Waldick
- Sempre No Meu Coração, de Patrícia Pillar (Brasil,
2008) por Eduardo Valente
Entre
o mito e o homem
O começo de Waldick – Sempre no Meu Coração
sugere uma aproximação bastante convencional ao gênero do documentário biográfico:
primeiro com um prólogo fechado no rosto dele tendo ao fundo uma estrada que passa,
num investimento estético cuidadoso mas também bastante formatado em certa linha
documental recente; depois com a chegada à cidade natal de Waldick, no interior
baiano, com seu peso de “volta às origens”, dentro de toda a tradição cronológica
da biografia em cinema – que se reforça ainda mais quando ele começa a falar para
a câmera num setup bastante simples. No entanto, com o tempo, e bem aos
poucos que o filme vai se transformando em algo bem mais inesperado e forte. “Tempo”,
no caso, é um termo importante: não apenas por se referir à duração do filme,
mas principalmente pelo trabalho com a duração de alguns planos e seqüências,
que vão permitindo que ao invés de “pedaços significativos de Waldick” a narrativa
vá se construindo de instantes realmente fortes e únicos. O momento em que esta
virada de olhar se torna incontornável, sem dúvida, é a cena com o filho de Waldick,
no bar em São Paulo. Ali, Patrícia Pillar revela-se uma cineasta
de mão cheia já neste seu primeiro esforço: não se deixa levar por um “moralismo”
fácil, tão comum ao documentarista latino, criando “obstruções” tolas do contato
com seus objetos. Sua câmera nem vampiriza nem idealiza Waldick, sua câmera não
se coloca em posição superior nem decide o que é ou não “adequado” filmar (como
se seu objeto não tivesse este discernimento). Ali, naquele momento tão pessoal
vivido em frente a câmera, o filme desvenda seu desejo de olhar de frente para
o homem que documenta, e enfrentá-lo como ser falho e incompleto que pode também
ser, não caindo portanto na tola heroicização tão comum nas cinebiografias. Não
que a câmera de Patrícia acuse Waldick de algum erro, longe disso, pois não se
trata aqui de julgamento: se trata de perceber todas as contradições de um artista
popular hoje um tanto esquecido, de notar as dificuldades de relacionamento de
um poeta dos sentimentos, de documentar a dor inerente mesmo ao envelhecimento.
Com
isso, Waldick vai se tornando aos poucos um filme sobre muito mais do que
apenas Waldick Soriano: por um lado, documenta um determinado Brasil em forte
expressão de sua cultura; por outro, um estado da vida humana no mundo; por outro
ainda, uma reflexão contundente sobre a vida que se escolhe viver e suas conseqüências.
Tudo isso, no entanto, sem nunca deixar de lado o seu personagem, sem nunca torná-lo
portador de teses pré-determinadas. Apenas, olhando de frente um homem (e sabendo
que olhar de frente não é só filmar a sua “realidade”, mas também o seu imaginário,
uma vez que este é tão formador de uma vida quanto). E é em algum lugar entre
o frágil e/ou embriagado homem idoso e a sombra mítica do chapéu de caubói sob
os holofotes do palco que Patrícia Pillar encontra o seu Waldick Soriano: um personagem
e tanto.
Março de 2008
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