in loco - cobertura dos festivais
Foxfire: Confessions of a Girl
Gang
(Foxfire, Confessions D’un Gang de filles),
de Laurent Cantet (França/Canadá, 2012)
por Fabian Cantieri
Hasta
la victoria imposible
Foxfire: Confessions of a Girl Gang nos apresenta um
possível trajeto de utopia e seu conseqüente, inevitável,
fracasso. Um trajeto de heroínas idealistas que se comovem
inicialmente com uma injustiça, mas que não conseguem
se dissociar de suas próprias iniqüidades vindouras.
Numa entrevista aqui
na Cinética, Laurent Cantet, falando sobre o professor
de Entre os Muros da Escola, antevê a continuidade
política que poderia se alastrar facilmente para as meninas
da gangue: “na verdade, eu acho que ele está bem
próximo dos protagonistas de todos os meus outros filmes.
Ele é um tipo de idealista, que tem uma maneira muito firme
de se posicionar diante do mundo, mas que se confronta com um
mundo onde estas opções não têm espaço.
E no fim, como em todos os meus filmes, meus personagens sempre
precisam voltar a funcionar sob as regras que no começo
eles haviam recusado”.
Desta
lógica, apreende-se uma diretriz, mas se observa também
um desvio. Diz-se por aí que, enquanto o machismo é
uma atitude de superioridade, o feminismo é uma política
de igualdade, e, ao início do filme, elas realmente parecem
não dever nada à gangue estereotipada de rapazes
rebeldes dos anos 1950. Inclusive, na hora em que a suposta fisicalidade
pesaria na balança, Legs (Raven Adamson) mete uma faca
no pescoço de um deles e os ameaça se impondo no
mesmo tom. Mas enquanto nesse começo, além da faca
que estabelece a eqüidade, seus outros atos são de
revanche contra ações espúrias – o
bullying do professor de matemática, o assédio do
tio de Maddy (Katie Coseni) – mais tarde, com o movimento
mais instituído e a casa comprada, seus feitos vão
girar eminentemente para a sua sobrevivência.
Foxfire é transposto do livro homônimo de
Joyce Carol Oates, e um dado relevante de omissão ou de
significante mudança na transposição é
que, enquanto no livro Legs insiste que elas devem doar algum
dinheiro anonimamente para pessoas carentes daquela comunidade,
no filme, a única menção nesse sentido é
a doação privada de uma pequena quantia de Maddy
para sua mãe. É quase uma doação utilitarista,
pois a família passa por necessidades e no fundo esse dinheiro
está sustentando ela mesma, sendo esta “doação”
apenas uma troca de gestão. Essa sutileza é a pedra
de toque do interesse de Cantet – afasta-se o anarquismo
(e não há de ter nenhum Coringa queimando montanhas
literais de dinheiro) e o pleno “aqui se faz, aqui se paga”
para se vislumbrar a implementação prática
das teorias igualitárias. Todas elas vêm por água
abaixo, pois são desmedidas pelo peso do dinheiro.
É pela moradia comunitária no casarão que o velho paradoxo marxista resplandece. Na teoria (leia-se, na fala de uma das meninas), os “homens são inimigos”. Mas quando isto é posto em prática minimamente, pela necessidade de sustento, o novo trabalho – tirar dinheiro de homens depravados que abusam das mulheres, instigando-os até o acerto final – se revela uma clareira de incongruências. Pois, como o óbvio mostraria, nem todo homem é um pervertido. E aquele que perde sua carteira, sem antes ter feito nada, merecia o benefício da dúvida.
Sexualidade
à parte, sobra a convivência entre elas e a entrada
de novas integrantes ao círculo utópico que já
demonstra seu cansaço. Se em Entre Muros da Escola
tínhamos a falência do sistema escolar e uma
conseqüente necessidade de olhar para isto não mais
com a proatividade da rebeldia, já que as coisas ganharam
conotações mais complexas do que em meados do século
XX (o professor não mais diz o que precisa ser feito),
aqui, justo nos anos 1950, a iminência da revolta é
como um grito em direção ao maior sistema político
de oposição do século XX. Mas Cantet filma
seus heróis com a vidência do fracasso que o século
XXI reconhece no socialismo. Se, por um lado, perpassamos tropegamente
pelas vidas dessas meninas que não sabem o que fazem (e
nisso, nasce um maravilhoso jogo enfadonho de um filme efetivo
dos anos 1950, um filme do qual nós já sabemos os
passos, um filme que vemos de um futuro “esclarecido”),
Cantet claramente diferencia as batatas do mesmo saco. Nem todo
barbudo estampa camisas do Che. Enquanto Maddy toma a postura
mais difícil ao assumir que não pode dar o último
passo pedido (a do seqüestro do milionário), desenha
a linha e não atravessa o riscado, Legs vai até
as últimas conseqüências por um tratado ideológico
congelado desde a adolescência.
A visão de Maddy quando pega o jornal não poderia ser mais esclarecedora: a moça de direito que toma café com a velha amiga, troca fofocas e provavelmente se sente agradecida pela “sobrevivência mais confortável” proveniente de sua decisão, mas relembra nostalgicamente as loucuras do passado, talvez até invejando o outro lado impresso com aquela cara (potente, porque o filme faz questão de mostrar que “poderia ser ela”) de, como ensinava o professor, quem vive no fervor do movimento - com aquela face, vestimenta e postura arquetípica de uma militante de Fidel e sua eterna luta diária contra a desigualdade fatal do mundo. Falava também o professor que a felicidade é uma jornada e não uma meta. Desses dois universos, quem tem o discernimento de uma real justeza nunca entendeu isso, e quem vive o dito platônico não enxerga a beleza da alteridade. “It’s a no-win situation”.
Outubro de 2012
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