Los Ausentes, de Nicolás Pereda (México/Espanha/França, 2014)

agosto 12, 2014 em Coberturas dos festivais, Em Campo, Raul Arthuso

ausentes

A imobilidade do tempo
por Raul Arthuso

Serge Daney definiu em sua teoria a equação de plano igual a tempo. O trabalho do tempo seria o diferencial específico do cinema em relação à televisão, publicidade e ao videoclipe, por exemplo. No cinema contemporâneo, existe um cacoete do tempo estendido do plano para além dos limites da eficiência narrativa e progressão dramática, mas é preciso diferenciar certos usos. Há uma evidente diferença do plano longo em Lisandro Alonso – cujo esvaziamento da narrativa é testemunhado pela câmera, como se ela registrasse sua dissolução e o devir para um universo ficcional de vazio – ou a extensão em Tsai Ming-liang – repleta de acontecimentos, numa narratividade outra que busca registrar (na falta de um nome melhor) o drama inerente a cada um dos elementos em cena. Pode-se dizer de um tempo estendido de “cheios” (Ming-liang) ou de “vazios” (Alonso).

Usando essa divisão, em Los Ausentes, de Nicolás Pereda, o tempo estendido é uma forma de esvaziamento. O plano longo já se coloca desde início, quando a câmera se afasta de uma vaca presa no meio do mato, em um lento movimento de ré que revela uma pequena casa antiga de alvenaria e um velho que faz sua refeição. Seu rosto não é mostrado e sua evidência é o único elemento de sua caracterização – e por isso mesmo chamá-lo apenas de “o velho” não é impreciso. Depois desse primeiro plano, vários outros movimentos de câmera bastante lentos compõem o filme, organizados em torno de poucas ações, geralmente bastante corriqueiras, como o velho fazendo comida ou um grupo de jovens se encaminhando à praia para surfar. Esses planos longos se tornam um mecanismo para a exploração da indeterminação, do desconhecido, do imprevisto que o fora de quadro simboliza como possibilidades ilimitadas de tomar o plano.

Em Los Ausentes, Pereda busca fazer a narrativa desse imprevisto, do fora de quadro, organizando o plano pelo que está em quadro para sair dele. A narrativa de Los Ausentes é mínima: o velho no meio do mato sobrevivendo, em ações corriqueiras como cozinhar, carregar seus bois, limpar sua arma, andar. Repleta de buracos, essa narrativa é minada pela própria câmera, reduzindo mais ainda suas potências em favor de uma “anti-narrativa” dos elementos excluídos pela narrativa. Numa cena de reunião da prefeitura com a população, a câmera faz um lento movimento que abandona o drama e se volta para a ação exterior, filmada pela janela, tomando a narrativa, inclusive no som que se sobrepõe. Em Los Ausentes, filma-se o indeterminado. Seu ideal é a destruição do drama, mesmo que à força, como a boca mecânica da escavadeira demolindo a casa do velho, tomando ao poucos o quadro vindo o fundo, naquele que é um dos mais fascinantes momentos do filme.

Não há dúvidas de que existe um trabalho paisagístico nessa proposta: filma-se o mundo ao redor do velho, mais que sua história em si. Com isso, surge uma apreciação dos cenários litorâneos em torno da casa e a sonoridade própria do lugar. Em dado momento, o velho olha, paralisado, para a mata virgem. É esse olhar que a câmera refaz em vários momentos – evidentemente não um olhar paralisado, pois a câmera está sempre se movendo. O trabalho com o tempo do plano valoriza o olhar para a paisagem e o lugar. Mas existe uma mão forte que tenta se colocar sempre onde o drama não suscita. É sua negação em quinta marcha – uma música de rock instrumental agitada, signo da ação desenfreada, sobrepõe-se ao velho mexendo a panela, ação trivial sem grande significado fora da evidência, exceto nessa disjunção entre a fábula e a linguagem. Quando a ação pede um plano próximo, a câmera está sobre a montanha, filmando um enorme geral. Ainda na primeira parte do filme, o velho aparece na praia tentando puxar suas vacas, que, paradas, recusam-se a andar, demandando um grande esforço do personagem: assim se encaminha o filme, como a forçar certas estruturas dramáticas que tentam puxar o essencialmente fílmico, mas que ele se recusa a seguir, atolado em seu próprio peso.

Nesse jogo, Los Ausentes consegue intrigar mais que fascinar, pois esse peso desfaz a trama, em um filme mais de ideias e ideais que de cinema. Seu trabalho com o tempo, de forma tão programática como juiz e executor, realiza não o esvaziamento da narrativa, feita de brechas e buracos que se preenchem com símbolos (o velho, o novo, a arma, as vacas, a mata, o mar), mas o esvaziamento do próprio tempo. Aqui, o tempo existe como medida, não grandeza. É o tempo da câmera em detrimento das coisas, corrompendo de certa forma o ideal do cinema contemporâneo de buscar uma narratividade própria do mundo, que Los Ausentes não se atreve a romper nem cutucar. Como o velho parado em frente à paisagem, parado diante da câmera, olhando para ela, Los Ausentes se faz estátua, se esvazia sem se renovar, sem encontrar o novo perdido dentro de si, imobilizando o movimento do tempo.

Share Button