Apenas o Vento (Csak a szél), de Benedek Fliegauf (Hungria, 2012)

setembro 2, 2013 em Do Arquivo, Em Cartaz, Fabian Cantieri

apenasovento1

* Originalmente publicado em Outubro de 2012.

A necessidade de trincheiras
por Fabian Cantieri

As transformações da recente Hungria neoliberal ainda estão no ar e por isso mesmo é difícil historicizá-las. Nesse sentido, o cinema ajuda esse processo, e alguns pontos dessa mudanças político-sociais já são tateáveis. O adeus ao socialismo sempre poderá ser munido de bandeiras nostálgicas ou receosas, mas o fato é que o país anda mal das pernas e o realismo social de seu cinema já não vem de hoje querendo estampar suas contradições e/ou incapacidades políticas. Apenas o Vento é mais uma pincelada de um quadro cinematográfico que vem sendo construído há pelo menos três décadas. Hoje, são mais de um milhão de desempregados (o que representa 10% de sua população) e a entrada na União Européia em 2004, que permitiu uma economia de mercado livre, não colaborou muito com a vida dos ciganos por conta de sua cultura trabalhista.

É essa conseqüência aparentemente menor (dos ciganos em relação à sociedade húngara), esse choque “invisível” se visto de um panorama geral, que parece ser o interesse de Benedek Fliegauf. E, por isso, quase tudo é decupado em primeiro plano, desconfigurando o protótipo do plano geral abalizador de um certo espaço social e sua relação com os habitantes. Em Apenas o Vento, o tom de urgência é latente de cabo a rabo: Benedek quer ver a repercussão instantânea, o viço do suor. Esperto, sabe que, para tanto, basta ter seus personagens ali, a uma distância segura, sem lhes deixar escapar, mas evitando o olhar microscópico. Não cai no exagero recorrente de tentar enxergar algo nos poros de cada um. Afinal, poro não fala.

apenasovento2

As internas são pura podridão – reflexo da falta de coleta de lixo, que não trabalha ao redor de suas moradias. Temos uma mãe que faxina e não é tão bem tratada por não dar para o patrão (além de ser cigana, claro), a filha que estuda e o filho que vagueia entre matos e videogames. O trabalho da mãe não aparenta levar a um outro patamar; é questão de sobrevivência, e com isso a expectativa de mudança só pode recair sobre os filhos. Para piorar, a questão central, temática que uma cartela avisa logo de cara querer ficcionalizar, em vez de documentar: em 2008 e 2009 uma série de atentados matou e feriu muitos ciganos, e aparentemente não existe muito ânimo por parte da polícia local para investigar e condenar os culpados.

Poderia existir uma relação poética entre o vento que perturba a paz do sono final da família de ciganos e aquele que interpenetra as janelas sórdidas para chegar ao feelgood de um banho de mar, assim como poderia existir (apostaria minhas fichas) uma bonita proposição poética na melopéia original do título em húngaro “csak a szél”, um fonema sonoro que se esvai pela tradução. Mas isso são incertezas. O que sabemos é que qualquer identificação com aqueles personagens se perde no meio do caminho entre a tela e o espectador, e o propósito parece consciente. Faz parte de sua posição política. Ali se configura o outro. Atentai: repare a desgraça mundana da mãe, a árdua tentativa samaritana da filha em ser alguém e a inutilidade da vagabundagem do filho, que mais parece um errante florestal que cava seu próprio buraco. Tudo parece girar para a composição final: lugares secretos às vezes são mais importantes do que escolas.

apenasovento3

País estranho este que habita tal lógica. Dentro de um cenário visivelmente sem perspectivas econômicas, sociais e sanitárias, a saída de qualquer projeto de melhoria de condições daquela família parece residir na filha – a responsável, a bem educada. Mas o que o desfecho que Benedek nos apresenta é que crer na violência como apenas um vento, como inerente à natureza do mundo, é como se deixar levar por um conto de carochinha para poder dormir melhor. É uma comodidade inconseqüente. A violência, apesar de conviver lado a lado com a História, é, na verdade, um rompante de qualquer crescimento civilizatório minimamente digno e por isso não pode ser pensada como apenas mais uma política pública qualquer. Porque o mito de que a educação é o fundamento de tudo morre em tempos de guerra.

Share Button