in loco - III festival de paulínia
Dia
5: O zero absoluto
por Paulo Santos Lima
Tendo visto Uma Noite
em 67 no É Tudo Verdade, e
escrito sobre o filme então, fica aqui apenas o registro de
como a sala cheia, o som dolby, a projeção e a grande tela fizeram
da experiência com o filme uma inusitada transposição (conversão)
para os dias de hoje do que creio ter sido assistir aos shows
da TV Record in loco, nos anos 60. Repito, aqui, o quanto
a simplicidade deste documentário trabalha ao seu favor, pelo
menos como filme de estreantes que lidam jornalisticamente com
o assunto. E como o Theatro Municipal
de Paulínia, cujo “h” faz bom coro com a leve gordura que vai
do grosso tapete vermelho a uma certa gala no espírito do evento,
possui uma sala de cinema impressionante – evidência de uma riqueza
material inconteste, e que tem de ser levado em conta quando observamos
o que é o Festival de Paulínia junto aos propósitos do pólo de
produção. Nada de atacarmos o intuito, já que, na prática, está
claro que mais esse canal de produção é uma das boas notícias
sobre a cinematografia brasileira. Mas e o papel do Festival de
Paulínia? Qual o sentido em se querer produzir cinema e deixar
em exposição na “vitrine” do festival uma curadoria que escolhe
filmes que impossibilitam qualquer aproximação intelectual, inteligente,
como As 12 Estrelas e, neste 5º dia de evento, o ainda
pior Dores & Amores? Se a intenção de Paulínia
é fomentar cinema “de qualidade”, como sua tecnologia e generosidade
de editais deixam patentes, o começo está em se pensar antes de
fazer. Discutir, apoiar, rejeitar, chamar à praça pública das
mesas, ou mesmo corromper a assepsia das coletivas e, quando necessário,
fazer o circo pegar fogo.
* * *
Dores & Amores,
de Ricardo Pinto e Silva (Brasil/Portugal, 2010)
Este
Dores & Amores, de Ricardo Pinto e Silva, não merece
maiores discorrimentos. Pensar o raso e o já muito mastigado é
estar no ponto morto, no vácuo, no zero. Porque um filme precisa
transcender algo, mesmo que não necessariamente gerar uma reflexão
– isso pode vir como decorrência de um processo complexo, íntimo,
de experiência. Mas um filme precisa de uma reflexão para ser
realizado. E esta é uma obra sem idéia, sem pensamento crítico
de seu criador, um trabalho que se coloca no zero, na subtração
total de qualquer índice que estimule os questionamentos e ânsias
críticas sobre ele próprio. Ricardo Pinto e Silva, com seu trabalho,
e a empáfia com a qual vociferou contra as críticas negativas
ao seu filme, desrespeita o esforço de colegas. Não é uma questão
de entendimento interno sobre seu filme (ele, pai deste seu filho,
até pode, sim, achá-lo bom), mas de olhar para o lado e entender
o contexto no qual seu longa aterrissa... um contexto precário,
de certo modo, mas também bastante rico de esforços, alguns resultando
em obras fenomenais.
As reações negativas ao filme (inclusive comparando-o
às novelas trash do SBT) mereciam ser recebidas como um
presente, e não com fúria de seu diretor, porque Dores &
Amores é desses trabalhos que cometem um dos piores crimes,
o de nos desabilitar para qualquer reflexão crítica, o de gerar
apenas um desânimo sensorial, no máximo largar seu julgamento
à adjetivação. Eu, particularmente, por questão ética com o leitor
e com minha integridade mental, recuso-me a comentar sobre o conteúdo
e forma deste garrancho que, de quebra, ainda atenuou a infelicidade
audiovisual do filme de Luiz Alberto Pereira. Se é respeitável
a aparente intenção de Paulínia em, com seu pólo, fazer bonito
na cinematografia nacional, seu discurso de resultados encontra
uma sombra tenebrosa quando dá espaço de exibição para um Dores
& Amores, pois legitima como cinema o que é a própria
negação do cinema. A coletiva, com sua natureza inclinada à chapa
branca, viu uma reação bastante saudável dos jornalistas e críticos
presentes, que se mobilizaram contra o filme, e seu diretor com
sua postura ignóbil. Mas gastaram tempo, como que tirando água
de um navio naufragado. Politicamente, o certo é parar por aqui,
deixando o título, Dores & Amores apenas para não deixarmos
de lado qual motivo permitiu que isso chegasse a uma tela de cinema.
Julho de 2010
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