Journey to the Shore (Kishibe no tabi), de Kiyoshi Kurosawa (Japão, 2015); Louder than Bombs, de Joachim Trier (Noruega/França/Dinamarca, 2015)

maio 22, 2015 em Coberturas dos festivais, Colaborações especiais, Em Campo

* Cobertura do Festival de Cannes 2015

Journey to the Shore (2015), Kiyoshi Kurosawa

Journey to the Shore (2015), Kiyoshi Kurosawa

Faces da morte
por Eduardo Valente (colaboração especial)

Desde sua invenção, o cinema sempre foi entendido como a arte que, ao capturar a vida em movimento e simultaneamente eternizar os momentos captados, permitia ao homem ampliar sua busca por um sentimento (ou ilusão) de uma eternidade possível. Muito naturalmente, também se tornou com o tempo o campo de jogo ideal para uma série de artistas interessados no seu potencial fantasmático – potencial esse capaz de ser exercitado de formas bem distintas, dependendo do cineasta.

Dentre os cineastas contemporâneos, poucos têm trabalhado de forma mais constante e intrigante com alguns desses potenciais do que o japonês Kyioshi Kurosawa. Nos seus trabalhos, Kurosawa transita com grande destreza entre alguns filmes muito fortemente ancorados nas noções de um cinema de gênero, e outros em que exercita outras maneiras de se aproximar de temas caros a ele. É o caso desse novo Journey to the Shore, no qual o certo clichê de dizer que se trata de um “filme de fantasmas” não poderia deixar de ser aplicado – afinal, com menos de dez minutos um dos protagonistas já entra em cena anunciando: “Eu estou morto”.

A partir daí, o filme segue num formato de jornada episódica, onde o fantasma, acompanhado de sua mulher (numa relação cujos limites e possibilidades do contato físico estão sempre se construindo), “visita” uma série de vidas que, de alguma forma, se encontram no limiar entre a vida e a morte. Trata-se, de uma certa maneira, de uma jornada terapêutica, em que buscar paz com a ideia de finalidade da vida e suas situações interrompidas é decisivo para que se possa não só libertar os mortos, mas inclusive (e principalmente) os vivos. “Como seguir adiante?”, pergunta-nos o filme. Não deixando de olhar para trás.

Louder than Bombs (2015), Joachim Trier

Louder than Bombs (2015), Joachim Trier

Não é diferente o foco de Louder Than Bombs, uma curiosa investida do norueguês Joachim Trier em fazer “cinema americano” (história e personagens localizados nos EUA, falado em inglês) com financiamento totalmente europeu. No entanto, o foco real de Trier está menos em entender como uma família formada por um pai de meia idade e seus dois filhos (um terminando o colegial, o outro lidando co a chegada de seu primeiro filho) pode lidar e seguir adiante após a morte, em circunstâncias dramáticas, da mãe dos garotos, e mais em como cada pessoa em uma família obrigatoriamente vivencia as experiências, das mais banais (como uma ida a um parque) às mais radicais (a morte da mãe, o nascimento de um bebê) de forma radicalmente diferente.

Trier consegue passear entre os pontos de vida de cada um desses personagens através de uma inteligente montagem que mistura registros (imaginação, flashback, mesma cena vista por dois lugares distintos), criando uma tapeçaria que absorve lentamente o espectador, e lhe permite conhecer de perto não apenas cada um dos personagens, mas principalmente a distância entre eles. É pena que no terço final o filme (talvez preocupado com seu público americano médio?) precise se satisfazer em repisar algumas ideias já bem definidas, não só pelos diálogos e algumas cenas reiterativas, mas principalmente por uma trilha sonora que, bonita, sairia melhor com um pouco menos de uso. Ao final, diferente de Kurosawa, se conclui que não basta olhar para trás para seguir adiante, mas também é preciso olhar para os lados e tentar perceber o lugar de onde o outro vê. Nada de muito simples, claro.

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