in loco Dia
8: Boas (Grimaldi, Kollek, Morris) e más (Guédiguian) notícias
por João Cândido Zacharias
A sensação geral é de que a programação
de Berlim pregou uma peça e deixou os filmes bons pra segunda metade do
festival. Os novos filmes de Antonello Grimaldi, Amos Kollek e Errol Morris, cada
um à sua maneira, agradaram o pessoal por aqui. *
* * Caos Calmo/Quiet Caos, de Antonello Grimaldi (Itália,
2008) - Competição oficial A dor que nunca
passa Caos Calmo talvez seja um dos títulos de
filme mais interessantes que eu vi recentemente. A princípio parecendo
um paradoxo, a expressão acaba por ser uma descrição perfeita da viagem pessoal
na qual entra Pietro, um pai de família que perde a esposa e, ao lado da filha
pequena, tem de lidar com essa ausência.
Nanni
Moretti num drama sobre a perda de um familiar muito próximo... O Quarto do
Filho 2? De jeito nenhum. O filme de Grimaldi vai procurar uma outra direção,
quase que oposta a do filme que deu a Moretti a Palma de Ouro há alguns anos.
Em pouco tempo e com bastante suavidade, Caos Calmo cria sua situação principal
e seu cenário central: sem choro, sem sofrimento externo, Pietro resolve, depois
de perder a esposa, passar seus dias sentado no banco da praça em frente à escola
da filha. E é ali, quase que como seu escrito particular, que ele vai lidar com
varias "seções" de sua vida: o trabalho, as mulheres, a filha. Nesse desenrolar
calmo das semanas após a perda é que o filme vai crescer. Se por
um lado Pietro não demonstra sofrimento (e chega a confessar ao irmão que ainda
não conseguiu chorar), por outro o olhar de Nanni Moretti carrega um peso que
não nega a tristeza por trás dele. Mas se tem algo que Caos
Calmo não é, é um filme sobre a superação da perda. Ao final,
Pietro não "levanta a cabeça", não dá "bola pra frente". Ele certamente continua
sua vida e abraça as possibilidades de felicidade, especialmente ao lado da filha.
Mas a beleza do filme está nessa defesa de que existem certas dores, certos
machucados, que nunca curam, que nunca vão passar. E que mesmo assim ainda se
pode continuar caminhando, vivendo e convivendo com essa dor. E Nanni Moretti
é o melhor ator do mundo para expressar esse caos calmo. *
* * Restless,
de Amos Kollek (Israel/Alemanha, 2007) - Competição
oficial Drama de família Outra
bela surpresa, muito bem recebida por aqui, foi esse filme de Amos Kollek, aquele
típico "drama de família" que vai te ganhando aos poucos, crescendo de um simples
emaranhado de clichês para um complexo emaranhado de clichês.
A
princípio, Restless parece ser mais um dos filmes rasos sobre a
relação Israel/Palestina, mas qual não é a surpresa quando aos poucos descobrimos
que a relação entre pai e filho é o grande mote do filme. Moshe é
um israelense cinqüentão, camelô-biscateiro, que mora ilegalmente em Nova
York, para onde foi há exatos 21 anos, quando seu filho nasceu. Tzach é
o filho abandonado, deixado em Israel à sombra da mãe depressiva. Quando ela se
mata com uma overdose de remédios, Tzach resolve que é hora de procurar
o pai. Enquanto isso, Moshe parece estar, depois de muitos anos, redescobrindo
um dos motivos que o levaram a deixar Israel: a poesia que ele, um dia, por acaso,
começa a recitar num bar da comunidade israelita e começa a fazer um certo sucesso.
Deve-se dizer que Kollek tropeça em vários momentos, especialmente
nas cenas que criam uma certa tensão política desnecessária ao filme. Uma de suas
questões, ainda que não tão óbvia, é pensar o que significa a nação na
existência das pessoas; o que os laços com um país, com uma terra, afetam o nosso
dia-a-dia. É aquele velho ditado: Moshe saiu de Israel, mas Israel não
saiu de Moshe. Portanto, a volta do filho (que só agora ele esta preparado para
ter), e a volta de Moshe para Israel, mesmo que não fisicamente, pelo menos emocionalmente.
Moshe Ivgy, ator desde 1980, mas que, confesso, não conhecia, carrega Restless
nas costas. Seu rosto lembra o olhar do francês Pierre Arditi, sofrido ainda que
cheio de vida. Moshe e seu filme foram uma bela surpresa. *
* * Standard Operation Procedure, de Errol Morris
(EUA, 2008) - Competição oficial Voltando
ao Iraque No último ano, uma quantidade enorme
de filmes lidando direta ou indiretamente com a guerra do Iraque apareceram por
aí: No Vale das Sombras, O Suspeito, Leões e Cordeiros
e Redacted são alguns dos filmes de ficção mais comentados em cima desse
tema. Esse último, o filme de Brian De Palma, é o que mais parece ecoar
em Standard Operation Procedure, novo filme de Errol Morris. E não é
à toa que SOP, como é chamado carinhosamente, faz lembrar
mais uma ficção do que um documentário. O
esquema é simples: Morris entrevista o grupo de soldados condenado pelas
fotos publicadas em 2004, que mostravam cenas de tortura e humilhação na prisão
de Abu Ghraib, no Iraque. Ele mistura essas entrevistas às imagens das fotos e
pronto. São duas horas de uma investigação toda particular, com o olhar profundo
de Morris que, lembrando Eduardo Coutinho, consegue arrancar os depoimentos mais
incríveis com as perguntas mais simples. A construção de Morris, unindo a fotografia
de Robert Chapell e Robert Richardson à trilha de Danny Elfman, cria na verdade
um verdadeiro filme de horror - aí sim lembrando Redacted. Mostrando
os soldados de frente, falando abertamente sobre o acontecido, como pessoas comuns
(e não os monstros imaginados desde a revelação das fotos), a grande questão de
SOP é: como é possível isso ter acontecido? É
claro que Errol Morris não está procurando uma resposta satisfatória e
talvez isso tenha feito com que a recepção tenha sido a mais fria desses últimos
filmes em competição por aqui. Talvez a platéia de jornalistas de festival, em
sua ânsia de correr de um filme pra outro, tendo que escrever no meio do caminho,
precise de um tempo para digerir Standard Operation Procedure. Se o filme
não é objetivamente um "dedo na cara", ele, com sua estrutura de cinema
de horror calmo, tem sim força de jogar para o público todas as
questões que levanta. É um filme para se rever. *
* * Lady Jane, de Robert Guédiguian (França, 2007)
- Competição oficial La Rabia, de Albertina Carri (Argentina,
2008) - Panorama Puxando a média pra baixo A
competição parece mesmo ter melhorado nesses últimos dias, mas houve ainda mais
dois títulos, um na própria competição e outro no Panorama, que puxaram essa média
para baixo. O primeiro deles, Lady Jane, o novo Robert Guédiguian,
só reforça a impressão tida com Armênia: de que o diretor, de certa maneira,
perdeu sua vontade de filmar. Porque, ainda que Lady Jane tenha algum interesse
em sua primeira metade, com as referências ao cinema noir e sua história
levemente rocambolesca, fica claro que Guédiguian não se interessa por
nada daquilo. Então, se o diretor não se interessa, fica muito difícil de eu me
interessar também. E aí, dá-lhe planos feios, atores repetindo as
mesmas caras de sempre, história muito da mal desenvolvida... Onde está
o cineasta que amarrou uma corda em torno de Marius e Jeannette? O
outro filme foi La Rabia, da argentina Albertina Carri, mais um exemplar
latino do mundo cão, onde todos se odeiam, sexo é errado e traição é
regra. Antes da sessão, Carri disse "Apesar do título, esse filme foi feito
com muito amor". Os 20 minutos a que assisti não mostravam nada disso, mas não
fiquei para conferir o resto. Depois de dias e dias correndo de uma sala pra outra
em festival, eu realmente não quero ver em closes detalhados o processo de morte,
limpeza e cozimento de um porco. Pelo menos não incluído no discurso raivoso de
Albertina Carri. Fevereiro
de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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