ensaio Três
projetos estéticos em Cannes por Cléber
Eduardo Não é nenhuma novidade a presença de
curtas brasileiros nas diferentes seções de Cannes. A presença constante dos brasileiros
demonstra uma sintonia entre as ofertas dos projetos estéticos e a demanda por
certas características por parte de Cannes. Não são identidades únicas. Isso é
facilmente identificável nos curtas selecionados nos últimos anos: Um Sol Alaranjado,
Castanho e O Monstro (Eduardo Valente), Vinil Verde (Kleber
Medonça Filho), Da Janela do Meu Quarto (Cao Guimarães), A Janela Aberta
(Philippe Barcinski), Quimera (Eryk Rocha e Tunga), O Lençol Branco
(Marco Dutra e Juliana Rojas) e Alguma coisa Assim (Esmir Filho). Ninguém
em sã consciência pode apontar uma homogeneidade entre eles. Mas
e em 2007? Quais projetos cinematográficos, dentro do universos dos curtas nacionais,
foram incorporados por Cannes? Os curtas são três: Um Ramo (Dutra/Rojas)
e Saliva (Esmir Filho), ambos na Semana da Crítica, e Saba (Gregório
Graziosi e Thereza Menezes), a ser exibido no Cinéfondation (voltado para filmes
de escolas de cinema). O último é um primeiro filme dos diretores,
enquanto os outros diretores já possuem maior experiência - na direção
e em Cannes, onde filmes anteriores foram exibidos. Até por isso, há
textos em separado que discutem o trabalho de Esmir
Filho e da dupla Dutra/Rojas. Há
um investimento maior de parte do festival em iniciativas menos ou mais distantes
do naturalismo. Esse traço é bastante forte em Saliva, de Esmir Filho (ao
lado), que, dando continuidade ao universo da descoberta da sexualidade exibido
em Alguma Coisa Assim, concentra-se na obsessão oral de uma garotinha.
Ansiosa pelo primeiro beijo, ela ensaia a estréia de diversas maneiras, sempre
filmada de forma estilizada, com uma ambientação clean, cortes secos e
uma câmera mais próxima da protagonista. Esmir havia deixado claro seu fascínio
pelos artifícios e por um mundo de efeitos plásticos nos curtas anteriores (Ato2/Cena
5, Impar Par, Alguma Coisa Assim). Também já vinha trabalhando
com as demandas afetivas de seus personagens – às vezes confusos, às vezes obsessivos.
Saliva
tem poucos diálogos, uma busca de fusão do olhar do filme com a percepção teen
da personagem, preocupação maior com o fluxo entre os planos que com a dinâmica
interna dos mesmos, uma sensualidade mais explícita e mais poética – mas, por
conta da afirmação de um “bem fazer”, percebe-se ali imagens das experiências
no quadro, sem, com isso, haver experiências nas imagens (algo só sentido, dentro
do universo dos curtas de Esmir, na primeira metade de Alguma Coisa Assim).
O diretor parece ter um interesse especial por um cinema “de estúdio”, que inventa
um mundo e uma atmosfera para esse mundo, embora a valorização do artificialismo
pareça sempre um comercial da própria operação. Já
Saba transmite a impressão de ser, se não um comercial de suas próprias opções
(como Saliva), uma propaganda de suas filiações estéticas. Se Saliva
exala intuição, sem necessariamente construir afeto nas imagens (apenas imagens
de afetos), Saba explicita o racionalismo e o formalismo. Há uma clara
adesão a um cinema com a câmera no tripé, de enquadramentos empenhados em recortar
o ambiente, primeiro filmando azulejo, chão, paredes e portas, depois colocando
em quadro um casal de velhos – a princípio vistos à distância, como se fossem
parte do mobiliário, mais adiante filmados como se a câmera, com crueza, fosse
um microscópio colocado em suas peles. Do respeito quase indiferente dos primeiros
planos dos velhos passamos para uma proximidade superlativa. Saba parece
por demais consciente do lado “efeito artístico” de suas imagens, de seus vínculos
pela maneira de trabalhar o tempo e escolher os ângulos para filmar, sem se livrar
de um certo modismo nessa operação. Entre
os três, Um Ramo é o trabalho mais maduro, no qual o conceito de mise-en-scéne
articula-se com as situações e com os personagens, sem ser imposto ao mundo construído
pela ficção. Vê-se aqui a experiência na imagem, não somente a imagem da experiência,
com alto investimento na subjetividade – no caso, de uma mulher cuja pele é tomada
por pedaços de plantinhas. Tom seco. Economia de ângulos. Tudo levando a crer
que se trata de uma frieza. Ao contrário: a relação entre elementos emocionais
quase zero e a intimidade da câmera com a protagonista produz a força aflitiva
desse curta poderoso, que confirma com de maneira quase inquestionável o olhar
seletivo de Marco Dutra e Juliana Rojas editoria@revistacinetica.com.br
|