Gyeongju (Coreia do Sul, 2014), de Zhang Lu

agosto 17, 2014 em Coberturas dos festivais, Colaborações especiais, Em Campo

gyeongju

Uma viagem bem enquadrada
por Aaron Cutler (colaboração especial)

Um homem deixando o aeroporto pára subitamente e puxa um cigarro para próximo do nariz. Uma garotinha logo se aproxima, lhe dizendo que não pode fumar. Ele responde que não está fumando, só cheirando, e lhe mostra o cigarro, que trouxe especialmente da China. Ele é um professor coreano que vive e dá aulas lá, mas a garota não parece impressionada por ele. Um velho conhecido logo diz ao nosso herói que “você é o mais aparentemente triste professor que eu já vi”.

Este momentos iniciais do filme coreano Gyeongju (2014), dirigido por Zhang Lu, ocorrem através de calmos e seguros planos longos que mostram os personagens dentro do seu universo maior. Assim como muitas das sequências subsequentes, elas nos encorajam a olhar por pistas sobre quem os personagens são e conquistarmos significados através de detalhes. O professor, Choi Hyeon (Hae-il Park), é um sujeito de óculos que se veste casualmente mas se comporta com uma postura estranhamente dura, como se fizesse um esforço para parecer e se sentir relaxado. Ele sorri fracamente em preparação para contar piadas que fracassam, e soa amigável, mas cansado, como se tempo demais tivesse se passado por dentro. Fica claro que ele é um homem de classe média-alta urbana, prestes a entrar na meia idade, que passa tempo demais sozinho, sem saber como se dar o tempo para ter prazer consigo mesmo.

Gyeongju mostra este aprendizado através de longas cenas dele caminhando pela cidade litorânea sul coreana do título, ao longo de um dia de viagem pra lá. O professor de estudos do nordeste asiático da Universidade de Pequim (a quem um colega bêbado logo aponta com um dos principais especialistas do meio) acaba de retornar de três anos em Pequim para Gyeongju após a morte súbita de um velho amigo. Em contraste com centros urbanos fundados mais recentemente, Gyeongju é uma cidade histórica que serviu de capital ao império de Silla, cujo reino durou aproximadamente de  57 A.C. a 935 D.C. Durante o tempo de Hyeon na cidade, ele observa algumas das relíquias restantes, tão numerosas que a cidade é comumente referida como “o museu sem paredes.”

Ao mostrar um homem explorando esta cidade simultaneamente antiga e moderna, Gyeongiu, o filme, apresenta um contraste. De um lado o passado, incluindo a história pessoal de Hyeon, representada pelos velhos amigos (inclusive uma ex-namorada, agora casada com um marido ciumento) cuja companhia rapidamente se prova sem apelo – apesar de tudo sugerir que ele ainda preferiria estar com eles do que com sua esposa, na China, sobre quem ele quase não fala. Do outro lado, está o futuro, representado pelas diferentes mulheres do local com as quais ele flerta desajeitadamente.

Logo depois sua chegada em Gyeongju, Hyeon vai a uma casa de chá onde ele e o morto uma vez beberam e se divertiram juntos em frente a uma pintura tradicional obscena. Sua procura pela obra de arte o leva a conversar com a nova dona da loja, Gong Yun-hui (Min a-Shin), uma bela e jovem mulher, descendente distante de Confúcio, que se aproxima dele com uma postura dura e mãos formalmente dobradas. Ela inicialmente parece defensiva perante a ele, especialmente após ele pedir para ver a pintura da qual ela há muito se livrou, devido a reclamações dos clientes. A partir do tempo passado juntos, porém, ela passa da desconfiança do homem que ela suspeita inicialmente ser um pervertido para se tornar sua amiga.

A relação deles é sobretudo de amizade. A despeito da convenção sugerir que ela se tornara romântica, Yun-hyui tem e revela sua própria história dolorosa que a leva a procurar solidariedade em relação ao amor. Ela e Hyeon chegam a completar o descontentamento um do outro. A infelicidade dele com o presente o leva a rescender em memórias idealizadas, enquanto a tristeza dela a leva a tentar enterrar o passado. Ambos se provam presos no tempo, mesmo quando buscam dividir um momento conjunto. Eles tentam estratégias diferentes — incluindo beber chá amarelo, praticar exercícios de artes marciais budistas, e oferecer simples companheirismo — para se equilibrarem e tirar um ao outro do seu buraco para abraçar o presente.

Zhang Lu é um ex-professor universitário de literatura chinês que nasceu em 1962 numa família coreana vivendo na China; ele vive regularmente em Seoul desde 2012. Ele também disse em entrevistas ter se baseado na figura de Choi Hyeon — um andarilho que se sente fora do lugar em qualquer lugar que vá — e livremente em si próprio, e selecionou o Gyeongju como local da visita de Hyeon porque foi a primeira cidade coreana onde pós os pés. Os personagens em seus filmes consistentemente vivem entre polos, incapazes de se acomodarem em um só. Por vezes, sua condição é apresentada de forma direta, com fronteiras físicas, como a linha divisória entre a China e a Coréia do Norte onde vive a família rural pobre no ficcional Dooman River (2009). Em outras ocasiões, ela existe de forma mais poética, como nos documentários gêmeos Scenery (2013) e Over There (2013), ambos compostos essencialmente de entrevistas com imigrantes na Coreia do Sul sobre sonhos que tiveram recentemente sobre seu antigo lar.

Como os personagens anteriores de Zhang, Hyeon e Yun-hui perambulam entre estados de pertencer e não pertencer, e se dispersam sem ter certeza onde se encaixam. Eles fazem isso em quadros abertos, que lhes garante espaço para pesquisar e decidir os tipos de lugares onde se sentem confortáveis. Os quadros de Zhang Lu permitem que os olhos do espectador façam o mesmo.

* Tradução de original em inglês por Filipe Furtado

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