Los Hongos, de Oscar Ruiz Navia (Colombia/Alemanha/Argentina/França, 2014)

agosto 25, 2014 em Coberturas dos festivais, Em Campo, Filipe Furtado

loshongos

Painel de grafite
por Filipe Furtado

Os protagonistas de Los Hongos são dois jovens grafiteiros. Um deles, Ras trabalha como operário; o outro, Calvin, estuda arte e lida com alguns dramas familiares. A oposição entre eles é bastante informativa do universo relativamente amplo pelo qual este longa de Oscar Ruiz Navia trafega. Estão ali arquétipos bastante tipificados do jovem com consciência e também o desejo de, ao aproximá-los, devolver a eles um frescor, tirá-los justamente do que têm de tipos. A câmera de Navia observa com atenção os eventos dos poucos dias em que segue os dois grafiteiros e busca devolver a eles uma autonomia de existência. Por isso mesmo, Los Hongos não deixa de ser um filme confuso, ao mesmo tempo disposto em eleger em Ras e Calvin sintomas de uma revolta maior e tentar garantir a eles uma individualidade que faça com que esta revolta ressoe mais. Como acontece com o próprio trabalho de grafite dos vários artistas que Navia promove, estamos ao mesmo tempo no campo do específico e do simbólico.

Logo no começo do filme, Ras – até ali registrado sempre à parte dos outros operários – é chamado para uma reunião com seu superior, que lhe informa que algumas latas de tinta desapareceram. O garoto abre mão da oportunidade de se defender e é demitido, como se o próprio filme, diante da oportunidade de acompanhar o cotidiano dos trabalhadores, preferisse buscar outro caminho. Los Hongos está sempre flertando com o naturalismo do filme social, mas parece consciente dos seus limites. Ras como operário é útil para estabelecer o personagem, mas o filme está muito mais à vontade quando pode se dedicar a Ras, grafiteiro. É na arte dos dois protagonistas que Navia encontra um escape para tentar dar forma à insatisfação do jovem colombiano. Salvo por alguns momentos com a avó de Calvin, o filme tende a perder o interesse quando adentra o mundo pessoal dos dois personagens para além da amizade entre eles. Los Hongos se revela bem mais confortável quando se permite mostrar Ras e Calvin em trânsito de um espaço a outro, quando Navia extrai muito da intimidade dos seus dois jovens atores, Jovan Alexis Marquinez e Calvin Buenaventura. Nestes momentos, o filme ajuda a estabelecer um destaque especial para o skate de Ras e a bicicleta de Calvin, que ganham um peso simbólico a mais, quase como terceiro e quarto personagens do filme.

Existem alguns pontos de contato entre Los Hongos e Com os Punhos Cerrados, longa dos brasileiros da Alumbramento também exibido em Locarno. Em ambos a questão maior revolve na busca de métodos alternativos para representar a revolta. O filme colombiano é menos criativo na sua proposta, menos disposto a promover uma ruptura maior, se igualmente disposto a acreditar no papel da arte para fazer valer este sentimento de insatisfação. Sem surpresas, Los Hongos se mostra no seu melhor justamente quando permite aos seus jovens personagens produzir, seja numa longa sequência num show musical, ou especialmente quando Ras e Calvin se juntam a outros grafiteiros para produzir um grande mural. O filme reconhece o valor politico do grafite na sua condição de arte marginal, no limite da legalidade que ao mesmo tempo embeleza e ataca o espaço público.

O inevitável último suspiro, porém, é o da repressão, do retorno do estado para abafar o trabalho dos grafiteiros. As sequências com a policia seguem o que se esperam delas, o que não é um problema em si, mas reforçam como, a despeito de todo o esforço do realizador, Ras e Calvin persistem principalmente como figuras simbólicas muito reconhecíveis, e seu status de sintoma fala mais alto do que o que trazem de particular. O último movimento do filme é o de usar a policial para retirar Ras e Calvin do espaço urbano e jogá-los no campo, e ali as imagens de Navia então se adaptam a um universo bastante pictórico bastante reconhecível do cinema contemporâneo, enquanto os dois garotos cortam a paisagem. Fica claro que este é o destino final que Los Hongos buscou o tempo todo: Ras e Calvin entregues ao pictórico, até eles próprios se transformarem em parte de um painel de grafite.

Share Button