in loco - 5o cineop
Quais imagens têm
de (não) ser apagadas - os anos 30 são os anos 2010
por Paulo Santos Lima
A preservação, pauta identitária do CineOP, surge
bastante justificada na 5ª edição do festival, com a temática
histórica dos anos 30. Em contrapartida à importância das mudanças
que surgiram nessa década, que é um momento menos de transição
e mais de introdução, não há tantas imagens sobreviventes que
sirvam de ilustração sobre o que foi realizado cinematograficamente
no Brasil daqueles tempos. Ou seja, não há muito material que
traga um reflexo sobre o Brasil dos anos 30, o de Getúlio Vargas
e seu governo sob as marolas do crack de 1929 e de um cinema
que saía do caseiro para se arriscar em algo mais colossal, tendo
pela frente uma baita novidade tecnológica, o som.
País
sem imagem, país sem rosto, o Brasil ainda consegue se ver no
espelho graças a algumas sortes e valiosas iniciativas de alguns.
A homenagem deste ano foi, portanto, para a diretora da Cinédia,
Alice Gonzaga, que funde algumas das questões que movem a Mostra
de Cinema de Ouro Preto: além de filha de Adhemar Gonzaga (foto
ao lado), fundador da empresa, estúdio com áureo valor histórico,
há anos ela luta pela preservação dos seus filmes. Se boa parte
desse material foi vaporizado pelo tempo, o que vem sendo restaurado
é graças ao empenho de dona Alice. Uma pessoa cara ao festival,
certamente.
A cerimônia de abertura, bastante espetacular,
optou pelo empenho em reproduzir certas “situações” daqueles tempos.
Um ator fez-se de radialista a caráter, anunciando os homenageados
e a evolução da cerimônia. Atrizes-cantoras fizeram divertidas
performances tipo cantoras do rádio. O desfecho, com a cantora
Marina Bueno encenando Carmen Miranda sob chuvas de confetes cintilantes,
impressionou. Encenações são comuns nesses eventos, mas aqui a
empreitada não soa banal, mas inevitável e referente: sem a sorte
de um material visual caudaloso para se exibir na tela do Cine
Vila Rica durante as aberturas e homenagens, a saída foi a recriação.
Mais uma vez, está claro que a restauração e preservação
são emergências imperiais, e não à toa o CineOP organizou as mais
específicas e abrangentes mesas sobre o tema, num ano cuja temática
histórica não exigiu grandes mesas ao passo que a temática da
preservação reuniu técnicos, estudiosos e militantes de causa.
O saldo é alentador, mas, por outro lado, questões cruciais sempre
surgem, sobretudo a política que rege o caminho entre a preservação,
restauro e acesso. Assuntos que foram acompanhados de longe, pois
o material na tela pareceu bem mais crucial.
Além dos filmes sobre futebol, em ano de Copa
(competição que faz os mesmos 80 anos da criação da Cinédia),
a atenção esteve nos antigos, justamente para situá-los, vê-los
com olhos atuais, de 2010, para entendê-los como eram naqueles
anos 30 sem deixar de colocá-los ao lado dos recentes. Fazê-los
contemporâneos, vistos em parelha com os longas, médias e curtas
selecionados pelo festival, e assim encontrar algum traço que
os ligue – a história do cinema. Não seria insano perceber que
um filme como Alô, Alô, Carnaval, mais que uma típica fita
da chanchada que vingou a partir dos anos 40, é organizado num
formato não muito distante dos esquetes cômicos dos programas
humorísticos da TV anos 2000. Ou o belíssimo Mulher, uma
obra que coloca o sexo e o corpo feminino de modo mais físico
e libertário do que o “cinema de qualidade” que se mantém desde
os anos 90, mais a ver com as propagandas de sabonete.
Após as discussões abarcadas pelas outras edições
do CineOP (do cinema dos anos 70 ao debate crítico dos anos 50,
e a relação (dos cinemas) de Sganzerla e Glauber), o CineOP chega
agora a uma pauta que traz alguns dilemas caros ao nosso cinema
ainda hoje. Dilemas de fundação, de ponto de partida. Um deles
é sobre a nossa natureza e necessidade ser a artesanal ou, já
que país em desenvolvimento econômico e inteirado com os meios
materiais, a industrial. A tal discussão dos anos 30 sobre a profissionalização
do cinema permanece intacta hoje, nessa demanda pela técnica que,
à parte ser boa ou ruim, não apaga um certo traço típico do que
seria um certo cinema brasileiro.
Mais vale olharmos os filmes da Cinédia, feitos
sob um desejo profundo (e, em boa parte, realizado) de profissionalização
que, na tela, não tirou um certo aspecto artesanal de suas imagens.
O largo salto fora dado, entre empreitadas aleatórias da era muda
e a era dos estúdios iniciada por Adhemar Gonzaga e sua Cinédia,
mas algumas marcas permaneceram. Marcas constatadas através da
experiência de se ver um filme na tela, e não na leitura dos relatos
de filmes perdidos, apagados pelo tempo ou azar. Constatações
que podem, inclusive, ser rebatidas por outrem cujos olhares receberam
as mesmas imagens de outro modo. E daí o debate crítico. Um festival
de cinema serve sobretudo para pôr pessoas defronte à tela e lhes
fazer surgir alguma motivação: emotiva, memorialística, sensorial
ou crítica. Sem algo a preencher o vazio da tela, não há cinema,
há o vazio. Que essa preservação proposta nos debates do CineOP
(reiterada pela presença táctil desses filmes anos 30 salvos da
morte ou a cópia estalando de nova de um Garrincha - Alegria
do Povo que é síntese do que o grande cinema tem de ser como
realização estética e visão lúcida de mundo), seja para algo a
partir disso, e não ao discurso de termos de preservar nossa história
– pois, se os anos 30 encostam nos 2010,
a história é agora.
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