The Distance (La Distancia), de Sergio Caballero (Espanha, 2014)

junho 9, 2014 em Coberturas dos festivais, Em Campo, Victor Guimarães

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A insuficiência do excêntrico
por Victor Guimarães

Sobre as primeiras imagens de uma planície circundada por montanhas geladas, uma voz over apresenta uma trama insólita: anos atrás, um milionário russo interessado por arte e atividades paranormais comprara uma peça em um leilão, junto com o artista responsável pela obra. O artista – pesquisador da “matemática dimensional” – fora mantido em cativeiro nos arredores de uma usina de energia desativada na Sibéria, e o resultado de seu trabalho permanece oculto em um dos edifícios do complexo. No presente da intriga, o milionário está morto, e o artista quer recuperar “La Distancia”, essa misteriosa obra que dá título ao filme. Para isso, contrata um trio de anões que será responsável por desvendar o mistério.

Todo o filme gira em torno desse fiapo de trama. A cinzenta fotografia em scope registra as peripécias do grupo de ladrões/investigadores, enquanto as situações vão se tornando mais e mais bizarras. A experiência de assistir – e escrever sobre – La Distancia é curiosa. Se descrevemos de forma pormenorizada o que acontece na tela, o leitor pode ter a impressão de que se trata de um filme profundamente inventivo, com seus insights cômicos e seu alto nível de exploração do insólito. A articulação desses elementos, no entanto, só consegue produzir um filme estéril, que incapaz de levar adiante a fórmula inicial: com o passar do tempo, as piadas perdem a graça, o jogo proposto não se desenvolve e só o que resta é uma excentricidade homogênea e previsível.

Dos personagens aos figurinos, dos diálogos ao décor, tudo tende ao bizarro no filme de Sergio Caballero: o rosto do artista coberto por uma segunda epiderme; o balde que não apenas fala, mas recita haikus em japonês; os superpoderes de cada um dos anões (um movimenta objetos com a força da mente, outro é capaz de ouvir o que se passa no interior do edifício, o terceiro faz pesquisas em um mecanismo de busca acionado por resíduos que ele retira de seu pênis e leva até o nariz); as conversas dubladas entre eles. Se um cineasta como Luis Buñuel (com o qual Caballero já foi comparado mais de uma vez) buscava implodir a normalidade do mundo ao extrair um clima insólito da situação mais cotidiana, o que acontece em La Distancia é justo o contrário: o mundo na tela já é, de saída, completamente anormal, suas regras já foram inteiramente suspensas. Nascido virado do avesso, no entanto, esse mundo permanece o mesmo do começo ao fim. O que se perde aqui é o sentido da transformação, da intervenção do fantástico: uma vez instalada a anormalidade, não há nada que a faça implodir por dentro, nenhuma perturbação possível.

Ainda que algumas soluções cênicas sejam interessantes – com seus truques mambembes que reenviam a Méliès –, a impressão geral é de um filme deslumbrado com a própria excentricidade, satisfeito em apontar um estado geral de bizarrice com o qual não se produz quase nada em termos cinematográficos. La Distancia é um grande freak show imerso em uma mise en scène asséptica, que tenta ser uma história de detetives, mas não adiciona nenhuma nova camada ao mistério inicialmente esboçado; um filme que deseja produzir comédia, mas ignora um princípio fundamental do gênero: não há riso possível sem mudança de clima, sem expectativa frustrada, sem imprevisibilidade. Quando tudo se tornou insólito, porém homogêneo e previsível, não há excentricidade que se sustente por muito tempo de pé. 

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