in loco Dia
9: Final de competição e, de novo, o tal do "filme gay"
por João Cândido Zacharias
Meu último dia no festival e também chega
ao fim a Competição. Os dois últimos títulos não
parecem ter feito muito barulho por aqui. Il y a longtemps que je t`aime
tem lá seu interesse e falo dele logo abaixo. Já Ballast,
mais uma história de uma família desunida lidando com a morte, me
pareceu a mistura de alguns clichês a uma câmera na mão em
scope que a principio até dava certo interesse. Mas só me
pareceu, não tenho certeza de que seja isso, já que o sono e a falta
de interesse gerada pelo filme me fizeram dar vários cochilos durante a
sessão. E aí, prefiro não escrever mais do que estas mal
traçadas primeiras linhas. * * * Il
y a longtemps que je t`aime.../I`ve Loved You So Long..., de Philippe Claudel
(França/Alemanha, 2007) - Competição oficial A
perda, de novo Fui assistir a Il y a longtemps que
je t`aime (algo como "Eu te amo há muito tempo") na segunda sessão para a
imprensa e já sabendo que ao final da primeira todos os críticos, sérios como
só eles, tinham saído chorando como bebês. Fui esperando o filme
mais triste do mundo, à la Menina de Ouro ou Laços de
Ternura. Triste certamente o filme é, mas longe do padrão tear jerking
que eu estava esperando.
A
premissa básica lembra muito a de Boy
A: Juliette é uma mulher que, depois de 15 anos, sai da cadeia
e vai morar com sua irmã mais nova, que não via desde que fora condenada. Girando
em torno dessa readaptação de Juliette à vida normal, Il y a longtemps
também lembra muito um filme visto ontem, Caos
Calmo. Sem revelar muito da trama, dá para dizer que o filme de
Philippe Claudel também é sobre a superação de uma perda, ainda que ela
não seja nada recente. Se no filme estrelado por Nanni Moretti, o personagem principal
via na aceitação de sua dor a razão para continuar vivendo, aqui Juliette (Kristin
Scott-Thomas) parece só poder voltar a existir depois que deixar os traumas
de sua perda para trás. Claudel tem sucesso em momentos
bonitos, como todo o desenvolvimento da relação da personagem com sua sobrinha
e a sua redescoberta do amor (ou ao menos de uma relação homem-mulher como não
tinha há 15 anos). Por outro lado, a mão pesada nas cenas com o cunhado ("Você
vai deixar nossas filhas... com ela?!", pergunta ele assustado a esposa) e com
toda a sorte de preconceitos sofridos por seu crime (a expulsão da entrevista
de emprego), fazem o filme ter um interesse errático, em ondas. Isso certamente
impediu meu envolvimento e as lágrimas passaram longe de mim. *
* * Derek,
de Isaac Julien (Reino Unido, 2008) - Panorama
Café com Leite, de Daniel Ribeiro (Brasil,
2007) - Geração Mais um pouco do
filme gay Vi
dois filmes seguidos nesse último dia de festival que, vejam só,
pareciam gritar de volta para mim sobre toda a discussão em cima de filmes gays
levantada outro dia. O primeiro
deles é Derek, documentário sobre o diretor inglês Derek Jarman,
morto em 1994 de AIDS. Menos pelo interesse do documentário em si (com uma narração
cheia de auto-importância de Tilda Swinton) e mais pelo papel de Jarman dentro
disso que se chama cinema gay. Eu nunca vi um filme dele e posso falar muita besteira,
mas anoto aqui alguns pensamentos que me vieram. Uma das linhas narrativas do
filme é uma longa e bem informal entrevista com o diretor, pouco antes
de sua morte, em que ele conta não só sobre a sua vida, mas especialmente
sobre de onde vinham as idéias para seus filmes.
A questão é que
Jarman me parece, como Bruce LaBruce (ainda que numa chave bastante diferente),
ser um belo exemplo de cinema gay de verdade, com seu desejo de se focar na diferença,
mais que na igualdade. Algumas cenas de seus filmes mostravam muitos homens fortes,
sem roupa, se abraçando, se beijando. Fiquei curioso em procurar assistí-los
agora, principalmente para tentar desenvolver mais essa idéia. Jarman, conta o
filme, era engajado em causas dos gays, especialmente por ter descoberto ser HIV
positivo no meio dos anos 80 e ter passado quase dez anos com a doença ("Os médicos
dizem que eu sou um milagre", diz ele em certo momento). E
aí, vi também Café com Leite, um dos curtas brasileiros que passaram
por aqui, a história de dois irmãos que tem de lidar com a morte repentina
dos pais. Danilo, o mais velho, já trabalha e quer sair de casa. Lucas, o mais
novo, ainda esta na quarta-série e ligado em videogame. No dia em que os pais
morreram, Danilo tinha pedido o namorado Marcos em casamento ("Não agüento mais
morar naquela casa!", diz). Acontece que em Café com Leite, ao contrário
de First Love, o casamento
dos dois está longe de ser a questão central do filme - muito pelo contrário,
ele não é questão em momento nenhum. Se com a morte dos pais, Danilo passa
a assumir a responsabilidade também pela vida do irmão e acaba adiando um pouco
os planos com Marcos, a nova formação da família se mantém além do fim
do filme, com Lucas aceitando Marcos dentro de sua casa, muito mais como um elemento
novo em si do que como um homem. Ao final, na sessão de
perguntas e respostas, pergutaram a Daniel o porquê de ser um casal gay, já que
poderia perfeitamente ser um hetero. Daniel, com cara de "essa pergunta de novo!",
disse que foi exatamente por isso, porque poderia ser tanto um quanto o outro.
Mas uma das questões de Café com Leite é exatamente essa: a formação
de uma família que pode ser de qualquer maneira, se existirem os laços. Então
acho que esse é mais um dos méritos do filme: colocar em questão o próprio
rótulo de "filme gay", tendo como protagonista um casal de homens mas não sendo
em momento nenhum sobre esse casal. É, parece que
o assunto ainda vai gerar mais discussão... Fevereiro
de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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