Listen Up Philip, de Alex Ross Perry (EUA, 2014)

agosto 17, 2014 em Coberturas dos festivais, Em Campo, Filipe Furtado

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Romance de formação
por Filipe Furtado

A relação de Alex Ross Perry com literatura, sobretudo a americana entre as décadas de 1960-1980, já era visível em seu primeiro longa-metragem, Impolex (2009), que se propunha adaptar um trecho de O Arco Iris da Gravidade (1973), de Thomas Pynchon. Esta relação se torna o centro deste seu terceiro filme, Listen Up Philip, que não só lida com um jovem escritor com extremas dificuldades de funcionar socialmente, dado o seu misto de narcisismo e misantropia, mas lança mão de uma estrutura dramática que dá preferência a recursos que associamos a romances mais do que a filmes, como um narrador onisciente muito presente e vários blocos longos nos quais a ação abandona o protagonista para mostrar seus efeitos sobre o seu mentor e a namorada que abandonou. Pois se o drama de Listen Up Philip é construído a partir da incapacidade social do personagem-título, seu interesse reside menos nele em si, e mais nas diferenças de experiências entre relações concretas após serem filtradas pela ficção, nas pequenas ficções que ele elabora e busca encaixar.

Listen Up Philip é uma produção maior do que os trabalhos anteriores do jovem cineasta; filma-se desta vez em cores, com atores mais conhecidos (Jason Schwartzman, Elizabeth Moss, Jonathan Pryce) e limita-se as sequências de grupo nas quais o embaraço é esticado até o limite, chegando a um resultado mais compacto e direto ao ponto, e inegavelmente mais polido que Impolex e The Color Wheel (2011). Isto dito, o filme pouco faz para controlar a abrasividade marcante destes trabalhos. Se o cenário do filme de baixo orçamento americano por vezes soa análogo ao que costuma se denominar indie rock (com o termo mumblecore fazendo a mesma função comercial da expressão musical) – com um sem número de filmes que igualam seus recursos limitados e narrativa mínima com um desejo asfixiante de ser gostado – o cinema de Perry não deixa de propor um contraponto. Em The Color Wheel, ainda seu melhor filme, por exemplo, temos um road movie sobre casal de irmãos gêmeos cujo narcisismo e misantropia são tão altos o que incesto se revela natural. Por toda a superfície mais aprazível, Listen Up Philip mantém uma agressividade, menos pela personalidade intratável de Philip (que em si é bastante batida) do que por algumas opções estilísticas, como a fotografia em super16mm de Sean Price Williams e sua preferência pelo primeiro plano nas sequências com Philip, ou ainda a trilha de jazz de Keegan DeWitt que, no lugar de produzir um conforto de significação de “boa arte” (como, por exemplo, nos filmes de Woody Allen), trabalha sempre no sentido de distanciar o espectador da ação.

O que impressiona no trabalho de Alex Ross Perry é como, à parte estes elementos bastante reconhecíveis – basicamente, acompanhamos um semestre na vida de um jovem escritor intratável –, todos eles são usados para construir um painel muito ambicioso. Pois o que distancia o filme de Perry de, por exemplo, o cinema de Noah Baumbach, para ficarmos em outro cineasta de razoável sucesso cuja obra se concentra sobre temática e universo semelhantes, é justamente o desejo de colocar o mal-estar de Philip (e de certa forma do seu duplo/mentor veterano, Ike) num escopo muito mais amplo. A insatisfação que domina as ações de Philip nunca é tratada como mera pequenez de um menino prodígio ou as falhas de um futuro grande artista.

O filme é hábil em não limitar seu foco, mas se permite dispersá-lo por uma serie de outros personagens (alguns em cena por pouquíssimos minutos, como a irmã da namorada) que apresentam variações sobre a mesma insatisfação e formas distintas de lidar com ela. Listen Up Philip trata o incomodo e desconexão de seu protagonista não só com grande seriedade, mas o reimagina como peça de uma tapeçaria de descontentamento; é um filme que busca sempre um gesto maior num universo de cinema que geralmente prega o gosto pela observação pequena.

Se Listen Up Philip é cuidadosamente construído para expor suas estruturas ficcionais – o filme se expõe como peça de ficção de maneira similar à maioria dos romances de Philip Roth a partir de meados dos anos 1980 – é porque seu interesse maior é justamente o possível papel de filtro desta mesma ficção. Perry é fascinado pela ideia do escritor turrão e insociável capaz de produzir uma obra literária de vigor, mas não porque este gera um grande personagem em si, e sim por como a literatura com um pé na auto-ficção permite observar este processo de encarar todas aquelas relações como ficção. A misantropia de Philip apenas reforça o desejo por esta ficção. O movimento de Perry para um formato mais mainstream não deixa de se encaixar muito bem nesta desconstrução de literatura: todos aqui assumem papéis no que seria o grande romance da vida de Philip, e praticamente todas as sequências tendem a funcionar como encontros a dois, nos quais cada ação é acompanhada de uma possível outra forma de interpretá-la, uma outra possibilidade de encaixá-la numa narrativa daquela relação, uma maneira de tornar a desconexão perante o mundo um pouco mais suportável.

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