diário da redação
Dissecando os Coen edição
de Eduardo Valente Se os Diários
da Redação sempre quiseram trazer o leitor para dentro dos nossos
processos, mostrando de uma maneira descontraída que a crítica e
as idéias vão se formando muitas vezes a partir dos estímulos
mais inesperados, talvez este seja o melhor exemplo do caminho da articulação
de pensamentos dentro de uma "redação virtual" como a
nossa. A partir de um simples comentário, um verdadeiro "one-liner"
originado na leitura da crítica de um colega, logo surge uma discussão
que mobiliza ao menos quatro críticos da revista. É então,
a partir deste troca absolutamente despretensiosa que se torna a percepção
de que havia mais a discutir para além das primeiras críticas sobre
alguns dos filmes em cartaz, que começa a germinar a idéia deste
especial sobre o "Cinema Americano Hoje" que agora vem à tona
completo. * * * Eduardo
Valente, 2/2/2008, 12:56cléber acho curioso no seu
approach apenas que ele tenha se fixado nos dois extremos (Chicurgh e o xerife),
mas passe por cima do fato de que o protagonista é o personagem do Josh Brolin. Cléber
Eduardo, 2/2/2008, 21:04
Acho que a tese do filme está nos
extremos. o protagonistra é pretexto para os extremos. Paulo
Santos Lima, 3/2/2008, 03:17
A discussão dos Coen, como
tudo que eles fazem, já é carne de vaca. Gosto de algumas coisas do filme, mas
acho que os elogios feitos são extremamente injustos: pq o filme não é, assim,
tão superior aos outros que eles fizeram. O Matadores de Velhinhas, francamente,
eu acho muito bom, porque a discussão, pelo menos, fica naquilo que eles sempre
foram: cinéfilos, e não diagnosticadores (existe essa palavra?) da sociedade onde
vivem (e filmam). Cléber Eduardo, 3/2/2008, 10:30
Eu
também prefiro Matadores de Velhinhas, mas, em alguns filmes, Paulo, até
acho que são levantadores de sintomas, que tratam evidências como sintomas mesmo
(para além da autonomia das situações, tipo Fargo e O Homem que Não
Estava Lá), mas certamente não diagnosticadores, porque isso pressuporia propor
relações e associações entre o que se mostra e o contexto do lugar onde se situam
as situações. Deles, o que gosto de verdade, realmente, sem nenhuma restrição,
é O Grande Lebowski. Curioso como o protagonista deixa
de ser questão a certa altura, para a lógica do filme, e o filme se concentra
nos tais extremos, o xerife e o doidão, a tese e sua confirmação, a testemunha
de um tempo histórico e o sintoma desse tempo, deixando claro que, decididos que
essas seriam as forças em oposição aos olhos da instância narrativa (a lei dos
velhos tempos e a degradação dos novos tempos). Para mim, vendo o filme, tive
a impressão de que, se no lugar do protagonista fosse colocado qualquer outro,
não haveria nenhum problema, porque, antes do perseguido (para a lógica interna
do filme), está o perseguidor e a testemunha estupefata. O protagonista parece
ser a "força do acaso", que retomará adiante, porque, embora ele tenha
decidido pegar a mala de dinheiro, essa decisão foi propiciada pelo uma casualidade,
ele estar em um lugar em determinado momento. Mas não é disso
que o filme parece querer tratar, ou não é nisso que parece desejar centrar-se,
já que, como canta antes da primeira imagem o xerife dos velhos tempos, há uma
afirmação a ser ilustrada e comprovada, a da violência cada vez mais insana, e
essa comprovação virá pelo Javier Bardem, mesmo sendo relativizada por diálogos
sobre a violência dos velhos tempos e pelo própria fato de que, em vez de filmar
uma história situada nos anos 2000, escolhem uma ambientada nos anos 80 – de modo
a reforçar a antítese da tese (a violência como problema cultural e não contemporâneo). Existe
na própria fala inicial do xerife um "estamos condenados a ser assim e temos
de lidar com isso". Por que? Não importa. Só importa que assim é. O protagonista
é o homem americano empenhado em sobreviver entre a lei falida e o mal "metastasiado".
Nem falei no que significa, para além dos limites do quadro, o fato do mal estar
em um ator espanhol, agindo em uma terra "infestada" de chicanos, que
são fichinhas perto do mal daqueles que o antecederam (os espanhóis), da gênese
dos problemas anglo-saxões na região (os de origem espanhola). Mas esse, deixo
para os estudos culturais... hehehe Luiz Soares Júnior,
3/2/2008, 16:32
Acho que esta "insignificância"
do personagem principal passa pela rarefação da figura do herói como chave-mor,
decodificadora. Ele é não é mais visto, como na "iconografia" clássica,
como o homem que vai ser portador de uma experiência, como a luz que, retrospectivamente
(à la Hegel), e ao mesmo tempo prospectivamente, engendra nesse "experienciar"
o sentido de sua cultura e sua História. Agora ele é um ponto perdido no meio
de uma conjugação de forças maiores, o Acaso, a Natureza e a Cultura venceram
a parada, ele já não tem meios ou expectativas de dominar e dar sentido a nada. Curiosamente,
acho que não existem a bem dizer heróis na filmografia deles. A coisa passa sempre
por um enaltecimento da figura do americano médio, caipira, sensato até o nível
da opacidade gregária (vista como bem-vinda) ou do conformismo letal, fascista,
destrutivo (algo visto com mais clareza no primeiro filme, Gosto de sangue,
em que ninguém se salva.). Esse personagem não aspira a ser
herói, não tem meios (nem meio) para isso, o herói o assombra como uma fantasmagoria
mais projetada pelos espectadores (afinal, os Coen retrabalham códigos narrativos
bem familiares, no mais das vezes) do que construída internamente. Nem o personagem
do Bardem nem do xerife são heróis, ou chegam perto disso. Um se impõe por uma
presença física, imanente (Bardem), o outro por uma presença fantasma
por excelência: transferencial, projetiva, nostálgica, no máximo ideal e romântica
da lei. O personagem principal, então, é uma barata insone, prestes a ser esmagada
a cada plano. De nenhum deles emana a presença épica, aurática,
permutável com o espectador (ele é o que eu poderia ter sido, ele me atualiza)
e ao mesmo tempo distanciada, de cromo, do herói tradicional.
Cléber,
Feb 3/2/2008 18:16De tudo o que disse Júnior, só questiono
se, em relação a figura do caipira, existe enaltecimento. Se fosse preciso reduzir
todos os filmes a umas poucas linhas, com a redução assumida como parte dessa
operação, eu optaria por ver cada parte como parte de um visão generalizada para
localizá-los em um processo histórico no qual o homem simples das pequenas comunidades
e o homem sofisticado dos grandes centros tinham a nobreza de serem peças de uma
comunidade, mas foram infectados pelo vírus do próprio processo histórico – e
podemos voltar a Hegel – até se tornarem bestiais e quase quadrinescos em seus
comportamentos. Nesse sentido, o meu para o conjunto deles,
o novo filme é síntese, porque é "sobre a obra deles". Portanto, mais
que enaltecer, eles problematizam, de forma dicotômica, não sem algumas esquinas
com certa parte da filmografia de David Lynch, não sem alguma estratégia de Gus
Van Sant, mas com distanciamento mais aproximado de seus universos – ainda que
distanciado, ainda que cada ser seja algo além de um ser, seja a confirmação de
uma "impressão" daquele segmento da América. Há um lamento, não sem
cinismo, não sem um "o que fazer, somos isso ai mesmo". Fevereiro
de 2008 editoria@revistacinetica.com.br |