Válvula e escape: jornada em cárcere a céu aberto

setembro 1, 2016 em Em Pauta, Fábio Andrade

A Vingança de um Pistoleiro (1966)

A Vingança de um Pistoleiro (1966)

por Fábio Andrade

Em pautas retrospectivas da obra de um artista, como é o caso desta dedicada a Monte Hellman, um dos primeiros e mais naturais impulsos é retornar aos primeiríssimos trabalhos, na esperança de encontrar ali um esboço ou semente mais pura e condensada daquilo que ainda viria a atingir a maturidade e a plenitude (palavras, todas, usadas sem conotar juízo de valor). Porém, A Besta da Caverna Assombrada (1959), filme de estreia do diretor, traz pouco ou nenhum alívio aos genealogistas autoristas. Sem dúvidas um projeto de produtor, o longa se acomoda com facilidade muito maior na filmografia de Roger Corman do que na de Hellman, que teve boa parte de sua obra vinculada ao venerável homem de cinema, assumindo inclusive direção de segunda unidade e de outros enxertos que Corman inventava para amarrar em novas oportunidades comerciais os filmes que já tinha em mãos. Nas páginas dedicadas ao filme no livro de Brad Stevens sobre Hellman, o autor cita Charles Tatum Jr., dizendo que “tentar ver A Besta da Caverna Assombrada como um filme pessoal do diretor seria uma forma de autorismo patológico”, e o próprio Hellman tacha de “um trabalho primitivo de minha parte”.

Filme drive-in de momentos de talento e irregular competência, A Besta da Caverna Assombrada traz, de fato, pouco além do trabalho braçalmente criativo sobre as demandas de produção – algo que a tentativa malfadada de (psic)análise autorista de Stevens só confirma. A flanagem entre gêneros não se repetirá de maneira tão ostensiva, uma certa eficiência narrativa será trocada por uma progressiva rarefação do drama (inclusive quando a rarefação se torna paradoxalmente barroca, como é o caso de Caminho para o Nada, sua obra-prima de 2010), e mesmo uma artesania vagabunda imposta tanto no desenrolar da trama quanto na encarnação física da besta – num primeiro momento, meros tentáculos que surgem do fora de quadro de maneira um tanto cômica – será superada por uma decantação e redução ativa dos elementos cênicos. A notável dificuldade de estabelecer continuidade dramática entre os blocos e um certo abuso de entradas e saídas de cena captam o instantâneo de alguém que começa a descobrir as particularidades de uma arte a partir de um referencial externo que, àquela altura, dominava-se melhor – no caso de Hellman, o teatro.

O que existe no filme, portanto, não são tímidas declarações pessoais ou os mais tradicionais esforços – especialmente presentes nos autores avant la lettre – para subverter de dentro o controle da máquina de produção. Na melhor das hipóteses, a visão retrospectiva pode revelar certos atos falhos que permitem vislumbrar inquietações mais profundamente exploradas e mais plenamente encenadas nos filmes posteriores. Artistas raramente são os melhores analistas de suas próprias obras, mas primitivo, neste caso, é palavra adequada.

Filme de roubo que se torna filme de fuga e flerta com o filme de amor para ao fim se efetivar como filme de monstro, A Besta da Caverna Assombrada tem como torque a possibilidade de escapar. É isso que movimenta o grupo como um todo, e é essa, também, a aspiração de Gypsy (Sheila Noonan), que vê em Gil Jackson (Michael Forest) a possibilidade de fuga do relacionamento que tem com Alexander Ward (Frank Wolff), o líder do bando. Dentre todas as personagens, é ela quem detém maior mistério e obliquidade – como é frequente nas personagens femininas nos filmes de Hellman. Enquanto todos os outros tratam a fuga de maneira prática, Gypsy vê a oportunidade de um “retorno à natureza”, frase que se entrelaça a um olhar que se perde facilmente num horizonte subjetivo interior e rasga frestas para motivações que se escondem fora de campo (em dado momento, ela chega a perguntar a Jill, sem rodeios: “Como sabe que não estou com você só para me safar?”, esburacando o lugar que a convenção de gênero reserva a ela).

O que o filme tem como maior trunfo é esboçar um sentimento que, retroativamente, parece se repetir, como movimento perpétuo, na obra de Monte Hellman. Uma cena é especialmente ilustrativa: Gypsy e Gil, pouco antes chamado pejorativamente de cowboy – alcunha que o coloca em imediata paridade à mocinha cujo nome traduz sobretudo um estado arquetípico de movimento (a cigana), em procedimento auto-devassado que se repetiria em Flight to Fury (1964) e Corrida sem Fim (Two-Lane Blacktop, 1971) – tentam fugir às escondidas do resto do grupo envolvido no assalto, mas têm o horizonte interrompido por uma nevasca. “Vamos ter que voltar”, ele diz. “Eu sabia que era bom demais para ser verdade”, Gypsy responde. “Eu sabia que jamais conseguiria escapar”.

A fala é especial por conta dessa última frase, heterogênea nos tempos verbais de sua construção: ao mesmo tempo em que Gypsy deseja intimamente escapar, voltar para a natureza, há uma ciência primeva da impossibilidade do gesto que contradiz a ação: “eu sabia que jamais conseguiria”, e ainda sim, tento. Ela explicita um estado de espírito complexo que perpassa a obra de Monte Hellman, que não é bem a resignação melancólica de Yasujiro Ozu ou tampouco o niilismo doce que se fez mais presente no cinema das últimas duas décadas, mas uma espécie de opção consciente pelo movimento diante da escatologia, de um finalismo cuja dureza não se traduz como aspereza… um fim duro como uma pedra, pois de uma pedra não se passa: escapar é um desejo inexorável que jamais se efetiva como opção.

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A Besta da Caverna Assombrada (1959)

Há, porém, um detalhe: a cena se passa na natureza, em uma clareira de neve em South Dakota, mas, tanto no plano conjunto mais aberto, que mostra o casal, quanto no contraplano, o ponto de fuga é cerceado por uma parede de árvores que materializa essa limitação, projetando o sentimento no espaço e transformando o drama em paisagem. Metafórica, a barreira é real: “Vamos ter que voltar”, pois não há mais para onde ir. As personagens buscam o horizonte, mas a vista não pode escorrer indefinidamente: mais do que labirinto ou infinito, a natureza, para Monte Hellman, recoloca os personagens entre quatro paredes. Uma vez preso em um tabuleiro sem saída – os jogos, essa imagem tão recorrente – resta decidir como jogar.

Em cima da terra, embaixo do céu

Guerrilheiros do Pacífico (1963)

Guerrilheiros do Pacífico (1964)

Nos longas seguintes, essa reapresentação do great outdoors como quarto fechado se desdobrará em cantos insuspeitos. Mais do que uma marca ou traço estilístico, o que conecta de alguma maneira os filmes de Monte Hellman é um sentimento, uma visão de mundo, um mesmo ponto de chegada (ou de não-saída) para os mais diversos mapas. Guerrilheiros do Pacífico (Back Door to Hell, de 1964) novamente recorre aos diálogos para contrapor a busca objetiva da jornada do herói a um fatalismo que beira o niilismo (os guerrilheiros americanos em expedição nas Filipinas cospem frases tão frontais quanto: “Que diferença faz? Nós todos vamos morrer mesmo”). Mas enquanto A Besta da Caverna Assombrada trazia apenas esboços ocasionais de uma mise-en-scène que ambicionava ser mais eloquente que o texto, em Guerrilheiros Monte Hellman começa a aprofundar esse estado de espírito como ethos visual.

A chegada pelo mar no prólogo traz ainda alguma promessa de ponto de fuga – movimento que se repetirá, com sentido levemente diferente, em Iguana – A Fera do Mar (1988) – partindo da convenção positivista dos filmes de guerra: o horizonte expandido guarda, sem esconder, um porvir que ainda será nomeado sucesso ou fracasso – genialmente balanceado pelo olhar crítico silencioso da mulher nativa, que vê os soldados aportando na praia. Aquele olhar diz que a promessa durará pouco e sua previsão não tarda a confirmar: as composições passam a ser deliberadamente bidimensionalizadas, borrando a especificidade da paisagem local como fundo não exatamente neutro para a falta de perspectiva que se estampa dreyerianamente nos rostos. Mesmo com o parêntese postiço em cinejornal incluído à força pelo distribuidor como posfácio de propaganda nacionalista, a secura do epílogo contradiz o tom grandiloquente das narrativas de conquista com um duelo de rostos murado pela mata, em alguns dos mais belos planos da primeira fase do cineasta. A selva se emaranha ao redor dos personagens, dando corpo a uma imobilidade trágica que se impõe de maneira nada discreta ao programa expansionista ao qual o filme, a contragosto, finge aderir, e que encontra expressão ainda mais forte no uso extremo de plongées e contra-plongées que fincam os personagens contra o fundo intransponível do chão, do céu ou do mar, tirando da natureza qualquer conotação de imensidão ou generosidade.

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Tal sentimento se torna mais aguçado no filme seguinte, Flight to Fury (1964), aventura de caçada de diamantes rodada apenas três semanas depois, também nas Filipinas. O fio dos diálogos fica ainda mais cortante nas mãos de Jack Nicholson (ator e roteirista do filme), chegando ao ápice na longa sequência central, dentro de um avião (inevitável pensar em Viagem ao Fim do Mundo, grande filme que Fernando Coni Campos realizou poucos anos depois, com título que bem poderia ser de algum filme tardio de Hellman). Após trocar de cadeiras diversas vezes, Jay Wickham, seu personagem, enfim sossega ao lado de uma moça (interpretada por Jaclyn Hellman, então esposa do diretor), com quem conversa casualmente sobre nomes de cidade, até fazer uma curva brusca e perguntar: “Você sabe alguma coisa sobre a morte?”.

É um diálogo precioso, pois imprevisível, e esse tipo de curva, de desvio de rota, que vai da aparente banalidade narrativa (um saco de diamantes; um complô; um nome de uma cidade – estratégia minimalista de cinema de gênero que anos à frente se repetiria como fundação do cinema de diretores como Claire Denis, que mais tarde revisitaria Galo de Briga em seu S’en fou la Mort, de 1990) para um fio de vida e morte é motif na própria construção dramática, que parece sempre disposta a mudar radicalmente seu rumo – no caso do avião, literalmente – sem maior consideração pela expectativa criada pelo que aconteceu antes. A sensível ausência de causalidade da trama, que jamais se furta efetivar como aventura de gênero, já expõe uma desconfiança mais profunda diante do drama – basta dizer que a femme fatale do filme se chama Destiny (destino – Fay Spain), e que ela será tirada do caminho bem antes de o filme terminar, indicando, por si só, algo além que subentende uma barreira final – e começa a apontar para um processo de reformulação das bases dramáticas que se intensificará nos filmes seguintes.

A grande guinada vem justamente na sequência final, quando o filme já tirou de vista seu aparente destino para se tornar um tour de force atlético, guiado pelo movimento dos corpos. A partir dali, Flight to Fury abre mão de qualquer teleologia e se implode em uma cena de perseguição cubista. O raccord princípio de decupagem que garante a continuidade no tempo e no espaço e a localização precisa do espectador na geografia da cena – é solapado corte a corte por um bricabraque meticulosamente desgovernado que vai de planos próximos a grandes planos gerais, produzindo uma vertigem que mina a aderência subjetiva ao protagonista, fazendo com que bandido e mocinho se confundam na sua movimentação pelo espaço. A mata filipina se esfacela em pedras lisas à beirada do rio, confinando os personagens à angústia (literalmente: estreiteza; redução de espaço e de tempo) dos extremos plongées, comprimindo exponencialmente o espaço cênico, até que os pés estejam dentro d’água e não exista mais para onde ir: nada mais trágico do que uma prisão de mármore molhado. Os olhares já não mais se conectam; câmera e atores se entregam a um balé desconexo que não permite saber quem caça e quem é caçado; torna-se cada vez mais difícil prever de onde o próximo tiro virá, e onde ele irá acertar. Ausente de alvo (ou destino), todo encontro com o fora de campo é um duelo com o desconhecido, e toda desaceleração súbita em um movimento de câmera é convertida em cliffhanger. A rarefação se atualiza como acentuação; nesta corrida para o nada, todo passo é fundamental.

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Até que vem a bala de misericórdia, pois o filme, mesmo sem desfecho, também há de acabar. Derrubado pelo tiro de Joe Gaines (Dewey Martin), Wickham joga voluntariamente os diamantes no rio, usando seus últimos suspiros de energia para interditar uma resolução àquela aventura de despropósitos. “Eu sabia que jamais conseguiria escapar” e toda essa corrida rumo ao abismo se justifica apenas pela inevitabilidade do movimento, pelo caráter valvular da energia despendida que, bendita hora, ficará sem ter para onde ir e terá de explodir. Joe revista o corpo morto, mas já não há o que encontrar. Sapatos de defunto apontam para cima, e ali, entre a dureza das pedras e o dinamismo do rio, Monte Hellman encerra a primeira grande sequência de sua carreira – também recriada, em versão mais sóbria, em Iguana. A repetição é soberana: deste ponto, não há mais volta.

Dos cacos, o Oeste

Disparo para Matar (1966)

Disparo para Matar (1966)

A reconstrução de um mundo explodido só poderia se dar pela reavaliação de seus mitos. Hellman ouve o conselho de Roger Corman e faz o que um cineasta americano àquela altura poderia fazer: filma dois faroestes de uma só vez.

Tour de force de expedição sem progresso, Disparo para Matar (The Shooting, 1966), o primeiro deles, começa in media res – expressivamente, com um cavalo que reage a uma ação não vista – reunindo fragmentos de uma backstory frequentemente aludida, mas que nunca se revela totalmente, e que coloca o espectador diante de enigma parecido ao vivido pelos protagonistas: quem são essas pessoas? O que elas querem de verdade? O que estão dispostas a fazer para consegui-lo? A alusão esburacada a um passado, feito perguntas ao vento, é a forma direta de o diretor se relacionar com uma tradição de gênero, sem minimizar com isso um reposicionamento crítico em sua proposição ao presente.

De partida, a mítica expansão ao horizonte é circunscrita: diante da areia a perder de vista, Gashade (Warren Oates) faz um furo no saco de farinha para deixar rastros de sua trajetória e restringir sensivelmente a imensidão. “Eu sabia que jamais conseguiria escapar”, e ainda sim, tento. Em busca do quê? Deixando rastros para quem? Na mesma moeda, o filme concentra seu primeiro ato em lugares delimitados a céu aberto: um lago barrento cercado de vegetação seca; um curral sem cavalos; uma clareira (anti-heideggeriana?) entre montanhas que faz de todo ser movente um alvo privilegiado; uma cabana – edificação que aparece reiteradamente desde o primeiro longa de Hellman e que condensa essa permeabilidade entre dentro e fora que marca seu trabalho com o espaço. O Oeste, imensidão desconhecida, é severamente reduzido a pequenos bolsões, cercados de um nada mais amplo que espreita sem se mostrar de fato. Sob a pressão do vazio ao redor, o filme põe-se a esperar.

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Dessa espera, surge ainda um motif: cutaways reivindicam ações paralelas e flashbacks, misturando relato histórico e imaginação. É um recurso que materializa um paradoxo complexo que passa a ser dominante no cinema de Hellman a partir daqui, e que traz nova camada ao tal movimento escatológico que interpreta o espaço: uma equivalência entre o concreto e o abstrato. Disparo para Matar é um filme ideal, nesse sentido, pois, ao mesmo tempo em que referencia uma história (do cinema), é erguido feito um espantalho num deserto de fato(s). Assim como o isolamento visual e semântico de Gashade, Coley (Will Hutchins), Billy Spear (Jack Nicholson) e da mulher sem nome (Millie Perkins) alça-os com convicção a uma presença mítica, alegórica até, há sempre um lastro de mundo, uma poeira que o vento lufa contra a pele e que arde feito chicote, impedindo que esse mesmo potencial de abstração tire gravidade – anos luz de distância, portanto, de outras revisitas modernas ao gênero, como El Topo (1970), de Alejandro Jodorowsky, e Uma Aventura de Billy the Kid (1971), de Luc Moullet, e muito mais próximo de uma síntese aparentemente impossível entre Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos, e Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha.

O deserto não é um monumento esculpido pelo tempo sob a vigília infinita do céu, como em John Ford, mas um amontoado de barrancos que bloqueia o olhar e interdita o horizonte. Os rostos, em especial os masculinos, são emoldurados por fundos de terra e pedra, manchados pela poeira da dificuldade de avançar em uma realidade incapaz de se abrir para experiências transcendentais. Mesmo em planos que trabalham com a profundidade de campo, Hellman enquadra de forma a rejeitar veementemente os princípios de perspectiva pictórica que Alberti propunha em 1435 como remédio virtual a uma matemática de impressões sem correspondente concreto (as diagonais que se aprofundam no horizonte, a partir de um ponto referente que se localiza fora do campo de visão), como se a afirmar: perspectiva não é somente um conceito abstrato – um campo de estudo da geometria –; é também uma expectativa calcada em esperança, um ponto de vista e um campo de visão:

Significado de Perspectiva
s.f.

. Modo através do qual alguma coisa é representada ou vista;
 

. Modo como se concebe ou se analisa uma situação específica; ponto de vista;

. Tudo o que se consegue ver ao longe; aquilo que os olhos alcançam desde um certo lugar; panorama;

. Sensação esperançosa; expectativa;

. Aquilo que se percebe externamente; aparência;

. Modo de representar figuras tridimensionais que causa a ilusão da espessura, da dimensão, do aspecto e da profundidade dessas figuras; 

. Processo de representação de objetos tridimensionais sobre uma superfície plana, feito a partir das linhas que convergem para uma marca central;

. Técnica que ocasiona uma projeção tridimensional dos objetos sobre uma superfície plana; produto desenvolvido a partir dessa técnica.

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Não há, portanto, perspectiva que carregue uma de suas acepções sem levar, consigo, todas as outras. Toda convenção é, também, produção de sentido e ideologia. O cinema de Monte Hellman – agudo como poucos na afirmação dessa consciência – busca uma espécie de grau zero da linguagem cinematográfica, para, a partir dele, reclamar palavras que possam, de fato, carregar todas as suas acepções. À maneira de Ozu, os poucos planos em perspectiva que existem, por exemplo, serão guardados para momentos dramáticos específicos, em geral quando um novo elemento é introduzido (no caso de Disparo para Matar, a personagem de Jack Nicholson) e o jogo, que já parecia definido, se abre de novo, embora apenas temporariamente.

Esse desejo de equivalência que iguala o zero ao tudo se impõe na predileção crescente por composições em tableaux, conectando um notável interesse por certa autenticidade expressa nas locações à bidimensionalidade herdada de sua formação teatral. Esse encontro também se faz presente no seu trabalho com o tempo, inteiramente dedicado à preservação das durações internas de cada cena, mas a partir daqui cada vez menos cerimonioso nas elipses entre elas, que desorientam a hora como uma mudança brusca de luz transforma o palco solar em noite. Nos filmes de Hellman, todo espaço é um palco, certamente, mas o palco não é um espaço neutro; cada um deles carrega marcas próprias em seu fundo insuportavelmente finito.

A noção de finitude gerada por essa equivalência primordial é levada ao paroxismo no final do filme. Assim como Flight to Fury, Disparo para Matar termina em uma perseguição nas montanhas, mas em vez de dois personagens, temos três (mais ou menos): Gashade persegue a mulher sem nome, que persegue o irmão de Gashade – até então ausente, mas frequentemente mencionado como vértice obscuro das motivações da trama. Embora a montagem trabalhe em sentido oposto ao filme anterior, desdramatizando a escalada de intensidade conforme os personagens sobem na topografia, a consequência do raccord esconde uma perturbação interna anterior: o irmão de Gashade é também interpretado por Warren Oates. Embora sejam personagens gêmeos, mas diferentes, essa abstração é soterrada pela concretude ontológica daquelas brutas presenças na imagem fotográfica: é um homem em busca de si mesmo, de fato, mas também a reafirmação da quarta parede como uma superfície que reflete. “Eu sabia que jamais conseguiria escapar”, pois a câmera é uma caixa onde a luz entra para não mais sair. Desse aprisionamento, nasce o filme, que fixa o rastro dos raios que rebatem, sem ter para onde ir, e se chocam com os grãos, de terra ou de prata, da superfície sensível intransponível. A imagem é o próprio fim.

Uma vez no fim, sobram duas opções: se deixar queimar na contradição de um freeze frame ante os créditos finais ou rebobinar toda aquela trajetória, de trás para frente. Daí que o faroeste imediatamente seguinte, A Vingança de um Pistoleiro (Ride in the Whirlwind, 1966), desça a montanha rumo ao confinamento para terminar com a imagem do forasteiro que vai embora (oposto da chegada de Warren Oates, no começo de Disparo para Matar). Um grupo de viajantes mais ou menos inocente se vê preso em uma cabana junto a um bando de ladrões. O casebre, obviamente, fica em uma clareira cercada de montanhas, fazendo deles alvo fácil – com retorno intenso dos plongées e contra-plongées – da brigada de pistoleiros que vem honrar uma aparência de lei (não à toa, um dos bandidos sacrificados é negro, em comentário ainda atual sobre o sistema punitivo norte-americano e não só). O primeiro desafio dos “heróis” está justamente em conseguir ultrapassar aqueles penhascos e atingir o planalto onde a promessa do ponto de fuga e da perspectiva se oferecem como abstrações possíveis além da concretude: dar um passo além do destino.

A Vingança de um Pistoleiro (1966)

A Vingança de um Pistoleiro (1966)

Talvez ainda melhor do que Disparo para Matar, A Vingança de um Pistoleiro é seu oposto simétrico, expandindo, como filmes, a simetria entre iguais do encontro final dos dois Warren Oates no longa anterior. Voltam alguns dos atores, criando profícuos ecos dramáticos, mas enquanto lá Hellman espalhava pouquíssimos elementos em um infinito deserto, aqui diversos elementos são postos a conviver, entulhados em espaços apertados que carregam na janela aberta a única promessa de uma vista – que, claro, dará bem para uma montanha de pedra. O casebre, aquele mesmo espaço que se repete desde A Besta da Caverna Assombrada, não tardará a ser incendiado. O curral, agora cheio, retorna como marcação brechtiana, com cordas que cercam o gado. A perspectiva, aqui, tem seus múltiplos sentidos desviados para afirmação ainda mais perversa: é ela que dá visão e mira aos bandidos que roubam a diligência no princípio do filme, dando partida àquela incessante tragédia de erros. O único destino possível é a forca; o que muda é a postura de cada homem diante desta certeza.

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“Estamos perdidos?”, pergunta Wes (Jack Nicholson), enquanto eles se escondem à noite. “Temos que achar um esconderijo até amanhã”, responde Vern (Cameron Mitchell). “Eu sabia que jamais conseguiria escapar” ganha um sentido ainda mais finito: é preciso tentar encontrar um teto para nutrir as esperanças de se chegar vivo ao dia seguinte. A Vingança de um Pistoleiro é uma espécie de western de câmara: as paisagens trabalham em função dos interiores; o movimento é convertido em concentração e imobilismo; os tableaux são substituídos por uma decupagem mais intensiva – há, inclusive, uma infinidade de planos de homens olhando, uma das mais marcadas distensões temporais consagradas pelo gênero – mas, paradoxalmente, o filme é ainda mais próximo do teatro: toda a correria almeja o momento em que quatro ou cinco atores possam ser colocados em um mesmo cômodo, incitados a contracenar.

Nesse sentido, não há cena mais marcante do que aquela em que Wes e Vern, à altura os dois últimos sobreviventes, aportam na casa de família no meio do nada. Se A Besta da Caverna Assombrada usava as entradas e saídas de cena de maneira automaticamente teatral, aqui elas se fazem verdadeira fonte de drama, em um jogo de expectativa calcado fundamentalmente na tensão entre o dentro e o fora – o cárcere e o céu aberto. A cena, que se alonga por bons vinte minutos, poderia tranquilamente ser parte de uma peça, não fosse ela expandida por um perspectivismo que paraleliza o dentro e o fora, como se a coxia – não só a do teatro, mas literalmente a dos cavalos, pois novamente o curral volta a ser elemento de central expressão, cercando a liberdade dos bichos e dos homens – fosse tão importante quanto a própria cena. O esgarçamento narrativo se manifesta como um teatro hitchcockiano onde cada badalada do relógio só faz aumentar a intensidade do desfecho porvir.

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“Vamos ficar aqui jogando damas enquanto tem um bando de homens querendo nos enforcar?”, pergunta Vern, sentado à mesa em frente ao tabuleiro, antes de os mesmos cutaways lhe trazerem um devaneio ensolarado, que novamente mistura flashback, ação paralela e projeção subjetiva. A Vingança de um Pistoleiro é um filme ainda mais desencantado, mas que, novamente, usa a percepção do fim como disparador para a necessidade de movimento – dos corpos, das peças ou da imaginação. Neste grande filme-caixa, filme-câmera, filme-cárcere, até mesmo a promessa de movimento deixada em aberto por um final in media res reafirma a bidimensionalidade da imagem cinematográfica: por aqui fica apenas a poeira levantada por quem já passou.

Parado em movimento

Com os filmes posteriores, esse amplo paradoxo materializado pelo próprio espaço cênico segue encontrando novos caminhos e possibilidades. Corrida sem Fim (Two-Lane Blacktop, 1971) tem como imagem recorrente a imensidão da estrada através do para-brisa do carro. A promessa de um desconhecido que se amplia a perder de vista é filtrada por essa camada anterior, ao mesmo tempo transparência que se abre para o porvir e redoma que mantém os personagens apartados dessa possibilidade. Tal contraposição fundamental se impõe com limpidez ímpar às cenas, no simples contraste entre interior e exterior contemplado pelo uso frequente de grande angulares e da profundidade de campo: dentro do carro, os personagens permanecem estáticos; é o mundo, do lado de fora, que se move. Gera-se, com isso, um curto-circuito que afirma os absolutos para que eles possam ser relativos, uns aos outros, em uma nova dobra à abstração concreta encontrada por Hellman no Oeste.

Corrida sem Fim (1971)

Corrida sem Fim (1971)

A jornada – bem traduzida no título em português – literaliza com clareza o jogo de opostos que aparece desde o fatalismo desejoso de A Besta da Caverna Assombrada: ante o muro que fecha o caminho, resta acelerar, colocar-se em viagem não necessariamente em círculos – como em Um Lugar Qualquer (Somewhere, 2012), de Sofia Coppola – mas em uma reta que se projeta sobre o precipício último de uma Terra plan(o)a. Embora o road movie tenha se convencionado como aventura picaresca que se transforma de porto em porto, Corrida sem Fim é dos poucos filmes que assumem frontalmente a literalidade do gênero: o sentido da jornada vem não daquilo que ela proporciona, seja como fim ou como trajeto, mas da conjugação da estrada com o movimento que é radical ao termo em inglês que se tornou sinônimo para “filme” (moving pictures – imagens em movimento).

Mas se o espaço aberto é um cárcere, é forçoso que o movimento por ele seja também atravancado. Corrida sem Fim é uma jornada contraposta com paradas que, mais do que proporcionarem oportunidade cênica para o drama, se impõem como interrupções, como elipses, como pousos forçados que reforçam a dupla natureza da própria jornada. Não à toa, os protagonistas – novamente arquétipos sem nome – carregam em suas funções as duas faces da moeda: the Driver (movimento) e the Mechanic (a interrupção do movimento – o defeito). Daí a presença frequente de postos de gasolina (em um deles, uma nova sinfonia de portas e perspectivas se impõe, mais uma vez reduzindo a ação à expressividade primordial do movimento dos corpos no espaço, como na magistral cena do longa anterior), oficinas mecânicas e pit stops em geral que estancam o filme forçando o carro a parar: toda abstração é, também, substantivo concreto; todo movimento, ou ausência dele, é, em si, uma escolha de blocking. Cinema é direção.

Assim como na dupla de westerns imediatamente anterior, panorâmicas perscrutam o movimento no espaço – mais do que o apresentam – ancorando a amplitude ao traço subjetivo que restringe e reorganiza a desordem indiferente, como o rastro de farinha deixado por Gashade no deserto ou o traçado de poeira que marca o fim de A Vingança de um Pistoleiro. Embora existam parentescos possíveis com o cinema de Abbas Kiarostami ou de James Benning pela atenção aguda à topografia, nos filmes de Monte Hellman um espaço raramente existe independente de um personagem, de um corpo que se desloca, se debate e se projeta neste grande palco. Ainda sim, as composições nunca subjugam a existência de um ao outro; interessa, sobretudo, uma fricção entre primeiro e segundo plano que desestabilize a complexa natureza pictórica bidimensional (complexa, pois se desenrola no tempo) do próprio cinema. Rostos, paisagens, anúncios e pneus, todos se igualam no cinemascope esparso; Hopper visto através de Mondrian.

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Essa contradição é resgatada no plano de abertura de Galo de Briga (Cockfighter, 1974), à sua maneira também um road movie: a câmera mostra a paisagem que passa pela janela de um carro, até que um zoom out conjugado a uma panorâmica revela se tratar do interior de um trailer – uma pia com louças sujas, uma cama, e por fim uma gaiola com um galo. A contraposição entre dentro e fora, movimento e fixidez, é toda condensada em um único plano, dando uma espécie de epílogo para a súmula interrompida do filme anterior: assim como Corrida sem Fim condensava, em um só filme, a tensão entre movimento (Disparo para Matar) e imobilismo (A Vingança de um Pistoleiro), agora são as tensões do próprio Corrida que são sintetizadas em um único plano, como se Hellman continuasse desenvolvendo, no filme presente, as ideias pesquisadas no anterior. O que permanecesse, novamente, não é o traço ativo, “o estilo, que marca o filme com a personalidade de seu diretor” (Robert Stam), mas um sentimento que se sobrepõe ao próprio autor, como um objeto que, de súbito, passa a ditar a seus criador os próximos passos necessários para sua própria criação. Um cavalo, mais do que um cowboy. Assim como na dupla de westerns, os filmes parecem estabelecer um único contínuo (embora, entre eles, exista Shatter, filmado em Hong Kong, porém terminado por Michael Carreras, após Hellman ter sido demitido): do primeiro plano, corta para Warren Oates e Laurie Bird sentados nos bancos da frente de um carro, em um quadro que, com exceção do diferente formato de tela que ajuda a aproximar a experiência de Galo de Briga da interioridade do protagonista – diferente dos homens-mural do filme anterior –, bem poderia vir de Corrida sem Fim.

Novamente, signo e significado coincidem: Frank Mansfield (Warren Oates) é o personagem que permanece em movimento, indo de cidade em cidade, justamente para não precisar mudar. Daí a importância da briga de galo como nova imagem sintética da combustão finalista do cinema de Hellman: confinados entre quatro paredes, faz-se inevitável o dispêndio de energia, a descarga transformadora que pode gerar a própria destruição. O ringue, os galinheiros – não por acaso, alinhados feito lápides em um cemitério – e as gaiolas saltam como imagens privilegiadas: pequenos cercados, quase sempre a céu aberto, eles funcionam como delimitação cênica imantada de sentido, como as clareiras, os casebres, os carros e os currais. São, todos, espaços que separam e conectam, que ampliam e restringem, que significam e que existem alheios a qualquer significado. São, todos, celas apenas temporariamente habitadas.

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Antes, a China

Nos filmes seguintes, Monte Hellman levará esse estado de encarceramento a esferas mais literais: tanto A Volta do Pistoleiro (China 9, Liberty 37, 1978) quanto Iguana – A Fera do Mar começam com personagens literalmente aprisionados – e o filme de 1988 será um verdadeiro tratado sobre a perpetuação de uma violência em modalidades de aprisionamento, desta feita restrita à faixa de areia de uma ilha.

A Volta do Pistoleiro traz essa ideia estampada mesmo em seu título original: uma placa aponta, com setas, para duas direções: China, 9; Liberty, 37. A despeito de serem lugares reais, no estado do Texas, novamente a presença de múltiplos significados em um mesmo significante se faz eloquente: até mesmo a China estaria mais próxima dos personagens do que a Liberdade.

A fluidez entre dentro e fora é colocada em questão ainda no prólogo do filme: revertendo o movimento do célebre plano final de Profisssão: Repórter (1975), de Antonioni, a panorâmica descritiva é novamente ancorada em ponto de vista, saindo em zoom out do exterior, até adentrar a cela onde o prisioneiro Clayton Drumm (Fabio Testi) observa a forca da cidade ser testada. Mais uma vez, a aparente descrição espacial é colocada em contraste com a experiência subjetiva daquele espaço, calcado em uma diferença (o fora e o dentro).

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Afinal, se Corrida sem Fim e Galo de Briga terminam em uma parede de angústia, resta retornar ao Oeste – desta vez, o seu próprio, já enevoado por sua mitologia inventada, fazendo o deserto espanhol parecer rigorosamente o mesmo interior norte-americano visto no díptico de 1966 – e catar os cacos, outra vez mais. Magistral euro-faroeste disfarçado de soft porn ­– há, inclusive, uma estupenda cena em um bordel em que o “herói” usa uma mulher nua como escudo para não levar um tiro, ironizando a função das cenas eróticas dentro do próprio filme, tanto como função narrativa quanto como valor de produção – A Volta do Pistoleiro é possivelmente a mais perfeita condensação do cinema de Hellman: minimalista e operático, romântico e seco, evocativo e extremamente fiel às superfícies, o filme promove o encontro entre o pragmatismo exploitation com um refinamento ímpar de mise-en-scène, reunindo certa pulsão selvagem dos primeiros filmes com a arquitetura primorosamente leve encontrada a partir de Disparo para Matar. Se Iguana é, em típico paradoxo hellmaniano, o mais mínimo e o mais alegórico de seus filmes, A Volta do Pistoleiro é o que melhor parece condensar a convivência harmônica dos contrastes mais intensos que cabem eu seu cinema: Luchino Visconti, Sergio Leone, Chantal Akerman.

Novamente, estão lá as clareiras, as montanhas de pedra, os currais e as cabanas… um deserto cercado e uma mulher, acorrentada ao peso do marido, que ao fim do filme poderia proferir, com absoluta sinceridade: “eu sabia que jamais conseguiria escapar”. Mas entre o princípio – in media res, como de praxe – e o fim, olhares são trocados, espaços são habitados, refeições são partilhadas, facas são cravadas e, na secura de relações fecundadas pelo não-dito, a bidimensionalidade da imagem cinematográfica se expande em uma potente teia de relações subtextuais – de movimentos de cinema, enfim.

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Mas o cinema já não cabe mais na tela, e os raios que rebatem e fixam, na película, encontram novas superfícies que se multiplicam nas composições: janelas, portas abertas e sobretudo espelhos criam um complexo jogo de dimensões que traz, de maneira mais convicta, a quarta parede para dentro das composições. O efeito é o refinamento do mesmo: os olhos buscam o ponto de fuga, a possibilidade de transcender a imagem flat, mas toda fuga é novamente convergida para dentro, de volta ao espectador. Espelhos que passam por janelas, ou janelas que passam por espelhos: difícil imaginar poética mais justa para tudo que habita os filmes de Monte Hellman.

O reflexo, do lado de cá

Caminho para o Nada (2011)

Caminho para o Nada (2011)

É natural, portanto, que durante a longa pausa forçada entre Noite do Silêncio (Silent Night, Deadly Night 3: Better Watch Out!, 1989) e Stanley’s Girlfriend – curta de 2006 também lançado como parte do filme coletivo Trapped Ashes – esses raios e rastros continuassem se esparramando dentro desta grande câmara de eco, empurrando cada vez mais o cinema de Monte Hellman em direção à metalinguagem.

Se o curta que imagina um passado para Stanley Kubrick começa a tatear, com digitais um tanto enferrujadas, esse universo de uma ficção inquebrantável, tudo desagua em Caminho para o Nada (2010). Ali, Monte Hellman parece enfim levar à perfeição esta ideia de um filme feito caixa de espelhos: apesar de as brechas deixadas entre as múltiplas camadas da diegese reivindicarem uma participação ainda mais ativa do espectador, todo lugar para onde se olha parece capaz de olhá-lo de volta. É na mais radical abertura ao imponderável – um filme que se oferece ele mesmo como o céu aberto – que os ecos de cada sussurro que bate e volta se tornam mais claros, significantes e insuportavelmente significados.

O sujeito e a paisagem ganham, aqui, um sentido desdobrado: o olhar (dos múltiplos espectadores – incluindo aí o próprio diretor) que se relaciona com a paisagem fílmica… a tela como grande panorama de segredos que apenas se deixam antever, e que sempre olham de volta. Os espelhos e janelas se transformaram em telas (de TV, de laptops, de cinema) e as cabanas e currais se transformaram em túnel; em ambos os casos, o mais difícil é saber o que se esconde do outro lado.

Quando, ao final do filme, Mitchell Haven aponta sua câmera diretamente para o espectador e o contraplano traz Hellman e sua equipe, a filmar aquele mesmo plano, o paradoxo do cárcere a céu aberto parece, enfim, se cristalizar em uma imagem ideal: um filme é uma câmara que, se habitada plenamente, não permite saída. Sabíamos, porém, desde o princípio que não conseguiríamos escapar; mas assim como para seus protagonistas, há um prazer, um gesto inclusive, em trocar energias com todo espaço que, embora finito, oferta a plenitude de uma experiência.

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