Dramaturgia da espera

setembro 1, 2016 em Em Pauta, Marcelo Miranda

Caminho para o Nada (2011)

Caminho para o Nada (2010)

por Marcelo Miranda

“ESTRAGON:
Estou dizendo que não estávamos aqui ontem à tarde. Você teve um pesadelo.

VLADIMIR:
E, na sua opinião, onde estávamos ontem à tarde?

ESTRAGON:
Não sei. Em outro lugar. Noutro compartimento. Vazio é que não falta”.

Esperando Godot, de Samuel Beckett

No início de Caminho para o Nada (2010), a câmera se fixa em Laurel, sentada na cama de um quarto enquanto aponta para as unhas um secador de cabelos. O plano é recortado de um “filme dentro do filme” e progressivamente domina todo o limite do quadro, sempre fixo, alterado apenas na aproximação da câmera à tela do notebook onde é apresentado. Por vários minutos, Laurel, olhar estático e desinteressado, deixa o secador agir. O corte da cena vem quando ela vira o instrumento para o rosto e se deixa relaxar com o ar a mover os cabelos. De novo, vários minutos sustentam este segundo plano. São instantes frugais, quase insignificantes na estrutura complexa que Monte Hellman irá apresentar nas duas horas seguintes. Mas está aqui, na introdução insuspeita e invulgar do filme, um elemento fundamental presente em toda a obra deste cineasta norte-americano tão gigantesco quanto discreto: uma dramaturgia da espera – construção de outro tipo de temporalidade, nem “realista” nem “delirante”, próxima de conceitos de André Bazin sobre a montagem tanto quanto distante deles, capaz de instalar a atmosfera singular a permear os trabalhos de Hellman, este autêntico especialista não só em “esculpir o tempo” (na expressão eternizada por Andrei Tarkovski), mas principalmente em “esculpir a espera”.

Se o conceito de “esperar” remete inicialmente ao tédio ou à expectativa por algo ainda por vir,  no cinema de Monte Hellman a espera é o elemento deflagrador de toda a ação. Esperando, os personagens existem para a câmera, mostram-se profundos na opacidade de relações às quais temos acesso limitado, materializam-se como corpos em choque com aquilo que se apresenta diante deles. Hellman frequentemente é relacionado a Howard Hawks pela objetividade da abordagem e da frontalidade da encenação, e ambos construíram filmes em que esperar está no centro das tensões. Mas o olhar é significativamente distinto: se em Hawks a espera existe com o explícito intuito de ser concretizada em resolução (numa tautologia mais acentuada, ainda que brilhante), em Hellman o desenlace nunca se transforma em problemática – ou melhor, a problemática não está no desenlace, porque os filmes não se “concluem”, e sim são “interrompidos ”.

Hawks e Hellman fizeram faroestes nos quais os heróis, por força das circunstâncias, a certo momento isolam-se num espaço exíguo à espera dos bandidos. Pelas sinopses, Onde Começa o Inferno (Rio Bravo, Hawks, 1959) e A Vingança de um Pistoleiro (Ride in the Whirldwind, Hellman, 1966) poderiam ser filmes-irmãos, mas talvez eles sejam dos faroestes americanos mais diferentes entre si, justamente porque cada realizador trata o tempo e a espera de formas opostas. No primeiro caso, há a convivência a ocupar a concatenação dos planos e a distensão da duração – enquanto o tiroteio não acontece, o espectador sabe e sente que o enfrentamento irá ocorrer. No segundo caso, a tensão entre os fugitivos perseguidos por engano e a família feita refém se liquefaz pelo constante adiamento de um efetivo confronto final, culminando na poesia do caubói tornado criminoso sumindo na paisagem rumo ao crepúsculo.  O mesmo movimento está em Disparo para Matar (The Shooting, 1966), outro faroeste de Hellman: o grande banho de sangue que parece ensaiado para acontecer desde o princípio perde importância a cada novo plano, a cada negação de que as andanças dos personagens irão efetivamente chegar a algum ponto definitivo (a alteração brutal da paisagem ao longo da narrativa reforça o sentimento de que vai ficando esvaziado e embrutecido), para então o filme terminar em “hipercloses” que impedem o espectador de compreender claramente quem está atirando e quem está sendo atingido. Àquela altura, quem mata quem não é mais a questão.

 

“Esperar e fazer com que a plateia compartilhe a espera; e explicar a qualidade da espera: isto não se faz com um ‘enredo’, que converge para um evento cuja produção nos lograria a todos, nem tampouco com o simples preenchimento do tempo em cena (uma leitura em voz alta da lista telefônica, por exemplo)”: as palavras do crítico canadense Hugh Kenner, em 1973, poderiam se referir a Monte Hellman, mas ele falava de Samuel Beckett, mais especificamente sobre Esperando Godot (1953). A peça é uma das maiores referências de Hellman, perceptível em evidências estruturais na relação direta com os filmes e também por um contexto biográfico. Antes de trabalhar com cinema, Hellman estudou teatro em Stanford nos anos 1950. Realizou uma versão de Esperando Godot em 1957 e, sobre a experiência de juventude, de ótima repercussão, ele disse ter sido a única a lhe inspirar novas ideias, dentre todos os projetos nos quais trabalhou na época. O que lhe chamava atenção na peça é, conforme afirmou numa entrevista, “a ideia de que existe um Deus gargalhando do mundo e que só resta ao indivíduo gargalhar de volta”.

Dois anos após o sucesso de seu Godot, Hellman se aproximou do produtor Roger Corman e estreou como diretor de longa-metragem em A Besta da Caverna Assombrada (1959). Ele abertamente carregou inspirações vindas do contato intenso com a escrita de Beckett, o que pode parecer excêntrico quando se pensa numa produção de terror de baixo orçamento sobre um grupo de assaltantes às voltas com uma aranha assassina gigante. Neste primeiro filme, porém, Hellman levou os estímulos proporcionados pelo trabalho com o escritor e dramaturgo irlandês. O esvaziamento crescente das ações centrais se faz presença forte, e não tão disfarçado como seria natural num trabalho de contrato como este. A travessia dos palcos para o cinema (e a impregnação de um com o outro) se dá naturalmente para o cineasta.

A Besta da Caverna Assombrada (1959)

A Besta da Caverna Assombrada (1959)

Misto de horror B e filme de assalto, A Besta da Caverna Assombrada usa o artifício narrativo da impossibilidade de os protagonistas retornarem à pequena cidade ao pé de uma montanha nevada e os obriga a passarem a noite juntos numa cabana isolada. O guia do grupo (único a não estar envolvido com o assalto) e a mulher que integra a quadrilha se relacionam secretamente e tentam fugir do lugar. Entre a indefinição de um rumo e outro, há muita espera, muita dúvida e nenhuma clareza de para onde carregar a atenção do espectador. Para a aranha? Para o destino dos assaltantes? Para a tragédia da mulher (“Sabia que não conseguiria escapar”)? Para a inesperada história de amor? Para as consequências do roubo? Ou para nenhum destes? Ao final inconcluso, a experiência do filme poderia ser definida por um diálogo de Esperando Godot:

Vladimir: Ajudou a passar o tempo.
Estragon: Teria passado igual.
Vladimir: É. Mas menos depressa.

“Esperando” Godot. O gerúndio no título da peça de Beckett é elemento de linguagem que geralmente explicita ação, porém aqui está aplicado a um verbo (“esperar”) que é inverso disso. O título mistura ação e paralisia: Estragon e Vladimir estão parados esperando, ou esperando parados. A ação deles é esperar, e esperar também pode ser um movimento pelo qual se sai de um ponto até chegar a outro. A espera sempre acaba de algum jeito; se não pela chegada daquilo pelo que se aguarda, então que seja pelo fim do relato que a articula. Monte Hellman transfigura a noção ambígua e paradoxal do “movimento em espera”, ou da “espera em movimento” de Beckett, para a especificidade do cinema, arte na qual a relação com o tempo e o espaço tem regras próprias, historicamente bastante desenvolvidas quando o realizador começa a dirigir filmes no final dos anos 1950, mas ainda cheia de caminhos por onde ser alterada e reequilibrada através de outras possibilidades poéticas.

Hellman se apropria do minimalismo e da atmosfera beckettianos. De A Besta da Caverna Assombrada até os títulos mais incensados de sua carreira – os (anti) faroestes A Vingança de um Pistoleiro e Disparo para Matar e os (anti) road movies Corrida sem Fim (Two-lane Blacktop, 1971) e Galo de Briga (Cockfighter, 1974) –, aparece o que Giorgio Agamben chama de gesto: “Uma época que perdeu seus gestos é, por isso mesmo, obcecada por eles; para homens dos quais toda naturalidade foi subtraída, todo gesto torna-se um destino. E quanto mais os gestos perdiam sua desenvoltura sob a ação de potências invisíveis, tanto mais a vida tornava-se indecifrável”. O “gesto” em Monte Hellman está na modernidade de um cinema desde o princípio reflexivo sobre si mesmo e de sua marginalidade incorruptível diante do cenário industrial de Hollywood (no que a película derretendo, imagem final de Corrida sem Fim, é o símbolo mais forte e autoconsciente). O gesto relacionado ao cinema e às imagens em movimento seria aquilo que, no “estatuto da imagem na modernidade”, resolve a contradição entre a rigidez do enquadramento enquanto moldura imóvel diante do nosso olhar e a movimentação captada pela câmera e perceptível dentro da delimitação do quadro: “Isso significa que a rigidez mítica da imagem foi aqui rompida, e que não se deveria falar de imagens propriamente, mas de gestos” (Agamben). Hellman é possivelmente o principal reconstrutor de “gestos” do cinema americano. Ele compreendeu, como Bresson, que, para chegar a uma nova forma de expressão, deveria retornar à essencialidade desta mesma forma e destituí-la ao máximo dos artifícios e das impurezas, para então atingir um estado de suspensão e sensibilidade único e particular, partindo daquilo que seria reconhecível de imediato num primeiro momento (o trabalho com o gênero cinematográfico, do western ao filme de guerra, do road movie ao terror, se faz fundamental) para em seguida alterar substanciosamente a percepção de elementos familiares, quanto mais se evidencia a distância entre o que parece integrado à história pregressa do cinema e o que surge como algo nunca antes visto daquela maneira. “Pois em cada imagem está sempre em obra uma espécie de ligatio, um poder paralisante que é necessário desencantar, e é como se de toda a história da arte se erguesse uma invocação muda rumo à liberação da imagem no gesto”, escreve Agamben. Será justamente uma citação a Beckett a que o italiano irá recorrer no fim do raciocínio: “O cinema reconduz as imagens à pátria do gesto. Segundo a bela definição implícita em Nacht und Träume de Beckett, ele é o sonho de um gesto. Introduzir nesse sonho o elemento do despertar é a tarefa do diretor”.

Se formos procurar em Hellman o “gesto” defendido por Agamben, ele estará na rarefação, no “vazio que não falta” beckettiano proporcionado pela espera. Por mais que se movimentem (e eles se movem muito e sempre), os personagens do diretor circulam para continuarem a esperar. Toda a sua dramaturgia está a serviço de fazê-los, em alguma medida, imóveis, ainda que não necessariamente parados. A imobilidade é de sentido, de existência, de motivação, de algo além do deslocamento como propulsor da espera íntima e internalizada pelo inatingível. É o indefinido, o algo cósmico que ultrapassa qualquer entendimento lógico e atinge o absurdo das situações. Alguns personagens mal sabem que estão à espera. Outros têm a percepção e sofrem com isso, como o GTO (Warren Oates) de Corrida sem Fim, que, ao fantasiar um futuro que ele nunca vai ter, lamenta: “Se eu não me fixar logo, vou entrar em órbita”. Há ainda os que veem o mundo caminhar mais rápido do que são capazes de acompanhar, como o Frank (Oates, sempre ele) de Galo de Briga: preso a um castigo autoinfligido, ele corre o risco de perder a mulher que ama e se resigna: “As coisas deveriam sempre esperar e não mudarem de lugar”.

A presença de um estado de sonho ou pesadelo é característica do cinema de Monte Hellman (não como num David Lynch, que reconstitui a interioridade dos personagens ao grotesco do inconsciente transformado em imagem). A atmosfera de seus filmes seria melhor relacionada a alguns momentos de Luis Buñuel e principalmente de Jacques Rivette e têm algo de um estado de latência pré-sono, quando ainda estamos acordados, mas vagarosamente vamos perdendo a referência do real e do material e passamos a misturar o que é concreto com o que é devaneio, até não mais importar a diferenciação. A própria estrutura dos filmes (“lindamente simétricas”, na expressão de Hugh Kenner) segue esse processo: eles começam com tramas “clássicas”, por pontos de partida claros e diretos, e então se esvanecem minuto a minuto, até atingirem o estado em que as certezas são alteradas completamente, rumo à imersão num mundo até muito parecido com o universo palpável ao nosso redor, porém estranhamente diferente e rarefeito.

Os foragidos Wes e Vern, de A Vingança de um Pistoleiro, tensamente entediados enquanto se escondem num casebre, decidem jogar damas e usam um tabuleiro delicadamente solicitado por Wes a uma refém. Enquanto jogam, Vern se distrai ao pensar em acontecimentos recentes (mostrados numa montagem de flashes desconexos) e murmura: “Parece que não acaba… Mesmo assim é estranho… Nós aqui jogando damas enquanto tem um bando de homens lá fora querendo nos enforcar. Não tem saída”. Disparo para Matar tem vários momentos similares, o primeiro deles logo no começo, quando Gashade (mais uma vez Oates), caneca de café em mãos, está sentado no mesmo lugar onde seu parceiro foi assassinado. Em plano fixo, a música numa nota única, o vento acima do normal, ele sente alguma inquietação. “Vem vindo alguém”, cochicha para si mesmo, numa percepção definidora de tudo que irá acontecer nos 90 minutos seguintes. Corrida sem Fim tem seu grande instante de espera num posto de gasolina: numa mise en scéne extraordinária, os quatro personagens enfim se encontram pela primeira vez. Este encontro, que irá desenhar as bases de uma disputa pelas estradas fadada a nunca realmente acontecer, depende da movimentação precisa e dos olhares de cada um, sem pressa, só na espera de que alguma coisa se faça presente.

Disparo para Matar (1966)

Disparo para Matar (1966)

Corrida sem Fim (1971)

Corrida sem Fim (1971)

Narrativa e visualmente, portanto, existe uma vasta e belíssima genealogia de imagens criadas por Hellman para a grande escultura da espera que é seu cinema: o pistoleiro mercenário que se instala alguns dias na fazenda de sua potencial vítima simplesmente deixando o tempo passar, em A Volta do Pistoleiro (China 9 Liberty 37, 1978); o voo de avião em Flight to Fury (1964), no qual cada passageiro tem um tipo de interesse promíscuo (representados numa continuada dança de cadeiras entre os assentos), todos no aguardo de que a viagem se complete para enfim agirem, porém pegos de surpresa quando a aeronave cai numa selva, fazendo com que a espera de antes seja necessariamente reconfigurada para a sobrevivência de agora; a garota cega e sensitiva de Noite do Silêncio (Silent Night, Deadly Night 3: Better Watch Out!, 1989), a aguardar o assassino que ela sabe estar perseguindo-a na noite de Natal; e tantos mais momentos que retiram os filmes da zona de conforto da narrativa tradicional, prescindindo da causalidade das ações em benefício do apuro sensível.

A Volta do Pistoleiro (1978)

A Volta do Pistoleiro (1978)

Noite do Silêncio (1988)

Noite do Silêncio (1989)

Iguana – A Fera do Mar (1988) talvez seja a experiência mais radical de Hellman nesse sentido, aproximando-se apenas, talvez, de Corrida sem Fim no despropósito cumulativo de um clímax depois de outro. As quebras de ação e ritmo são os propulsores ao testemunho de vidas que seguem sob o jugo tirânico de Oberlus. O marinheiro desfigurado, vítima de maus tratos no barco onde trabalha, foge e isola-se numa ilha. Renega a religiosidade, decreta-se o líder do lugar (vazio) e declara “guerra à humanidade”. Outros personagens aparecem ao longo da narrativa para serem invariavelmente mortos ou dominados por Oberlus – inclusive Carmen, que se torna sua escrava sexual. A exasperação de Iguana se faz estética no total esvaziamento de sentido das ações, a maior delas sendo a “guerra à humanidade” numa ilha deserta.

Sérios problemas de produção obrigaram Hellman a tomar decisões drásticas para manter alguma integridade ao filme, tanto no set quanto no processo de montagem, mas o que ele conseguiu é algo realmente grandioso. Iguana se desenvolve a partir da revolta íntima e pessoal do protagonista e não dá nenhum tipo de concessão. Todo o movimento em cena acontece pelos desejos totalitários de Oberlus, cujo único trunfo é o jeito truculento e impositivo com que lida com cada pessoa. Sua política é a da opressão, contando sempre com a humanidade do outro como ponto fraco do “inimigo”. Suas práticas de sadismo são tais como as de Pozzo com o subalterno Lucky em Esperando Godot, outra aproximação possível de Hellman ao universo de Beckett (vale registrar que Iguana adapta um romance do espanhol Alberto Vázquez-Figueroa. Mas nada é por acaso). A paisagem da locação, nas ilhas Canárias, parece ter sido desenhada para receber o pesadelo construído pelas lentes de Hellman, com a vastidão do mar de um lado e aquelas pedras gigantescas do outro, isolando o pedaço de terra como único espaço transitável no mundo (numa utilização do espaço bastante próxima à de Disparo para Matar, inclusive na composição dos enquadramentos).

Iguana (1988)

Iguana (1988)

Disparo para Matar (1966)

Disparo para Matar (1966)

Não há para onde correr nem fugir, e quem o tentar sofre as consequências na crueldade exacerbada de Oberlus. Hellman filma os atores em relação direta com o ambiente tão aberto quanto sufocante, fazendo-os corpos pequenos diante de uma natureza que não lhes permite escapar. Os enquadramentos aprisionam o grupo como se a própria câmera também estivesse sob o jugo de Oberlus. A espera por alguma coisa indefinida (salvação? guerra?) se conclui numa caminhada para o fundo do mar, bebê ao colo, na certeza de que a vastidão oceânica é o único destino para quem não tem nenhum. Hellman não retoma os demais personagens perseguidos, concluindo o filme no ato final de Oberlus, suspendendo a ação e deixando-os na espera. Talvez ainda estejam lá, imobilizados, no aguardo, quem sabe ensaiando um suicídio continuamente fadado ao fracasso.

O niilismo ao fim de Iguana é diferente da desesperança. Trata-se, num certo sentido, de um desfecho otimista, depois de todo o horror promovido por Oberlus. No primeiro vislumbre de seu filho, ao perceber que sua tragédia poderia se perpetuar, ele toma uma última ação, que, se não pode exatamente ser qualificada como nobre, guarda certamente um senso de moral e coesão que só mesmo ele, tendo atingido aquele nível de perversão diante da “guerra à humanidade”, poderia alcançar. “O ontem morreu e se foi, e não vislumbro o amanhã. E é triste ficar sozinha. Me ajude a cruzar a noite”: a música a tocar naquela mesma cena inicial de Laurel em Caminho para o Nada é uma sentença triste e cruel, cujo significado resvala com precisão em Iguana. Está no caminhar de Oberlus, não rumo à noite, mas ao mar, abraçado ao último vestígio daquilo que o levou até ali. O esvaziamento da espera se resume em duas falas de Estragon em momentos diferentes de Esperando Godot:

“Nada acontece, ninguém vem, ninguém vai, é terrível.”
“Todos mudam. Só nós é que nunca chegamos lá.”

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