com a premiação do filme de Borges como o melhor em competição), naquela ocasião os conflitos não afloraram tanto quanto agora, em 2014, com debates que giraram em torno de falsas ideias na maioria dos casos e mostraram uma crítica despreparada para lidar com os filmes. Grande parte das discussões foram sobre o caráter híbrido dos filmes, porém de um lado pouco fértil do debate, pois concentrou-se em “desvendar” o que era documental e o que era ficcional nas obras, ou seja, tentar definir e enquadrá-las para torná-las acessíveis. A questão dos elencos foi bastante acalorada, especialmente quando a premiação foi entregue, com três dos quatro prêmios de atuação dados a “atores não-profissionais”, na definição mercadológica, mas essencialmente atores, pessoas fazendo um trabalho de composição de uma personagem, por mais que elementos da realidade possam estar presentes (e, a rigor, não seria isso parte do trabalho de um bom ator, catalisar elementos de sua experiência pessoal para suas personagens?). O balanço realizado por Maria do Rosário Caetano é, de certa forma, um retrato mais definido da reação a tudo o que ocorreu durante o festival. A importância dessa edição do Festival de Brasília está em deixar exposta uma mudança evidente no contexto cinematográfico, algo que não acontecia desde os anos 1990, quando a geração de críticos e jornalistas da qual Maria do Rosário Caetano – que tomo aqui como “representante” – faz parte se consolidou em suas posições.

O cinema brasileiro tem certa dificuldade com esse tipo de mudança desde os anos 1960, quando um conjunto de jovens cineastas floresceu a partir de um ideário moderno do fazer cinematográfico. Aconteceram brilhos esporádicos aqui e ali, mas nada que alterasse o conjunto de forças fundamentais do quadro cultural, tanto pela situação política de ditadura quanto por estruturas de produção concentradas no financiamento estatal ou no cinema da Boca do Lixo. Ismail Xavier nos lembra que, nos anos 1990, a política cultural e suas discussões tinham ainda, como figuras importantes, velhos quadros do grupo do Cinema Novo. Esse contexto relegava à marginalidade uma série de novos autores que tiveram carreiras interrompidas ao longo dos anos 1970 e 1980, ainda que aqui e ali surgissem novos cineastas cujo peso varia de acordo com acertos e erros de seus filmes no período que coincide com os últimos suspiros da EMBRAFILME. Nada, contudo, que mudasse as linhas de força gerais do contexto cinematográfico do país. Quando a empresa é fechada no início dos anos 1990, aí sim acontece uma ruptura significativa no âmbito cinematográfico e o conjunto de forças estabelecidas em fins dos anos 1960 se reconfigura.

Nessa nova configuração, sai de cena a figura central do cinema brasileiro até então: o cineasta-autor, personagem que se encarregava de uma missão histórica e movimentava as obras a partir de um projeto claro de cinema em lidar com a realidade brasileira a partir da criação artística. O cineasta dos anos 1990 não se vê com mandato para falar para além das narrativas que cria, não se coloca uma missão, não se enxerga como interlocutor privilegiado; torna-se um profissional, realizando seu trabalho a partir das condições disponíveis na realidade. Não há julgamento de valor aqui, só uma constatação fundamental da mudança de posturas do novo contexto: o cineasta não mais é autor de ideais políticos colocados em forma de filme – muitas vezes precisando “inventar” tais formas para o sucesso artístico do projeto. No novo contexto dos anos 1990, trata-se de um profissional que realiza filmes que aqui e ali trazem ideias sobre a realidade, caso estejam ajambradas no interior das obras. Visões autorais são bem aceitas de forma pontual, mas o peso está voltado para o cinema enquanto produto autônomo, independente da ideologia do cineasta (como se fosse possível), pois voltado para um novo contexto social de consumo internacional, no qual o cinema brasileiro precisa se justificar perante a sociedade, seja como produto de mercado (o sucesso de bilheteria) ou prestígio em festivais internacionais (o sucesso de prêmios). Assim, o período da Retomada pode ser lido como um grande pacto entre a classe cinematográfica e o corpo social que banca os filmes via leis de incentivo. Nele, tudo é possível, contanto que sirva para legitimar a existência de um cinema brasileiro.

É desse contexto que surge o mito da diversidade, trazido à baila novamente ao final de Brasília para justificar a reação contra o que, na visão de Rosário, é “exibir filmes de uma única vertente” em toda a seleção, e não ser “pluralista”. Chamo de “mito” porque a diversidade estampada pela Retomada é um processo de segmentação que, na segunda metade dos anos 2000, desembocou num profundo abismo na cinematografia brasileira, especialmente entre filmes muito caros com grandes bilheterias e outros com quase nenhum alcance de público. O tal do “filme médio” virou um fetiche, ainda que sua existência seja mais acidental que um fato consumado. A diversidade, no contexto do cinema brasileiro, transformou-se num conceito vazio que esconde a imobilidade: todas as visões são possíveis, todas têm seu espaço, contanto que fique muito claro o lugar de cada uma delas. Não existe contaminação nem possibilidades de reconfigurações dentro desse esquema, pois é preciso escolher qual “projeto” (ou, “vertente” para usar o termo de Rosário) de cinema o filme vai encampar. Fica claro esse processo quando, no final da última década, adota-se um novo modelo de editais baseado na segmentação entre projetos de retorno financeiro, projetos de retorno moderado e projetos de “pesquisa formal”. É uma reserva negativa de mercado. Ela esconde a profunda falta de visão cultural durante as duas últimas décadas e a entrega do cinema às leis de um mercado que, há de se convir, nunca se interessou por ele – e se ele se interessa agora, é por certos filmes que criaram uma linguagem de comunicação com o público a partir da apropriação de aspectos da televisão, essa sim a verdadeira indústria audiovisual brasileira. A Retomada criou um circuito cada vez mais sem mobilidade que levou ao abismo dos anos 2000, quando a Globo entra no negócio do cinema e a diferença entre as grandes bilheterias e o resultado de público do grosso da produção aumenta estratosfericamente. O mito da diversidade, do pluralismo e da multiplicidade de visões serve para sustentar um mercado forjado a partir de um mecanismo muito específico de aproximação com o público. Ao invés de criar um cinema plural de amplo acesso, é a própria ideia de diversidade que cria o gueto; ou melhor, os diversos guetos de cinema brasileiro, com poucos diálogos entre si, nos quais os realizadores precisam se encaixar de alguma forma. As instâncias críticas, por sua vez, pouco esforço fazem para enfrentar o problema, optando por estabelecer o diálogo com seu gueto de preferência. A marca cultural do período é o duplo movimento de isolamento e imobilidade da cinematografia brasileira. O mito da diversidade favorece o discurso de dominação mercadológica.

Por essa razão, Rosário citar em seu balanço de Brasília, por exemplo, os nomes de Claudio Assis, Tata Amaral, Murilo Salles, Walter Carvalho, Beto Brant e Lírio Ferreira (cineastas cujas carreiras derivam da necessidade da imprensa, nos anos 1990, de criar novos nomes) como contraposição ao jovem cinema apresentado em Brasília é disfarçar um gesto reacionário com a atitude supostamente afirmativa de propor um pluralismo de visões para o cinema brasileiro. Ele atesta a incapacidade de renovação do modelo criado na Retomada, por um lado, e a escolha política de Rosário por seu gueto favorito, por outro.

A postura pode ser problematizada se entendermos o papel dos festivais de cinema nesse contexto, especificamente Brasília. O número crescente de festivais nos últimos quinze anos, acompanhando o crescimento da produção e dependendo de um limitado montante de recursos públicos, cria uma competição pelo único modo de justificar a necessidade do evento para o contexto cultural de determinado local: a repercussão midiática. Esta repercussão é formada por notícias ou famosos, não por crítica. O cinema é acessório; jornal vende glamour, fofoca e fotos de ilustres. Muitos festivais se tornaram reféns dessa lógica e, então, o espaço de investimento na novidade cinematográfica ficou sujeito ao tititi e à polêmica. Daí deriva o papel da Mostra de Tiradentes desde sua reformulação com a curadoria de Cléber Eduardo, pois foi lá que se concentrou a revelação de filmes que não tinham espaço ou dificilmente o teriam em outros lugares. Mais que dar vazão aos filmes, Tiradentes “forjou” algo maior: um ambiente cultural no qual filmes de jovens realizadores são vistos, debatidos, criticados. Alguns nomes frutificaram em novas obras, formando novos autores; outras aventuras cinematográficas nasceram e morreram na tenda do festival. Pouco importa: algo acontece com os filmes. Novas obras foram criadas dentro desse ambiente cultural miniaturizado de Tiradentes e que, por essa formação em outro contexto, não parecem aderir tão automaticamente aos pressupostos da mecânica dos grandes festivais e da mídia que nela se alojou.

O Festival de Brasília, por sua vez, sempre teve um papel muito claro de abraçar o cinema brasileiro mais arriscado, traço que se intensificou com a adoção de uma postura de contraponto ao industrialismo do Festival de Gramado – atento para o fato de Júlio Bressane ser o cineasta mais vezes premiado como melhor filme no festival brasiliense. Se tomarmos sua história como parâmetro, a pluralidade não é a marca principal do Festival de Brasília e sim o caráter de intervenção política e estética no contexto cultural frente ao todo do cinema brasileiro – o que lhe rendeu diversos problemas com a ditadura no início dos anos 1970 -, além de ser o evento que mais tentou trazer para perto pensadores importantes no campo cinematográfico. É possível dizer que o Festival de Brasília foi o grande porto de o que hoje entendemos como o cânone do cinema brasileiro, aquilo que Ismail Xavier denomina “constelação moderna”. Se quisermos traçar uma verdadeira “essência” do festival, não será a diversidade, mas sim a tradição moderna.

Toda geração busca uma tradição para se espelhar. O Cinema Novo teve em Glauber Rocha seu grande “fundador de tradições”, forjada das entranhas de uma história feita de buracos, fracassos e interrupções. Júlio Bressane leu a história do cinema brasileiro como uma trajetória experimental, desde a primeira filmagem, passando por Limite e chegando em seus colegas do Cinema Marginal. Jairo Ferreira entendeu nossa cinematografia como um “cinema de invenção”. A semelhança entre todas as leituras formadoras da história do cinema brasileira é apontar sua sintonia com o novo. Sem um passado clássico, a própria discussão da cultura brasileira constitui uma tradição, como afirma Renato Ortiz – uma tradição constituída pela intervenção do realizador e a reflexão da crítica. O cinema brasileiro se desenha da incompletude, movimentando a cada novo traço um rascunho de sua definição. Existe um desejo pelo novo que é tanto gesto de radicalidade quanto sintoma de nossa tragédia de nunca se concluir. Essa tradição moderna representa o esboço mais adequado de sentido histórico do cinema brasileiro, por sua contradição intrínseca de devir, constituindo como lastro um eterno movimento de formação de si próprio.

Em 2014, como já ocorrera em 2013 de forma menos acentuada e como faz parte de diversos momentos de sua história, Brasília não abraçou apenas uma visão de cinema, e, sim, várias visões estéticas do jovem cinema brasileiro no longa-metragem, além de outras tantas no curta-metragem, a maioria delas de jovens conscientes de uma história do cinema brasileiro marcada por essa tradição. A mudança na visão de cinema está acontecendo na cinematografia brasileira como um todo, com outros valores ligados à redescoberta de questões próprias da modernidade do cinema brasileiro, resumidas na frase de Glauber Rocha “nossa originalidade é nossa fome”, muitas vezes contaminando cineastas veteranos (vide alguns filmes recentes de cineastas como Paula Gaitán, Júlio Bressane, Murilo Salles e o ainda não-finalizado novo trabalho de Eliane Caffé). Brasília sempre se aproximou do jovem cinema brasileiro e, principalmente, do lado mais arriscado da produção, de autores dispostos a enfrentar os caminhos dessa tradição moderna: mudaram os nomes e as formulações estéticas, mas a tradição do Festival é a mesma. Não se modificou nem virou “sucursal de Tiradentes”, como afirma Rosário.

A fissura está na defasagem entre a estrutura de poder na relação midiática e a nova geração de cineastas. O grosso da crítica e do jornalismo cultural, diante dos filmes, não conseguiu dialogar. São de outra geração, já desgastada, de figuras de poder acenando para os realizadores com o que resta de seu prestígio por uma atenção sem grande retorno, enquanto os jornais ainda não rasgam as poucas páginas de caderno cultural que sobraram.

A questão é política: trata-se de ocupação de espaço e instinto de preservação. Falar em “tiradentização” ou “sucursal de Tiradentes” mascara, no fundo, a cegueira crítica em perceber as novas configurações de forças do cinema e as nuances entre os filmes. As escolhas críticas e cinéfilas se darão nas trincheiras dessa nova geração; o trabalho da crítica está em conseguir lidar com as diferenças dessa nova geração em relação às outras e estabelecer um diálogo histórico e político desses filmes com o restante da produção –  postura crítica essa que requer trabalho e curiosidade. Na ausência de crítica, é mais fácil recusar a produção em bloco e reafirmá-la como produto de gueto – como se o restante do cinema brasileiro não o fosse. “Legal que ele exista, mas lá em Tiradentes” é o que nos diz o balanço de Maria do Rosário Caetano. Ou ainda, o comentário de Luiz Zanin, quando divulgou-se os selecionados do festival em 2014 (portanto, antes de ver os filmes) ao afirmar que “a priori, a seleção parece muito fechada em uma tendência específica do cinema brasileiro”. Sua cobertura diária mostra certo apreço por pensar os filmes e enxergar neles propostas estéticas diferentes entre si. Mas, ao final, mais uma afirmação categórica: “nada proíbe, a não ser talvez o bom senso, concentrar-se numa vertente única e ignorar a diversidade do cinema brasileiro de autor”. A contradição do conteúdo de sua cobertura em relação à posição firme quanto ao caráter dos filmes antes e depois do festival deixa transparecer uma escolha política aos lidar com as obras. Mais cômodo que criticar é desqualificar todo o contexto a priori. Nesse sentido, o grosso da crítica e do jornalismo cultural é que está fora da tradição e do perfil de reflexão mais profunda do Festival de Brasília.

Por outro lado, tudo que não é rejeição, parece elogio (e a Cinética padece dessa confusão, ainda que a maioria dos textos aqui publicados problematize os filmes dos jovens cineastas dessa mesma geração). A crítica é o refúgio; mas esta não é simples, é árdua, requer trabalho e não vai ser sempre bem compreendida nem dar poder e prestígio. Contudo, ela se faz cada vez mais necessária: nesse diálogo com as obras, apontar forças, contradições e limites é vital. Se não, teremos esse ambiente cinematográfico sem visão cultural, social e política, feito de coleguismos vazios e carência de originalidade; enfim, atônito e caduco, cheio de pequenas conspirações e manifestações em off que perpetuam pequenos poderes e amenizam o debate. Uma cultura anticrítica.

Uma frase da tréplica de Rosário no blog Almanakito expõe todo o conflito: “Estamos necessitando de filmes assim, que saem do gueto, que vão além do circuito dos festivais” (grifo da própria autora). O espaço cada vez maior dos filmes dessa nova geração em outros festivais pelo Brasil, além do número cada vez maior de exibições em festivais internacionais, como Roterdã, Locarno, Veneza, mostra que estes filmes estão encontrando lugar para além das fronteiras de Tiradentes. Três dos seis filmes em competição tiveram lançamento comercial, e mais um tem distribuição garantida. Branco Sai, Preto Fica se mostrou um importante filme no debate cultural logo em seguida ao festival, com inúmeras exibições no exterior e discussões no âmbito nacional que ultrapassaram os limites de produção do filme. Bruno Safadi, cineasta carioca presente no festival no júri de curtas-metragens e parte do comitê de seleção de 2010, realizou ao lado de Ricardo Pretti, outro realizador da jovem geração, um conjunto de três filmes de baixo orçamento protagonizados por Leandra Leal e Mariana Ximenes, lançados recentemente nos cinemas de forma independente. Os jovens cineastas brasileiros querem sair do gueto; quem não quer é Maria do Rosário Caetano e a crítica que ela representa.

O pequeno comentário de Rosário em seu blog sobre a seleção deste ano chama atenção pelas exclamações. O discurso está pronto antes de ver os filmes, como ano passado sobre a “tiradentização”. Agentes culturais são muito suscetíveis a manifestações vindas de quem veio e seus veículos de imprensa. Sem nunca esquecer: a reação à seleção de 2010 levou à competição de 2011 com filmes de grandes produtores e estrelas em seus elencos, deixando de fora O Som ao Redor, talvez o filme brasileiro mais discutido dos últimos anos cinco anos. De qualquer forma, a edição do ano passado apontou que a fila pode andar. Orlando Senna, presidente do júri em 2014, afirmou, com certa euforia, após a premiação, que o festival nunca foi tão político como agora. Talvez, sem querer, ele estivesse certo: Brasília é arena política do cinema brasileiro hoje.

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