W
(idem), de Oliver Stone (EUA, 2008) por
Filipe Furtado Cine-tablóide
Há
dois modos para a imagem, em W. Nas cenas do presente, trata-se de reconstituir
a iconografia recente do governo Bush: tudo é plano e caricatural, enquanto a
escalada da invasão do Iraque se apresenta como um greatest hits de um
desastre anunciado. Já nos flashbacks entramos no terreno da cinebiografia
barata com a pretensa profundidade da psicologia rasa (é tudo culpa do pai, vejam
só), revelada em meio ao filão de fracassos e embaraços de sempre. Não fosse a
ocasional aparição de Bush pai no primeiro filme – incluindo um pesadelo/alucinação
com toda falta de sutileza que esperamos de Stone – de fato pouco ou nada os ligaria.
Até a presença de Josh Brolin (de longe, o que o filme tem de melhor) funciona
em registros diferentes: no presente, uma série de tiques e trejeitos condescendentes;
nos flashbacks, uma busca constante por uma intensidade que termina sempre
por lhe fugir. De um lado, a performance de superfície; na outra, a do “grande
ator” – mas seja em meio ao esquete interminável do The Daily Show ou na cinebio
para Oscar, Brolin parece desesperado para energizar seu boneco autômato enquanto
o filme ao seu redor não tem tempo a perder e se move para seu próximo alvo. Se
há algo minimamente interessante em W é justamente como estes dois filmes
descasados refletem os impulsos e fraquezas típicos de Stone. Está lá o prazer
em manipular todo um universo iconográfico americano, assim como a incapacidade
de dar qualquer forma dramática para este universo. Não fosse tão frágil, W
poderia disputar com JFK a posição de filme mais exemplar do seu cineasta,
mas enquanto no filme anterior ele lançava mão de todo um arsenal visual (da publicidade
ao cinema experimental) para tentar reanimar seu evento-chave, W termina
como reconstituição desgastada e a impressão de ter chegado por último numa série
de imagens já por demais repetidas e parodiadas. O filme se abre numa reunião
do gabinete do governo, que se transforma num grande espetáculo de atores conhecidos
se aventurando no terreno da paródia de personalidades que associamos mais a comediantes;
exercício de atores que é curioso por cerca de trinta segundos antes de começar
a se desgastar. Stone sempre foi um cineasta velho e pesadão – seus esforços em
dialogar com um suposto imaginário contemporâneo em Assassinos por Natureza
e Reviravolta representam o ponto mais grotesco da sua carreira – mas W
é, sobretudo, o filme de um burocrata cansado batendo ponto no tipo de filme que
a industria espera que realize.
A certa altura, o Bush de Stone tem seu
inevitável encontro com Tony Blair e é impossível não nos lembrarmos do A Rainha,
de Stephen Frears, um filme que enfrentava muito dos mesmos possíveis problemas
nos quais W é vitima e deles saia ileso. A diferença entre os dois filmes
está justamente na maneira como seus realizadores encaram o arsenal de imagens
surradas que tem a sua disposição: enquanto A Rainha é obra de quem refletiu
muito sobre o que fazer a partir deste material, como lidar com um evento público
que já foi mediado ao vivo pela televisão e o resto da mídia para todo o restante
do mundo, W só reafirma que Stone, diante deste universo icônico que lhe
fascina, não pensa, somente consome. Enquanto A Rainha amplifica as vantagens
de chegar muito depois dos eventos explorados, W só se soma às imagens
surradas que vieram antes dele. Diante
do fracasso de W, é útil retornar ao divórcio entre seu tempo presente
e seu passado e às duas imagens diferentes que Stone produz para preenchê-los.
Pois assim como as duas performances de Brolin traem a mesma fobia diante da pobreza
do material, as diferenças de ênfases e procedimentos de Stone não deixam de se
afunilar na mesma camisa de força: nas cenas do tempo presente a obsessão por
iconografia se traduz numa superfície de caricatura, nos flashbacks esta
mesma obsessão resulta em encaixar seu biografado numa vida caricatural. Mesmo
sem ter qualquer imagem para acrescentar – salvo por Brolin ser um simplório mais
carismático e envolvente que o original – Stone precisa contribuir para o imaginário
da era Bush, seja por vaidade, seja para aplacar as expectativas da indústria.
Mesmo com esta ausência de propósito e todas as suas fragilidades, W não
deixa de ser um filme do momento que retrata. Poderia tranquilamente se passar
pela versão cinematográfica de um blog de fofocas políticas, até nas suas pretensões
a credibilidade. Não surpreende, Stone sempre esteve mesmo mais para a caricatura
do grande cineasta que almeja ser. Abril de 2009 editoria@revistacinetica.com.br
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