Entrevista com Raúl Perrone

agosto 12, 2014 em Coberturas dos festivais, Colaborações especiais, Em Campo

por Gustavo Beck (colaboração especial)

Perrone

Raúl Perrone realiza uma carreira singular e quase subterrânea no cinema argentino desde meados dos anos 1990. Após a boa recepção de P3ND3JO5, ano passado, passou finalmente a receber atenção maior da crítica. O diretor raz a Locarno agora seu novo trabalho FAVULA e, nesta conversa por e-mail, fala sobre seu cinema e independência.

Cinética: Já na primeira imagem de FAVULA (2014), o espectador percebe estar diante de um universo delirante movido pela imaginação de um homem. Poderia nos contar um pouco como foi criar este mundo que está diante de nossos olhos?

Raúl Perrone: Depois de P3ND3JO5 (2013), do qual disseram e escreveram coisas maravilhosas, trato dentro do possível de não me repetir. Tinha vontade de fazer um filme de estúdio (entenda como um lugar fechado, já que não conto com nenhum recurso do governo ou mesmo nenhum investimento que seja), mas me refiro a uma fábrica abandonada… e queria ir além do que fui em P3ND3JO5. Queria criar uma nova linguagem visual e sonora.

Queria pensar o passado como o futuro, e assim pensei em fazer uma maquete com um bosque encantado. Convidei a uma amiga cenógrafa e ela desenvolveu a tão sonhada maquete. Gosto muito de poder jogar com essas coisas, uma vez que eu mesmo edito os meus filmes. É um cinema artesanal e austero.

Essa mesma primeira imagem parece nos remeter a Sicilia! (1999), de Jean-Marie Straub & Danièlle Huillet. E ao longo do filme muitas outras referências parecem saltar aos olhos, como por exemplo Georges Méliès ou Louis Feuillade. Poderia falar um pouco sobre esse paralelo secreto que o filme traça com a história do cinema ou com os filmes que te motivam a trabalhar o cinema?

Talvez te decepcione, mas nunca assisti a um filme de Jean-Marie Straub & Danièlle Huillet. Méliès e Feuillade, jamais os tive presentes, mas sim pensei muito em Friedrich Wilhelm Murnau e Jean Epstein. Meus últimos filmes não têm diálogos, ou ao menos não como estamos acostumados a escutá-los, por isso falo de uma nova linguagem. No meu cinema, trabalho muito com a imagem, mas quando filmo não tenho nada presente em mim, somente vou improvisando com o que a minha cabeça me vai dizendo.

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O filme apresenta um sofisticado trabalho de mise en scène, no que reconfigura o espaço fílmico com pinturas, projeções, maquetes, ao ponto de nos fazer pensar nos grandes filmes de estúdio dos primórdios do cinema. Seria correto dizer que estamos diante de um filme que se faz possível ao combinar o primeiro cinema com o uso da tecnologia digital? Poderia falar um pouco sobre esse elaborado jogo de retratos e fusões para a composição de uma paisagem?

Quando me perguntam essas coisas, somente posso dizer que não faço um cinema tido como experimental, mas sim que experimento com ele. Eu gosto de criar mundos sem que eu tenha que sair de casa. Muitos já sabem que não viajo a nenhum festival ou a nenhum lado, somente filmo em minha cidade Ituzaingo onde fiz todos os meus trintas e poucos longa-metragens. Destes todos, creio que cerca de 90% foi feito em vídeo. Passei por todos os formatos e agora o dizem digital, mas é vídeo. De meu passado como desenhista, guardo um sentido poético de enquadramento, de composição do plano.

E como se dá o trabalho com os atores, junto ao roteiro e já nas locações? E por que a opção de filmar sem som direto, com o uso de música não-diegética como diálogo sonoro?

Trabalho sempre ou quase sempre com as pessoas que conheço e são as mesmas pessoas de filme para filme. Em sua maioria não são atores, mas sim pessoas que atuam. Não escrevo roteiros. Não acredito na escrita de um roteiro. Tudo é improvisado. Me entedia escrever. Penso mais rápido do que posso escrever e por isso nunca se sabe o que eu vou filmar. E já não acredito no cinema falado – com raríssimas exceções. E se, se fala mal, se atua mal também. Prefiro o som dos movimentos.

Poderia falar um pouco sobre o filme enquanto peça de uma trilogia iniciada com P3ND3JO5? O que esperar do terceiro filme? E como entende o seu trabalho enquanto diálogo com o cinema mundial, mas especificamente com o cinema argentino?

Não estou tão certo de que seja uma trilogia, talvez sejam mais filmes. Não sei dizer agora. Somente vou te contar como se chama pois não falo de meus filmes, não sei conta-los: ITUZAINGOAFRICA. Sobre o cinema mundial, não sei. Mas parece que estão interessados em meus filmes agora. Sobre o cinema argentino, não tenho nenhum diálogo. Não creio pertencer a ele ou nada. Somente quero fazer filmes.

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